Ricardo Patah
Presidente nacional da União Geral dos Trabalhadores - UGT
24/11/2020
João Alberto Silveira Freitas, um cidadão negro de 40 anos, foi espancado – e provavelmente asfixiado – até a morte em uma unidade do Carrefour de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.
Revolta, medo e indignação são alguns dos sentimentos que essa perda provoca.
E o fato de isso acontecer no Dia da Consciência Negra não é apenas uma infeliz coincidência. É um alerta de que não há consciência alguma.
Em tese, o crime não teria sido cometido por um funcionário do Carrefour, e sim por funcionários de uma empresa terceirizada. Mas... terceirizada pelo Carrefour, o que, no fim das contas, responsabiliza a empresa de toda forma.
É inaceitável que uma multinacional desse porte não cumpra regras de compliance, ou seja, procedimentos éticos e legais que devem reger todas as unidades da empresa, como uma linha mestra de comportamento, o que inclui as atitudes de seus funcionários – estejam eles trabalhando por um dia, uma hora, uma vida, contratados ou terceirizados.
A falta de compliance no Carrefour fica ainda mais evidente quando se constata que a tragédia de hoje não foi a primeira.
Há dois anos, um segurança de uma unidade do Carrefour em São Paulo matou o cachorro Manchinha com uma barra de ferro.
Em agosto deste ano, Moisés Santos, promotor de vendas de uma loja da multinacional em Recife, faleceu enquanto trabalhava. Seu corpo foi coberto com guarda-sóis e cercado por caixas e a loja seguiu funcionando normalmente.
Sem falar em ações judiciais e trabalhistas, em nível nacional, por assédio moral, controle de uso dos banheiros, ou, ainda, em 2009, a violência de funcionários do Carrefour de Osasco (SP) contra Januário Alves, um trabalhador negro confundido com um criminoso.
Mais uma vez, não há coincidência. Há, sim, intolerância, indiferença, falta de preparo dos funcionários. Falta de vontade de preparar os funcionários. Falta de punição. Falta de humanidade (exposta não apenas nos atos violentos e criminosos em si, mas também em atitudes de funcionários filmando a tragédia e não agindo para evitar que ela acontecesse).
Num momento em que o mundo vive uma situação gravíssima e que lutamos tanto contra um inimigo invisível, inimigos visíveis não podem passar impunes.
Mais: não podem ser respaldados por um governo que deveria ter como missão, genuinamente, promover a saúde, a não violência, a igualdade, o emprego, a vida.
Nós não vamos desistir. Vidas negras importam. As vidas do João, da Maria, da Ana, do Eduardo, do José importam. Todas as vidas importam.
Ricardo Patah
Presidente nacional da União Geral dos Trabalhadores (UGT)
UGT - União Geral dos Trabalhadores