15/12/2010
15/12/2010
Canindé Pegado
Ao caminhar por uma rua movimentada de um bairro nobre de São Paulo deparei, em frente de uma luxuosa confeitaria, um menino, da raça negra, maltrapilho. Deveria ter uns 10 a 11 anos. Estava com os pés no chão. Olhava fixo para a vitrine do estabelecimento onde estavam expostos os mais lindos e tentadores confeitos. Tinha queijadinha, cocadinha, brigadeiro, beijinho, quindin e tantas outras variedades de doces. Sem falar nos bolos. Cada um mais artisticamente decorado que o outro. Era bolo redondo ou quadrangular. Pequeno ou grande. Uns tinham até frutas sec as em volta.
O menino permanecia ali parado. Seus dois olhos não desviavam da vitrine. Pessoas bem trajadas passavam por ele. Uns até arriscavam a dar uma olhada rápida pela exposição da confeitaria. Talvez nem notasse a presença daquele garoto como se fosse uma estátua. Mas prosseguiam o seus trajetos. Dentro da loja fregueses ocupavam os espaços das mesas e do balcão. E o pobre do guri dava uma desviada com os olhos e captava cenas de crianças, jovens e adultos saboreando aqueles doces. Naquela cabecinha o que estaria ocorrendo naquele exato momento? Pensava em ar mar um plano no sentido de entrar e percorrer mesa por mesa pedindo que lhe comprassem um daqueles doces ?
Nesta época em que se aproximam as comemorações do Natal, data máxima da cristandade, muitos desses meninos estão espalhados por esse Brasil a fora. São pobres e inocentes criaturas que vivem diante das vitrines dos estabelecimentos comerciais com os olhos fixos nos doces, brinquedos, roupas, calçados ou até mesmo um simples pão para matar a fome. São milhares de meninos carentes que, nesta época, ficam com as mentes massificadas de tanta propaganda dos meios de comunicação anunciando o Natal de Cristo e, por detrás a figura universal do Papai Noel e um verdadeiro enxame" de propaganda para atrair os consumistas.
Para essas crianças excluídas da sociedade, o "bom velhinho" irá visitar suas casas erguidas com madeirites nas favelas da periferia dos grandes centros urbanos ou até mesmo debaixo das pontes e viadutos onde vivem. Só que o Natal passa e o Papai Noel não aparece. Resta a essa gurizada continuar sonhando tendo como pano de fundo os acordes dos sinos que anunciam mais um aniversário do nascimento daquele que, em vida, não cansava de pregar que "Bem aventuradas as crianças porque elas alcançarão os reinos dos céus".
Fiz questão de apresentar a descrição acima para ilustrar melhor um problema nacional e mundial. Nós que militamos no sindicalismo temos uma responsabilidade muito grande que consiste também em se preocupar com aqueles que hoje serão o futuro desta rica e poderosa Nação. E como pode um Brasil de dimensões continentais permitir que isso venha acontecendo? Aliás, não é fato recente. Vem de muitos e muitos anos e todos têm conhecimento.
Embora a nível mundial os chamados bolsões de miséria venham diminuindo, a verdade é uma só: a pobreza global é ainda um problema enorme e dramático. Todos os anos cerca de 18 milhões de pessoas (50 mil por dia) morrem por razões relacionadas com a pobreza, sendo a maioria mulheres e crianças. Todos os anos cerca de 11 milhões de crianças morrem antes de completarem 5 anos. 1 bilhão e 100 milhões de pessoas, cerca de um sexto da humanidade, vive com menos d e 1 dólar por dia. Mais de 800 milhões de pessoas estão subnutridas. Pobreza não resulta de uma única causa mas de um conjunto de fatores.
Lógico que o movimento sindical não tem como agir de forma retroativa para, num abrir e fechar dos olhos mudar todo esse cenário degradante e fazer com que a alegria e a felicidade plena reinem em cada um dos milhares de lares dessas crianças excluídas. Mas os sindicatos brasileiros podem muito bem criar mecanismos para evitar que nos natais futuros tenhamos mais crianças sonhando por algo não realizável.
Ao mesmo tempo em que faço votos de bom e feliz Natal a todos os dirigentes sindicais e trabalhadores e trabalhadoras brasileiros, aproveito a ocasião para conclamá-los a uma reflexão sobre o tema. Vamos arregaçar as mangas e evitar que mais crianças derramem lágrimas de infelicidade em tantos momentos e principalmente numa época tão importante para a humanidade. Acredito que, se o aniversariante deste 25 de dezembro ainda vivesse, talvez até estivesse chorando com toda essa criançada sofredora, porque não foi esse ensinamento que ele deixou quando em vida.
(Canindé Pegado é Secretário Geral da UGT - União Geral dos Trabalhadores)"
UGT - União Geral dos Trabalhadores