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UGT Press 467: Devastação e esperança


29/09/2015

NÚMEROS DRAMÁTICOS: voltamos ao tema dos refugiados, agora com algumas estatísticas, números que vão sendo gradativamente divulgados por instituições privadas e públicas. São números assustadores e escandalosos: no mar Mediterrâneo morrem afogadas duas pessoas por hora; neste ano, a conta está em 2,3 mil mortes; na Áustria, 70 pessoas, entre as quais quatro crianças, morreram asfixiadas em um caminhão; hoje existem centenas de abrigos na Europa e na rota da Grécia/Alemanha, onde os refugiados estão em situação de indefinição: não sabem se avançam ou se voltam para os seus países de origem, nos quais não existem mínimas condições objetivas de sobrevivência; na Síria, mais de 10 milhões de pessoas já deixaram suas casas, praticamente metade da população; no Iraque, desde as guerras e os avanços do Estado Islâmico (EI), são dois milhões de deslocados; no Egito, a situação é controlada à força e nada impede a existência de novas insurreições, na Turquia existem quase dois milhões de refugiados sírios e as autoridades acreditam que esse número dobrará rapidamente; na Jordânia, a situação é parecida com a do Líbano. A humanidade, todos os países e todas as organizações multilaterais têm obrigação com essas pessoas. Se o mundo não conseguir encaminhar as soluções para este problema humanitário, estaremos todos sucumbindo ou naufragando no meio da Terra. 

 

MAIS HIPOCRISIA: há países, principalmente na rota dos Bálcãs, que "facilitam" a passagem dos refugiados por seus territórios. Essas "facilidades" são concedidas desde que os refugiados não permaneçam nesses países. Os países desenvolvidos da Europa fazem belos discursos defendendo soluções locais e acham que essas soluções podem sair de ajudas financeiras pontuais. Nada mais enganoso. As pessoas afetadas continuarão saindo de seus países, sendo exploradas, arriscando suas vidas e buscando elas próprias as soluções negadas pelos políticos, governantes e organizações multilaterais. Os erros do Ocidente se contam aos montes. Foram os países do Ocidente, com suas políticas míopes e imediatistas, que provocaram a destruição da Líbia, Iraque, Síria e outros. Especialmente, confiaram e saudaram a Primavera Árabe como panaceia. Permitiram o extraordinário avanço do Estado Islâmico. Ao errarem e se iludirem com a Primavera Árabe, esqueceram que o mundo islâmico possui estados teocráticos fortes, sectários e sem garantias democráticas. A Síria é o maior exemplo de dificuldades para o surgimento de um Estado de Direito. Esta sucessão de erros acumulados trouxe problemas aos próprios países desenvolvidos, notadamente da Europa Ocidental. Os erros estão custando caro (e continuarão custando) para todos.   

 

ESTADO ISLÂMICO: o EI merece consideração à parte, sobretudo porque no Brasil acaba de ser lançado o livro "A Origem do Estado Islâmico", do jornalista irlandês Patrick Cockburn (Editora Autonomia Literária), nas palavras de Patrícia Campos Mello, da Folha de São Paulo, "o melhor jornalista ocidental cobrindo o Iraque hoje", atividade que ele exerce desde 1991. As culpas pela expansão do EI estão lá devidamente anotadas: com a invasão do Iraque em 2003 e a retirada dos americanos em 2011, houve perseguição dos sunitas e estes apoiaram de inicio o EI; Síria, Arábia Saudita, Turquia e Catar deram apoio à oposição de Bashar AL-Assad e com isso enviaram armas e recursos que caíram nas mãos do EI; os Estados Unidos, União Europeia, Turquia, Arábia Saudita e Catar podem ser responsabilizados diretamente pelo fortalecimento do EI. Estes três motivos, grosso modo e sem detalhes, não foram os únicos erros. Há outros, decorrentes da política desastrada do Ocidente na região. As consequências foram enormes: o EI controla uma área de 300 mil quilômetros quadrados; tem entre 30 e 100 mil combatentes (ninguém sabe ao certo); escraviza sexualmente mulheres de etnias diferentes no Iraque; executa prisioneiros ocidentais, filma as execuções e distribui os vídeos; o EI superou a Al- Qaeda e está mudando o equilíbrio de poder no Oriente Médio. Todos esses erros e o avanço do Estado Islâmico vão custar caro ao Ocidente. 

 

DEVASTACÀO E ESPERANÇA: o homem tem a propensão de ser teimosamente otimista, mesmo em meio à pior devastação. Devastação, esta é a palavra. Nas montanhas daquela região, Moises entregou a seu povo os 10 mandamentos. Jesus pregou o Sermão da Montanha e Maomé escreveu o Alcorão. Ali nasceram três grandes religiões e em nome delas, milhões de pessoas morreram nos dois últimos milênios. Não há descanso ou paz. O homem não aprende com a morte e a tristeza. O homem insiste em ser violento e injusto, contrariamente ao que ensinam essas religiões. Às vezes, um rosto, um só rosto, é capaz de sensibilizar multidões. Que este rosto de esperança seja o do menino Aylan Kurdi. Seu corpinho inerte nas areias brancas da praia turca comoveu o mundo e materializou o drama. Este pequeno rosto trouxe a esperança, mais do que os dois mil afogamentos anteriores no mar Mediterrâneo. A humanidade precisa de um rosto para se lembrar de seus deveres de solidariedade. Que o rosto de Aylan Kurdi não seja esquecido! 




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