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UGT Press 430: Atentado em Paris


14/01/2015

INJUSTIFICÁVEL: são normais, em lados opostos, as justificativas aos mais estranhos acontecimentos, embora, em certos casos, dada a dramaticidade da situação, elas não caibam. Assim, será possível ver gente vinculando o atentado de Paris às políticas praticadas por nações hegemônicas como os Estados Unidos ou como ofensa religiosa incontornável. É comum, por exemplo, atrelar essas justificativas em relação ao antiamericanismo, ao desrespeito religioso ou à política internacional. No caso, não se trata dessas circunstâncias ou situações, todas passíveis de críticas em seus respectivos âmbitos. Trata-se de métodos de ação, de inspiração totalitária, baseados na intolerância, na intransigência e no sectarismo. Ausência total de pluralismo e repulsa aos valores democráticos. Ataques às embaixadas, ação contra inocentes em metrôs e estações ferroviárias, decapitação de pessoas, sequestro de aviões, colocação de bombas em locais públicos e o assassinato frio e calculado, como esse que aconteceu em Paris contra trabalhadores da imprensa, pertencem a uma nova categoria de iniquidades. São, portanto injustificáveis sob qualquer olhar civilizado. Apesar disso, UGTpress registra algumas opiniões diversas e que fogem das emoções próprias da primeira hora.

 

OPINIÃO DOS TRABALHADORES: o ataque terrorista ao semanário francês Charlie Hebdo merece análises mais aprofundadas, longe desses primeiros e tensos momentos. Desde logo, repetir que, por maiores e mais consistentes explicações que possam existir, nada justifica o uso da violência contra cidadãos trabalhadores. Tratamos as vítimas como colegas. Cartunistas ou jornalistas exerciam o seu ofício livremente, em paz, eram trabalhadores de uma empresa jornalística e, como tal, têm a solidariedade das organizações sindicais mundiais, entre elas a UGT-Brasil (União Geral dos Trabalhadores do Brasil) e seus braços superiores internacionais, a CSA (Confederação Sindical dos Trabalhadores/as das Américas) e a CSI (Confederação Sindical Internacional). As três organizações foram claras o suficiente em externar solidariedade às vítimas e condenar os atos de terrorismo, sem confundi-los com outras questões, por mais meritórias que possam ser. O presidente da UGT-Brasil, o comerciário Ricardo Patah, fez pronunciamento sobre o assunto.

 

CONSEQUÊNCIAS:  em artigo no Estadão de sábado (10), o escritor Leonid Bershidstky (Bloomberg) afirmou: "Apesar de a polícia francesa ter matado os suspeitos do ataque ao semanário Charlie Hebdo, os terroristas, pelo menos em dois aspectos, venceram: conseguiram atemorizar várias organizações de notícias poderosas e fomentaram a islamofobia européia que ajudará os islamitas [Estado Islâmico] a recrutar mais simpatizantes". Afirmação corajosa e verdadeira na medida que estimula a radicalização entre esses dois pólos de civilização. Na imprensa internacional, nos últimos dias, foram notórias as censuras e cuidados com charges sobre o tema. Até o sisudo NYT (New York Times) deixou de exibir charges, apenas descrevendo algumas, o que não é a mesma coisa. Outras publicações foram claras em não permitir charges.

 

TERMÔMETRO DA TENSÃO: na Alemanha, a sede do Hamburger Mofrgenpost foi incendiada. Este foi o mais grave episódio depois do ataque ao semanário Charlie Hebdo. Outros registros menores (Madri, Montreal e outras cidades) foram feitos. Com isso, fica claro o aumento da tensão, do avanço dos nacionalismos e extremismos e da intolerância, por exemplo, contra a imigração e a prática do multiculturalismo. Visível retrocesso. Com a radicalização, todos só têm a perder. A crise européia já vinha produzindo esses fenômenos de intolerância. Assim, várias posições radicais de direita avançarão: na França, a Frente Nacional de Marine Le Pen, no Reino Unido, o Ukip (Partido pela Independência do Reino Unido), na Alemanha, o movimento Patrióticos Europeus contra a Islamização do Ocidente, na Suécia, o Partido Democrata Sueco e por aí vai. Em cada país há um exemplo de radicalismo de direita. O mundo livre está perdendo a batalha e é preciso encontrar formas de deter o retrocesso civilizatório. A ironia é que todas essas manifestações e declarações se dizem em defesa da Civilização Ocidental.

 

REGISTRO ALENTADOR: a maioria dos líderes religiosos muçulmanos em todo o mundo foi unânime em condenar o ataque, alguns dizendo que este tipo de ação faz muito mal ao islamismo. O reitor da Mesquita de Paris, Dalil Boubakeur, merece ser citado: "O atentado foi uma fragorosa declaração de guerra. Estamos horrorizados com a brutalidade e a selvageria". Também líderes políticos, chefes de nações árabes e notáveis do Oriente Médio fizeram pronunciamentos firmes, todos condenando a ação. Neste caso, a adesão de lideranças islâmicas ao coro de condenações, parece, foi mais evidente do que em situações anteriores.

 

FUNDAMENTALISMOS: o escritor paquistanês, autor do livro "O Poder das Barricadas" (Editora Boitempo), em artigo assinado (Folha, 11/01), disse: "Há um pouco mais que sátira em jogo. O que estamos testemunhando é um conflito entre fundamentalistas rivais, cada um mascarado por diferentes ideologias". Já Ricardo Melo, colunista da mesma Folha (12/01), afirmou: "Qual a diferença entre as Cruzadas, a Inquisição e o jihadismo atual? Nenhuma em essência. Tanto uns como outros usavam, e usam, a religião como justificativa para atrocidades desmedidas". Para o consagrado cartunista e humorista brasileiro, Laerte Coutinho, aliado dos trabalhadores, "toda piada contém uma ideologia" (Estadão, 11/01). Mas, didaticamente, há diferenças entre política, humor, censura e religião. Grosso modo, política é inerente à atividade humana; humor é uma forma de linguagem ou comunicação: censura é uma limitação da liberdade e vai dos cuidados com a educação até a repressão descabida; e a religião é um código de conduta, uma crença ou fé. O problema ocorre quando essas coisas se misturam, propiciando aos homens oportunidades para as mais torpes ações. Como disse Protágoras "o homem é a medida de todas as coisas".

 

CONSTATAÇÃO: em geral, as religiões, com pontuais dessemelhanças, matizes e doutrinas entre si, com diferenças, sempre estão um passo atrás em relação ao secularismo. Isso sempre foi recorrente ao longo da história, mas é compreensível e explicável: os dogmas, pontos fundamentais e doutrinários, apresentados e defendidos como indiscutíveis, são muito difíceis de serem removidos ou adaptados à evolução dos costumes nas sociedades. Daí o descompasso entre as práticas religiosas e os costumes pagãos. Há também, no interior das diversas religiões, pontos de conflitos motivados por padrões interpretativos diferentes. Por isso, existem muitas correntes e denominações dentro do cristianismo, islamismo, budismo, hinduísmo, etc. Não há convergência nem dentro de um mesmo grupo, ramo, linha ou tendência. Essas contradições, próprias da natureza humana, deveriam estar a serviço da paz religiosa e cada simpatizante, fiel ou praticante precisa compreender e exercer a sua fé sem qualquer sentimento de repulsa ou intolerância em relação ao próximo, às outras pessoas, aos outros credos e até mesmo às outras culturas. Só assim, haverá paz na civilização. Estamos longe, muito longe ainda disso.

 

RETROCESSOS: ações radicais como essas proporcionam desculpas para retrocessos em termos de civilização. O 11 de Setembro deformou os direitos individuais nos Estados Unidos, propiciando a invasão de privacidade; haverá, sem dúvida, recrudescimento do xenofobismo na Europa; aumentarão o controle sobre fronteiras e a movimentação de pessoas; até a internet está ameaçada e os governos, há tempos, estudam formas de controle ou censura sobre ela. A reunião de domingo (11/01), em Paris, dos ministros do Interior de doze países europeus, suscitou todas essas possibilidades. A Casa Branca (leia-se governo dos Estados Unidos) anunciou para 18 de fevereiro uma cúpula global sobre segurança. O ministro do Interior da França, Bernard Cazeneuve, foi mais longe: "É preciso adaptar o sistema Schengen para permitir o controle de passageiros nas fronteiras". O sistema Schengen facilita a circulação de pessoas entre os países da União Européia (UE) e desta com outros países. O Brasil é um dos beneficiados com o sistema Schengen e graças a isso podemos entrar na UE sem necessidade dos vistos em passaportes.

 

RESPONSABILIDADES DIFUSAS: parece que nessa guerra de comunicação ou de ações, as mais diversas, desde os ataques terroristas às missões militares, não há santos (muito pelo contrário). A última e mais preocupante manifestação deste xadrez político foi o surgimento do Estado Islâmico (EI). O EI é especialmente fruto dos erros do Ocidente no Oriente Médio. O jornalista britânico Patrick Cockburn disse isso em entrevista por Skype à Folha de São Paulo (11/01): "A responsabilidade está em invadirem o Iraque em 2003, e principalmente depois, ao permitirem a continuidade da guerra civil na Síria, iniciada em 2011, criaram as condições para que os jihadistas pudessem crescer". A questão palestina não está resolvida e apesar da massacrante maioria dos países concordarem com a criação do Estado Palestino, Estados Unidos e Israel postam-se resolutos e contrários à iniciativa, alegando questões de segurança. Será que a segurança não está debilitada exatamente em função dessas posições?

 

PERGUNTA FINAL: há uma tênue divisão entre o respeito à diversidade, ao multiculturalismo e ao exercício pleno das liberdades, especialmente, no caso, a liberdade de imprensa. Dos dois lados, as vítimas são chamadas de mártires. Isso acende a discussão se os temas religiosos podem ser alvo de charges e comentários ousados por parte daqueles que estão à frente da prancheta ou do computador e cujo trabalho será consumido por milhares ou milhões de pessoas. A autocensura, por si só, resolve? Os códigos de ética das redações são suficientes? As constituições nacionais deveriam tratar do assunto? Desde 2005, quando Fleming Rose, editor dinamarquês, pediu aos seus cartunistas charges sobre o profeta Maomé, fundador do islamismo, vivemos este dilema. Há uma nítida divisão de opiniões, sem um consenso sobre o assunto. Fleming Rose, ao lançar no ano passado, em Washington, o seu livro "A tirania do silêncio", declarou: "Compreendo que as pessoas se sintam intimidadas. Acho que devemos ser honestos quanto a isso. Não devemos nos conformar em ser polidos" (Estadão, 10/01). A pergunta final que se faz é: os atos terroristas de Paris servirão para intimidar os profissionais de imprensa? O escritor Leonid Bershidsky diz que sim. E você?




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