18/03/2009
Esta bem que poderia ser a manchete do jornal Tribuna da Bahia: Uma greve parou a cidade de Salvador em 1º de junho!" Seria um dado que provavelmente não despertaria maior atenção, poderia ser uma notícia até mesmo corriqueira, se estivéssemos nos anos 1980-90, mas certamente esta assertiva causará bastante espanto a muitas pessoas, se informadas de que esta greve ocorreu no ano de 1857 e que os grevistas eram escravos "de ganho" carregadores de cadeira e africanos libertos. Escravo de ganho era aquele que além de fazer o trabalho de seu dono ainda fazia um extra para também entregar ou dividir com o seu senhor.
Esses ganhadores protestavam contra uma postura municipal (lei municipal) que procurava lhes impingir taxas e o uso de uma placa de metal ao pescoço para desenvolver suas atividades, e "cruzaram os braços". As estratégias dos escravos foram eficientes como se pode ver no documento datado de 02/06/1857.
"Hontem esteve à cidade deserta de ganhadores e carregadores de cadeira. Não se achava quem se prestasse para conduzir objeto algum. Da alfândega nenhum objeto sahio, a não ser objeto mui portátil, ou que fosse tirado por escravos da pessoa interessada.
Os pretos ocultaram-se. E se os senhores não intervierem nisso, ordenando-lhes que obedeçam a Lei, o mal continuará, porque, segundo ouvimos, elles estão nessa disposição". (Publicado por João José Reis em "A greve negra de 1857 na Bahia" Revista USP, 18, 1993)
Mas por que falar em greve, quando inclusive ela parece diminuir como um instrumento de luta, em um momento em que o desemprego se multiplica ao sabor da crise econômica. E ainda mais greve de escravos? Em que isto pode auxiliar a refletir os homens do presente?
Inteirar-se acerca deste episódio, desconhecido da maior parte dos trabalhadores, no qual escravos e outros quase escravos utilizaram a greve como instrumento de pressão/resistência bem como sobre outros episódios da história pode propiciar uma reflexão que supere diversas das barreiras, especialmente as relativas aos aspectos étnicos que se interpõem ao desenvolvimento das relações de trabalho no Brasil.
Estudos recentes têm buscado romper as amarras da dicotomia entre o passado escravista indígena e africano e uma história do trabalho deflagrada a partir da chegada massiva dos brancos imigrantes europeus no final do século XIX e início do XX. Estas interpretações começam a permitir que seja diminuída a invisibilidade do trabalhador negro no Brasil, promovendo a inclusão daqueles que não eram considerados sujeitos da história do movimento operário: os trabalhadores negros.
E é também reconhecer conforme afirma Antonio Luigi Negro que "a emancipação dos operários é obra da própria classe operária" e que "no Brasil oitocentista, (...) com ou sem liberdade os trabalhadores haveriam de se defrontar com a inviolabilidade da voz de comando senhorial, num quadro de relações sociais tingidas pelo paternalismo, mas nem por isso removidas de lutas de classe".
Muitas das vezes em que se falou da história da luta dos trabalhadores brasileiros deve ter vindo à memória a assertiva inconteste de que o movimento reivindicatório no Brasil teria se originado das formulações de brancos europeus ligados ao anarquismo internacional e depois na sua maioria vinculados às lutas comunistas.
É certo que não se pode contar a história do movimento dos trabalhadores no Brasil, sem falar dos anarquistas e dos comunistas, no entanto em tempos onde a história tem a possibilidade de ser estudada através de novas fontes, e muitos documentos circunscritos somente ao meio acadêmico começam a aparecer no movimento sindical, passamos a ver que existe mais de um caminho para compreender o histórico das lutas dos trabalhadores.
Quando a Secretaria para Assuntos da Diversidade Humana propõe levantar estes temas na UGT, como, por exemplo, a Greve de 1857 em Salvador é para que pelo menos se dê notícia ao mundo sindical da configuração que propomos: os negros lutaram contra a escravidão com todas as suas forças e assim como na greve de 1857, mesmo nos momentos de maior opressão os trabalhadores conseguiram demonstrar sua organização fossem eles escravos ou assalariados.
Sem querer reescrever a história dos trabalhadores no Brasil, propomos lançar luz sobre acontecimentos históricos que comprovam a participação ativa dos povos escravizados no Brasil, participação inclusive, fundamental
se quisermos formar uma cultura de participação social ativa neste momento "pós-neoliberal" devemos refletir sobre a lição que nos legaram aqueles escravos e libertos: mesmo nos momentos de maior dificuldade à saída é pela luta coletiva, é na luta que se articulam práticas culturais inerentes aos trabalhadores. E é sob este viés que precisamos organizar nossas ações.
Magno Lavigne.
Secretário Para Assuntos da Diversidade Humana-UGT.
magnolavigne@ig.com.br
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UGT - União Geral dos Trabalhadores