Benício Schmidt
Colaborador do IAE - Instituto de Altos Estudos da UGT
19/01/2016
Não há país no mundo de hoje que não tenha na expansão da educação superior um de seus objetivos mais centrais. Dado por suposto que a educação, ao nível elementar, médio e médio-tecnológico, já tenham se desenvolvido – em quantidade e qualidade compatíveis com os requerimentos da Civilização do Conhecimento, a universidade é o caminho de expansão necessário para a estabilização das expectativas e a capacitação de pessoas para este novo patamar do desenvolvimento internacional.
Historicamente, apesar de seu tamanho, de sua população e sua participação na economia mundial, ainda um dos dez PIBs maiores do mundo, o Brasil carrega um atraso permanente e lamentável no quesito “educação superior”. Foi o último país da América Latina a ter universidades, ciclo que está por completar cem anos somente agora; quando os demais latino-americanos têm séculos de experiência, a partir de universidades confessionais (religiosas) e ligadas ao reino espanhol e depois pela enorme expansão das redes público-estatais, como é o caso da Argentina.
Apesar disso, o Brasil se encontra, hoje, como um país de alta produtividade acadêmica e de boa reputação pela presença, principais e quase exclusivamente, baseadas na existência das universidades públicas (federais, estaduais e comunitárias).
Como sempre, de modo atrasado na perspectiva da história da educação superior, a valorização da universidade teve de ser iniciada pelo Estado; sendo que a primeira onda veio com a gestão de Paulo Renato Souza, no Ministério de Educação durante o primeiro Governo de Fernando Henrique Cardoso. Não havia uma consciência popular que estar na universidade era uma maneira de assegurar os empregos que estavam surgindo na corrida modernizadora e na diferenciação acelerada do processo produtivo nacional. Foi preciso fazer agressivas campanhas para a mobilização social em busca desta chance, inicialmente abrigada pelo parque (ainda diminuto) universitário estatal brasileiro.
Atravessando crises econômicas sucessivas, com nove ataques especulativos sobre a moeda nacional, o recente Real, o governo Fernando Henrique Cardoso pouco fez, a não ser fortalecer muito os cursos de pós-graduação. Ficou com Lula da Silva a tarefa de criar várias universidades públicas, principalmente no interior do Brasil, fora das capitais e dos centros metropolitanos.
Ambos os governos (FHC e Lula) tiveram de enfrentar a eterna falta de recursos para construir, implementar e operar universidades públicas. Diante disso, iniciando pela gestão de Paulo Renato Souza, começou um movimento de “concessões a grupos privados de educação superior”, regulado pelo renovado Conselho Nacional de Educação.
Renovação esta, e concomitante reestruturação, feita durante o curto período presidencial de Itamar Franco, que mudou até o nome de Conselho Federal de Educação para o atual Conselho Nacional de Educação (CNE).
O movimento “privatista” veio para sanar uma lacuna, ou seja, a impossibilidade do Estado Nacional garantir a expansão da educação superior. Todavia, como em outros países, a educação superior se revelou um excelente “negócio”, e sempre com forte apoio dos cofres da União. É o caso do financiamento estudantil (CREDUC, desde os anos 1980, FIES agora). O CREDUC, ao final de sua vigência, apresentou uma inadimplência de 90%.
O crédito estudantil vigente (FIES) possibilitou uma expansão espetacular do setor, pois saímos de 1,5 milhão para cerca de 7,6 milhões de universitários, atualmente. O detalhe marcante, entre outros, é que hoje cerca de 75% das matrículas estão concentradas no setor privado, cujo tem sido crescentemente controlado por grandes holdings financeiras, com fortíssima participação estrangeira. Negócio lucrativo, com a conseqüente presença alta destes grupos na Bolsa de Valores.
Com a chegada da crise fiscal-financeira no período governamental de Dilma Roussef, o FIES dá fortes indicações de falência. Segundo relatório (janeiro de 2016) da CGU (Controladora Geral da União) há uma inadimplência de 47,14% do FIES em 2014; com óbvias indicações que atualmente seja muito maior.
Como fazer? A União já conta com um orçamento de R$ 18,8 bilhões; sendo que daí sai R$ 300 milhões para o fundo garantidor (FGEDUC), incapaz de cobrir mais 320 mil contratos programados pelo MEC. Isso significa metade das 730 mil ofertadas em 2014; provavelmente implicando um número muito menor para 2016. Nos últimos meses de 2015 o governo pagou parcialmente (60%) dos créditos prometidos e encaminhados às universidades privadas. Em vigência estão 1,9 milhão de contratos do FIES, que demandam cerca de R$ 16 bilhões. Hoje, as instituições privadas contribuem com 5,63% da mensalidade financiada para o Fundo Garantidor. Exigir maior participação e diminuindo o numero de financiamentos, o Governo certamente afetará as margens lucrativas do setor privado. É a crise instalada no setor!
Além dos aspectos financeiros, afetando as complexas relações entre as empresas privadas de educação superior a União, pondo as empresas em situação menos lucrativa e consequentemente tendo suas ações em Bolsa depreciadas, resta uma questão de conteúdo social e que tem implicações diretas sobre os filhos dos trabalhadores. A maioria dos estudantes universitários no setor privado são trabalhadores ativos ou filhos de trabalhadores, com necessidades de crédito estudantil (FIES). Como serão afetados?
É urgente que os trabalhadores, por meio de suas instituições sindicais, estejam informados do problema e participem das soluções propostas. Caso contrário, a educação superior estará fora do alvo histórico de seus companheiros e descendentes; assim comprometendo a possibilidade de sua participação na Sociedade do Conhecimento e da possibilidade de auferir melhores salários e ganhos econômicos e sociais.
Benício Schmidt - colaborador do IAEUGT
UGT - União Geral dos Trabalhadores