16/11/2016
DETECTAR SENTIMENTOS: em termos de eleições, a primeira tarefa é buscar quais os sentimentos e as perspectivas das pessoas. Quais são as suas preocupações e desejos imediatos? Levantar o pensamento médio, dominante ou latente da sociedade. Descobrir as tendências sólidas, já disseminadas, mesmo que injustas ou absurdas aos olhares mais atentos ou especializados. Em geral, ideias capazes de subsistir por si mesmas, causar polêmicas e provocar debates, incendiando e polarizando discussões. Temas que arrastam os meios de comunicação (massmedia) e levam ao confronto apaixonado e radicalizante dos defensores das ideias expostas, normalmente pesquisadas previamente. São os chamados “marcos interpretativos” sobre os grandes problemas, todos afetando aquilo que os cientistas chamam de “cérebro sub-reptiliano”, a área mais primitiva da mente e que tem a ver com as emoções dos seres humanos. Evoluímos, mas temos heranças atávicas, modernamente estudadas e mapeadas.
OPA VERSUS OPD: hoje, toda essa mescla de opiniões é cientificamente estudada. Nada mais é aleatório ou casual. Atualmente falam sobre dois tipos de opinião pública: OPA (Opinião Pública Agregada) e OPD (Opinião Pública Discursiva). A primeira (OPA) como resultado da soma de opiniões obtidas através de pesquisas. A segunda (OPD) oriunda de um processo no qual o público delibera entre si. Segundo o politólogo e historiador Juan Eduardo Romero, diretor do Ciepes (Centro de Investigações e Estudos Políticos e Estratégicos), em artigo para a Alai: “Ambas (OPA e OPD) estão baseadas em opiniões e juízos expressados oralmente, a favor ou contra determinada opinião. Se estruturam sobre predisposições emotivas”. Como, por exemplo numa eleição, uma suplanta a outra? A resposta suscita investigações mais aprofundadas. O professor Romero acredita que as raízes do processo, nos Estados Unidos, estão no puritanismo americano. Esse puritanismo sintetizaria o grupo branco, fundador, predestinado, individualista, racista, egoísta e liberal. São os donos da Nação, o resto, que veio depois, são invasores. Donald Trump foi mais eficiente em explorá-las e, por isso, suplantou a racionalidade previsível de Hillary Clinton, representante do establishment.
EXPLORAR OS MEDOS: nesse caldo de situações cresce em importância a exploração do medo. Foi assim nas vitórias do Brexit (a Inglaterra seria invadida pelos bárbaros) e do NÃO no plebiscito colombiano (depois do SIM seria aberto o saco de maldades, tal a onda de boatos que varreu a Colômbia). Os Estados Unidos são um país que têm inúmeras e grandes preocupações, algumas são reais e outras nem tanto: eles têm medo dos imigrantes, principalmente dos mexicanos que “roubam” os seus empregos; eles têm medo do Estado Islâmico, do terrorismo e dos muçulmanos que vivem no país; eles têm medo da concorrência chinesa e condenam a invasão de seus produtos, responsáveis pelo fechamento de fábricas americanas; e eles têm medo de perder o seu padrão de vida, entre os mais altos do mundo. Há outros medos explícitos ou latentes. Donald Trump explorou esses medos à exaustão, repetindo os temas dezenas de vezes num mesmo dia. Chegou ao requinte de condenar o acordo global sobre a preservação ambiental, afirmando que vai rasgá-lo porque representa uma ameaça aos americanos. O homem foi incansável, obstinado e mentiu o quanto pôde para vencer a candidata da continuidade.
CONSTRUINDO O PERSONAGEM: elaboradas as pesquisas, buscadas as tendências e preocupações da maioria, investigados os medos e conhecida a alma do eleitor, corre-se atrás do figurino ideal. Em outras palavras, encontrar alguém capaz de dar respostas a todas essas questões. Não pode ser qualquer um. O candidato precisa estar habilitado: ter presença física, falar bem, ter memória, ter autocontrole e possuir disposição para o trabalho duro e incessante. Ambos se enquadraram bem nesses últimos requisitos e foram verdadeiros heróis de resistência e obstinação. Contudo, apenas um deles explorava as fragilidades da sociedade americana. O outro (outra) representava o sistema, a continuidade e o establishment. Nesse embate de gigantes, a verdade foi a primeira das vítimas. Estabeleceu-se durante a longa campanha um vale-tudo, no qual preponderavam os sentimentos e desejos, soterrando qualquer indício de racionalidade e bom senso. Teses e compêndios serão divulgados no futuro sobre essa dramática eleição, na qual quem teve mais votos populares foi suplantada pelo número de delegados conquistado pelo outro. Trump estava contra o sistema, mas venceu por ele.
OUTROS FATORES: depois dos resultados, sobram explicações e desculpas. Oferecemos algumas de última hora, nem todas plausíveis: os brancos foram votar, enquanto os negros e latinos, em bom número, ficaram em casa; os ricos e a classe média compareceram às urnas, enquanto entre os pobres houve maior abstenção; apesar da maioria dos votos das mulheres ter sido em Hillary Clinton, estas também votaram em Trump (em geral, 42%, e entre as latinas 26%), em números surpreendentemente altos; embora bem votada entre negros e hispânicos, Hillary teve menos votos do que Obama nas duas eleições anteriores (em média 5% menos); o papel ridículo da imprensa americana, especialmente nas primárias, quando tratou Donald Trump como um bicho raro, exótico e sofisticado, dando destaque aos seus discursos e propostas irracionais; a velha tese do empresário bem-sucedido, não político, lutando contra um sistema corrupto (ainda vamos assistir isso no Brasil); o argumento, utilizadíssimo ultimamente, que candidato rico não precisa roubar (isso não lembra São Paulo?); o novo contra o velho; a renovação contra o continuísmo; e o lamentável episódio de envolvimento do FBI no caso bobo dos e-mails da senhora Clinton. Haverá outras desculpas e explicações e elas virão ao longo do tempo. A eleição não acabou!
FUTURO GOVERNO: uma coisa é a campanha eleitoral (e ela foi sórdida), outra é o exercício do mandato. Tomara que Donald Trump permaneça na retórica e abandone algumas de suas ideias malucas. Exemplos da diferença entre as duas situações ele já deu: na campanha, sobre o assunto dos e-mails, ele disse que encarceraria Hillary, mas depois das eleições cobriu-a de elogios e agradeceu por seu grande trabalho em favor da Nação; também teve um encontro educado com o atual presidente Barack Obama. Por enquanto, é a generosidade dos vencedores, mas, não se iludam, alguns aspectos de sua campanha serão levados à sério, principalmente quanto a questão dos imigrantes e do programa de saúde do atual presidente. Independentemente dos exageros de campanha, os Estados Unidos, apesar dessas dificuldades e desvios, não são uma republiqueta latino-americana. São 240 anos de democracia. Têm instituições sólidas, um Congresso atuante e uma intelectualidade esclarecida. Não dá simplesmente para fechar as portas para o mundo e abdicar do papel de liderança. Não dá para rasgar acordos internacionais sem consequências dramáticas. Neste caso, considerar o papel do NAFTA (Tratado Norte Americano de Livre Comércio), abrangendo os dois países com fronteiras com os Estados Unidos (México ao sul e Canadá ao norte), onde se praticam todos os tipos de negócios. Há empresas americanas instaladas abaixo do rio Grande e será preciso levá-las em conta. Há outros acordos em andamento e Trump sinalizou em direção ao recrudescimento do protecionismo. Agora, no exercício do governo, ele precisará ouvir as multinacionais norte-americanas, com interesses espalhados pelo mundo. A Europa e, particularmente, a Inglaterra, velha aliada, serão importantes para os passos do futuro presidente. Este futuro, por enquanto, é inescrutável.
UGT - União Geral dos Trabalhadores