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UGT Press 477: Sindicalismo em perigo


24/11/2015

HISTÓRIA: há praticamente três séculos iniciaram-se as lutas dos trabalhadores contra os abusos e as injustiças da Revolução Industrial. Os trabalhadores evoluíram de locais insalubres, sem condições sanitárias mínimas, para ambientes melhores e que oferecem condições razoáveis de higiene e segurança. Houve época em que valiam menos do que os animais. Utilizados no trabalho, os animais tinham horários para descansar e pastar, enquanto os seres humanos trabalhavam até o esgotamento, não raro morrendo no chão das fábricas. Uns eram considerados bens de capital, enquanto os outros, os trabalhadores, podiam ser substituídos sem quaisquer ônus. O animal valia mais. Conta-se de uma greve em que os trabalhadores reivindicaram os mesmos direitos dos animais. Ruy Brito de Oliveira Pedroza, um dos maiores pensadores do trabalhismo brasileiro, gostava de contar essa história a seus alunos iniciantes na prática do sindicalismo. Enfim, as histórias de lutas dos trabalhadores são longas, cheias de atos de heroísmo e povoadas de mártires. As lutas começaram na velha Europa e levaram alguns de seus países mais desenvolvidos a atingir o Estado de Bem Estar Social, sem dúvida o melhor momento da conturbada história entre capital e trabalho. Contudo, essa mesma Europa começa a reduzir direitos, talvez sonhando com os velhos tempos da Revolução Industrial.

 

DESCONHECIMENTO: na atualidade, o que espanta é a ignorância da sociedade, incluindo na expressão jovens estudantes e os trabalhadores em geral, das árduas lutas que nos trouxeram a patamares mais civilizados. Para ficar num fato mais conhecido, um exemplo é o direito à jornada de trabalho. Oito horas diárias de trabalho foram conquistadas através de lutas sangrentas, ocorridas ainda no século 19. O direito foi implantado na maioria dos países no século 20. Essa luta deu origem ao Primeiro de Maio, Dia do Trabalho: em 1886, em Chicago, os trabalhadores foram às ruas para exigir jornada de oito horas de trabalho, havendo dramáticos conflitos entre manifestantes e policiais, resultando em mortes. A criação do Dia do Trabalho foi sugerida na reunião da Segunda Internacional Socialista, realizada em Paris, no dia 20 de julho de 1889. No Brasil, ainda nem ocorrera a Proclamação da República. O Primeiro de Maio foi oficializado no Brasil em 1925, pelo presidente Artur Bernardes. Curiosamente, nos Estados Unidos, berço dos acontecimentos de 1886, o Dia do Trabalho (Labor Day) é comemorado na primeira segunda-feira do mês de setembro. Pouca gente sabe desses fatos, subtraídos dos sistemas educacionais capitalistas e sendo apenas preocupação das escolas de formação sindical.

 

EXCESSO DE TRABALHADORES: a quantidade de pessoas prontas para o trabalho sempre foi superior aos pontos disponíveis. Na linguagem do mercado, poderia se dizer que o estoque de trabalhadores é maior do que o número de empregos. Esta situação caracteriza permanentemente maior procura de um lado e menor oferta de outro. Em raros momentos da história econômica mundial houve pleno emprego. Hoje, quando muito, há descompassos setoriais. Contribuíram para isso as altas taxas de natalidade, predominantes até o século passado, e o advento das novas tecnologias e das modernas técnicas de administração, em geral redutoras de mão de obra. Num quadro como esse, a luta sindical se torna cada vez mais árdua. Luta agravada pelos modismos recentes, entre eles a flexibilização e a diminuição de direitos trabalhistas. Em geral, essas novas tendências, importadas e oriundas das práticas neoliberais, são implantadas pelos congressos nacionais da maioria dos países. Tais congressos são majoritariamente ocupados por representantes do poder econômico, em outras palavras, patrões urbanos e rurais ou seus prepostos. Nas últimas eleições parlamentares brasileiras de 2014, diminuiu ainda mais o número de deputados vinculados aos interesses dos trabalhadores. Atualmente, esta representatividade está em menos de 10% das duas casas legislativas (Câmara Federal e Senado da República), portanto, incapaz de fazer frente às iniciativas de governos e patrões que reduzem direitos e diminuem encargos sociais.

 

SALÁRIOS: com todas essas lutas, na maior parte, com poucas chances, não é surpresa que os salários dos trabalhadores continuem baixos, muito abaixo daqueles praticados nos países desenvolvidos. Pior, são salários que estão longe da lucratividade das empresas e distantes daquilo que é recomendável em termos de distribuição de renda. Pereniza a pobreza e esta se agrava pela falta de serviços públicos de qualidade ou imprescindíveis, como educação e saúde. Exemplo recente dessa disparidade entre as condições das empresas e o salário de seus trabalhadores está na luta dos bancários para fechamento do acordo coletivo com os bancos. Não há um só setor da economia que tenha a atual lucratividade dos bancos, medida em bilhões de reais e chegando às raias do absurdo, escandalosa e obscena sob qualquer prisma, seja econômico, ideológico ou moral. Pois bem, em setembro, no início das negociações entre bancários e banqueiros, a primeira proposta dos patrões foi a de repor a metade da inflação, incorporando-a aos minguados salários de seus empregados. Sem comentários. O acordo ficou em 10% de aumento (a inflação do período foi de 9,88%), mas para isso foi necessária uma longa greve, incompreendida pela sociedade, normalmente ignorante desses problemas, em função da divulgação precária de informações. Resumindo, os salários estão baixos, não acompanham a produtividade do setor e não ajudam na recuperação econômica do país.

 

MUDANÇAS: as mudanças legislativas em curso no Congresso Nacional são todas prejudiciais aos trabalhadores. Vão desde a permissão para terceirização, redução dos encargos sociais, tendência do contratado sobrepor ao legislado e, ainda, flexibilização dos direitos tradicionais. Hoje, nosso Congresso Nacional (Câmara Federal e Senado da República) é dirigido por duas figuras polêmicas, cuja credibilidade tem sido contestada em função de processos em andamento. Momento claro para os patrões aproveitarem da fragilidade do governo e, também, do momento político confuso para passarem o trator sobre os direitos dos trabalhadores. O pior é a ignorância de parte da sociedade, trabalhadora e vítima dessas ameaças de mudança, que acha que sindicato não serve para nada, a não ser para cobrar contribuições. O Brasil precisa virar esse jogo porque, se a situação continuar se precarizando, não vai demorar muito para voltarmos a valer menos do que os animais. 




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