09/09/2019
Em pleno século XXI, mulheres que são mães ainda enfrentam dificuldade para manter seus empregos ou para conseguir se recolocar. Na tentativa de unir essas mulheres que buscam oportunidades e empresas que querem contratar profissionais, a Teamworker, uma agência de publicidade criou a plataforma “Contrate uma mãe”, que já tem quase 12 mil currículos cadastrados.
O CEO da agência Rogério Pinheiro contou que a ideia surgiu a partir de um trabalho feito por sua equipe para um cliente.
Os funcionários me ajudaram muito na composição desse projeto. Por meio da elaboração de uma pesquisa, surgiu a constatação do fato de que a mulher, quando se torna mãe, tem um downgrade (rebaixamento) ou muitas vezes ela nem volta ao cargo — disse Pinheiro.
O site é gratuito e também oferece orientação, estímulo à qualificação e recolocação das mães por meio de empresas parceiras.
— Muitas partes do cérebro feminino se aprimoram com a gravidez, como foco e resiliência. Elas não têm medo de recomeçar. E as empresas buscam essas características — explicou o CEO.
A Teamworker não acompanha o processo de contratação feito pelas instituições cadastradas na plataforma, mas pretende fazer uma pesquisa com as mães.
— Como não somos uma consultoria de recursos humanos, não criamos uma estrutura com todas as etapas que um site especializado na área tem. As empresas hoje consultam o site e têm livre arbítrio. Vamos fazer uma pesquisa na base de dados para as mães cadastradas contarem o que aconteceu depois dessa etapa. — contou Pinheiro. Para obter mais informações, acesse o site http://www.contrateumamae.com.br.
Preconceito se reflete também nos salários
O preconceito do mercado com a maternidade também reflete nos salários. Comparações feitas pelo Idados, com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua do segundo trimestre de 2018, mostram que mulheres com filhos recebem salário mensal, em média, R$ 554,88 menor do que as sem filhos. A discrepância é ainda maior quando a família cresce: mulheres com três filhos recebem 66% a menos que aquelas que não os têm.
Gustavo Lens Minarelli, diretor de Desenvolvimento da empresa de mesmo nome, diz que as mulheres, após a gravidez, devem mostrar que são organizadas e que lidam bem com múltiplas tarefas porque “é natural para o mercado perceber um risco na hora de contratar uma mãe”. A economista especializada em desigualdades de gênero, Hildete Pereira, rebate, afirmando que tal posicionamento é fruto do machismo:
— É como se as mulheres que são mães perdessem um pedaço de sua força de trabalho. A nossa cultura coloca a maternidade como um dever exclusivamente feminino. Por que os filhos são só das mães?
A pesquisadora ainda acrescenta que há um alto número de dispensas de mulheres no primeiro ano após o retorno da licença-maternidade. Por conta disso, com medo de perderem a posição profissional, muitas voltam antes mesmo do fim do período de afastamento estabelecido por lei: segundo uma pesquisa da Catho, 45% das mães retornam ao emprego com três meses. Confira alguns números:
Funcionárias cobradas de forma diferente
A falta de compreensão das empresas com as mães evidencia a diferença de tratamento entre funcionários homens e mulheres. A professora do Insper e pesquisadora de mercado de trabalho, Regina Madalozzo, afirma que por a sociedade atribuir ao sexo feminino (até mesmo antes de ter filhos) a responsabilidade familiar, elas precisam provar que são boas profissionais:
— As organizações promovem os homens pelo potencial, enquanto as mulheres só são promovidas após provarem que conseguem fazer a tarefa. Na hora de demitir, é o contrário. As mulheres são dispensadas no pressuposto de que não vão entregar no futuro, e os homens, somente após não entregarem resultados de fato.
Regina acrescenta que, ao contrário das mulheres, os homens se afastam mais e de forma imprevista dos trabalhos porque, por não terem hábito de cuidar da saúde, são surpreendidos por doenças como enfarte e têm mais acidentes como rompimento de ligamentos de joelho. Já para a gravidez, as empresas têm tempo para se organizarem.
A pesquisadora ainda cita ganhos sociais a longo prazo resultantes do investimento na maternidade:
— Ninguém pensa que as mães são responsáveis pela mão de obra do futuro. Quando ela pode se dedicar ao bebê, há redução nos gastos com saúde, devido ao aleitamento materno, e as crianças desenvolvem melhor a questão cognitiva.
Maternidade vista com naturalidade
Quatro dias após descobrir a gravidez, Camilla Rizzo, de 30 anos, recebeu uma proposta para o emprego dos seus sonhos: ser analista de desenvolvimento do Banco Inter. O convite veio através de um ex-colega de trabalho. Com receio de contar que esperava um bebê, inventou um problema no joelho para adiar a entrevista. No entanto, após a insistência para a marcação de uma data, acabou confessando:
— Agradeci a oportunidade, mas disse que não tinha como aceitar porque estava grávida. O RH, então, me falou que isso não seria problema. Passei pelo processo seletivo como outra pessoa qualquer e, na semana seguinte, recebi a notícia de que havia sido aprovada. Fiquei sem acreditar e até chorei de emoção, porque não é uma coisa comum de acontecer.
A profissional compartilhou a história na rede social LinkedIn e obteve mais de três mil curtidas. Segundo Camilla, a decisão de ter um filho havia sido adiada várias vezes por receio de estagnar a carreira.
— Amigas foram demitidas depois que retornaram da licença-maternidade. Além disso, em outra ocasião, já me perguntaram durante entrevista se eu pretendia engravidar, porque não era o melhor momento para o negócio. Acho que muitas empresas ainda pensam que filho é um empecilho — diz.
De acordo com o analista de Recrutamento do Banco Inter, Daniel Ribeiro Lamas, a empresa não faz distinção entre seus funcionários e avalia cada um pelas suas competências e entregas. Ainda oferece, inclusive, jornada flexível tanto para mulheres quanto para os homens:
— Somos um banco digital, múltiplo e gratuito. Nós quebramos paradigmas de diversas formas e promover a inclusão é mais uma maneira.
Para o diretor geral da empresa de recrutamento Robert Half, Fernando Mantovani, a diversidade é fundamental para a evolução de uma organização. Embora as companhias tenham começado a mudar o modo de pensar, ainda há muito o que ser feito.
— Consolidar uma cultura inclusiva ajuda na atração e na retenção de talentos, além de ampliar a vantagem competitiva — opina.
Empresas precisam ter mais empatia
O instituto Great Place to Work (GPTW) é especializado em avaliar o ambiente de trabalho das empresas de acordo com diferentes critérios, incluindo a opinião dos funcionários. O instituto mediu, pela primeira vez, o quanto as empresas se importam com os funcionários que se tornam mães e pais. No ranking de 2019 foram avaliadas 110 empresas e apenas seis (Johnson & Johnson, Takeda, Whirlpool, Cisco, IBM e banco Santander) ganharam o selo “Atenção à primeira infância”.
Entre as medidas adotadas, estão a contratação e promoção de mulheres grávidas, programas para crescimento profissional, extensão da licença-maternidade por até seis meses após o parto, jornada flexível, berçários, licença para avós das crianças, licença-paternidade de quatro meses, apoio de equipe multidisciplinar dedicada à mãe, entre outras. Quanto mais empatia da empresa, maior sua colocação no ranking.
— Esse é um tema ainda pouco explorado ou discutido nas empresas, elas ainda estão na parte do plano de saúde e licença-maternidade estendida e muitas acham que a mãe vai trabalhar menos. É claro que ela vai ter outros papéis com a maternidade, mas a mãe consegue ser mais eficiente, as pesquisas mostram isso, até porque a quantidade de tempo que se trabalha não que dizer menos produtividade. Se a funcionária é menos sobrecarregado no trabalho, ela vai cuidar melhor do filho, ter maior equilíbrio na vida profissional. Então isso gera resultado positivo para todo mundo — explicou a porta-voz da GPTW, Lina Nakata.
Fonte: www.extra.globo.com
UGT - União Geral dos Trabalhadores