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ARTIGOS



A Reforma do Sistema Americano de Saúde


09/09/2009



Por John Fernandes, 22 de Agosto de 2009.

O distorcido debate a respeito do direito de cada cidadão americano ao sistema de saúde não obteve sucesso somente em confundir e angustiar parcela significativa do público, mas, também, em enfraquecer a habilidade administrativa do governo Obama de trazer o país de volta a uma economia saudável.

Isto soa como um alarme, quando o EUA, o mais rico e poderoso país do planeta, demonstra tanta pobreza de espírito, conforme revelado em debate no Congresso sobre a questão da saúde. Recordando a que, provavelmente, é a mais célebre frase da história americana, engastada na Declaração de Independência, ''Vida, liberdade e procura da felicidade'', penso que a qualidade desses atributos seja um valor implícito. É importante salientar que esta famosa frase basea-se no escrito, 'Two Treatises of Government', redigido pelo grande escritor inglês e filósofo John Locke (1690), que se expressou da seguinte maneira: ninguém tem o direito de ferir o outro na sua vida, saúde, liberdade e posses". Ao enfatizar esses quarto valores coletivamente, Locke claramente intencionava englobar os atributos da qualidade de vida. Em outras palavras, de que adianta ao homem ter vida, liberdade e direito de procurar a felicidade, se ele não tem acesso a saúde?

O Presidente Obama está certo, quando no intuito de criar um apoio bipartite vital para a aprovação de uma reforma de maior envergadura, em deixar os detalhes para serem costurados pelo Congresso. Porém, ele precisa mostrar exatamente sua posição nos detalhes importantes que conduzem as deliberações, sob pena de mostrar-se falho na defesa de suas propostas. Se ele realmente acredita que uma cobertura universal do sistema de saúde é uma "obrigação ética e moral", então vale a pena arcar com os custos
e ele deveria dizer isso com total convicção. Tal atitude reduziria os sinais confusos enviados para a maioria, que tem cobertura, e está sendo levada a acreditar que o ganho da minoria populacional sem cobertura ocasionará perda para eles. Uma pesquisa recente realizada pelo The Economist, reflete a falta de clareza causada por falsas informações
38% acredita que ficarão em um situação pior, 19% pensa que ficarão em uma situação melhor e acima de 50% acredita que vão terminar pagando mais. Porém, temos que aceitar que se existe alguma coisa que os americanos aprenderam com está crise, é que dívidas em excesso tem consequências terríveis, tanto para indivíduos como para os governos.

Existe razão suficiente para acreditar que não muitos americanos entendem como o presente sistema de saúde funciona. Primeiramente, eles precisam saber que o sistema como um todo é baseado em cobertura por seguro. Segundo, que a Medicare, que cobre os custos com pessoas acima de 65 anos de idade, é segurada pelo governo. Com o envelhecimento da população, cada vez mais americanos passarão a ser cobertos por este sistema. Terceiro, é a regulamentação criada pelo governo que impede os empregadores de discriminar empregados quando da contratação dos planos de saúde empresarias. Quarto, as empresas privadas de seguro gastam 30% dos prêmios rastreando possíveis doenças que impedirão a adesão a planos de saúde. O ganhador do Prêmio Nobel em economia, professor Paul Krugman, coloca assim a questão, "Nos só temos um plano de saúde que funciona porque o governo dá cobertura às pessoas acima de 65 anos, e, utilizando-se de uma combinação de regulamentação e subsídios fiscais torna o beneficio possível para muitos, mas não para todos."

Infelizmente, para o Presidente Obama, desde a passagem da Medicare e Medicaid nos idos dos anos sessenta, os democratas têm um histórico de falha de governabilidade. Em questões cruciais, como o envolvimento do governo em políticas sociais, o Presidente Kennedy foi incisivo em sua réplica aos oponentes, "Esta medida serve ao interesse público. Envolve o governo porquê envolve o bem-estar público" (Madison Square Garden, Maio de 1962). Com convicção similar o Presidente Johnson levantou sua bandeira pela aprovação do Programa de Segurança Social "como uma valorosa parte da nossa vida nacional"(Janeiro de 1965). Caso os democratas, com significativa maioria no Congresso, falhem na aprovação do projeto da reforma do sistema de saúde, que engloba custos, qualidade e cobertura, eles serão vistos como incapazes de governar.

Os EUA é o único país desenvolvido que não oferece cobertura universal a sua população. É também o país que mais gasta com saúde, mas que recebe menos qualidade pelo seu dinheiro. O Business Roundtable Health Care Value Comparability Study aponta importantes aspectos que não foram suficientemente ressaltados no debate sobre a reforma do sistema de saúde, agora costurados pelo Congresso. Primeiro, é o fato de que se o custo do sistema de saúde continuar a aumentar significativamente mais rápido do que a inflação, a cobertura diminuirá, assim como mais famílias não terão condições de arcar com os custos. Isto também quer dizer que um número de trabalhadores continuará trabalhando na mesma empresa, mesmo que não gostem do tipo trabalho que executam, pois precisarão manter o plano de saúde. Segundo, comparado com seus principas concorrentes, as indústrias americanas gastam 27% mais em plano de saúde, o que dá aos outros uma significante vantagem comparativa. Terceiro, os planos de saúde são negócios e a falta de concorrência tem negado a estes empreedimentos os benefícios de ganho de produtividade que outros setores experimentam. Quarto, e mais alarmante , é o fato de que os trabalhadores americanos são, aproximadamente, 10% menos saudáveis do que os trabalhadores canadenses, japoneses, alemães, britânicos ou franceses
mais surpreendente ainda, são, aproximadamente, 5% menos saudáveis do que os trabalhadores brasileiros, indianos ou chineses.

O problema mais complicado é alcançar um nível de cobertura de saúde que seja sustentável e custeável. Um bom lugar para começar a reorientar as bases do presente sistema e a mudança do 'pagamento por serviço' pelo 'pagamento por desempenho', com forte ênfase na medicina preventiva. Estas medidas precisam ser implementadas com urgência. Projeções de custos com saúde falham profundamente no cômputo do aumento geométrico dos custos trazidos por novas tecnologias. Ninguém sabe que curas serão futuramente baseadas nos avanços neurológicos, genéticos, orgãos mecânicos e eletrônicos, biologia molecular, pesquisas com células tronco, etc. e quanto custarão em 10 anos. Ademais, causa preocupação o fato de que as projeções da Comissão Orçamentária do Congresso (Congressional Budget Office) têm influenciado tão negativamente o debate, uma vez que subestimaram sériamente a poupança obtida por meio do Balanced Budget Act de 1997 e o aumento dos custos pela Medicare Modernization Act de 2003. O CBO projetou poupanças no Balanced Budget Act de 9.1% nos quarto anos seguintes, quando na realidade foi 50% maior em 1998 e 113% em 1999. Mais uma vez, o CBO estimou que a Medicare Modernization Act adicionaria mais US$ 206 bilhões em aumento de custos, quando o gasto atual foi de quase 40% menos.

Os americanos não precisam aprender com outros país, se eles se sentirem embaraçados com tanto. Um estudo realizado pelo Dr. Atul Gawande e seu time de especialistas* em saúde identificaram 74 Hospital Referral Regions nos EUA que redesenharam seus sistemas para reduzir os custos em media em 16% e ainda superam média nacional em qualidade de atendimento. Os resultados levaram o Dr. Gawande à conclusão de que não é somente possível um sistema de saúde melhor, mais seguro, e com baixo custo de atendimento, mas "Se o resto do país pudesse atingir o desempenho de regiões como estas, a crise financeira do sistema de saúde estaria acabada." Portanto, o Presidente Obama está absolutamente certo em enfatizar a necessidade de forçar o custo-eficiência no setor de saúde. Ele está certo, novamente, em reconhecer que o governo é um ingrediente vital para alcançar tal fim.

* Atul Gawande dirige o Center for Surgery and Public Health em Brigham and Women's Hospital, em Boston e é um colunista no jornal The New Yorker
Donald Berwick é o president do Institute for Healthcare Improvement em Cambridge, Mass.
Elliott Fisher dirige os trabalhos para a reforma política no Dartmouth Institute for Health Policy and Clinical Practice
e Mark McClellan e o director de saúde e reforma da política básica na The Brookings Institution. Todos são médicos.

John Fernandes é sócio da Aquarius Consulting e Secretário de Política Econômica da UGT, Brasil."




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