02/05/2023
A Consolidação das Leis Trabalhistas, aprovada pelo
presidente Getúlio Vargas no dia 1º de Maio de 1943, representou uma mudança
radical na forma como o Estado brasileiro trata o povo. Com 922 artigos, a CLT
passou um pente fino nos diversos ofícios praticados no país em uma enorme
tarefa de organizar o mundo do trabalho. Ela definiu o que é rural e urbano, o
que é serviço público e privado, delimitou jornadas, definiu os deveres dos
empregadores, abordou questões de saúde e segurança, previdência social,
representação sindical etc. Foi um esforço de projetar o país em larga escala
nunca antes visto.
Não se pode dizer que não havia nenhuma lei trabalhista antes
da CLT. A construção da nossa República, já em seu advento em 1889, buscou,
ainda que tardiamente, inserir o país no mundo capitalista. Mas aquelas
primeiras leis eram tão frágeis e tendenciosas quanto as ideias das classes dominantes
sobre o fim da escravidão. Mesmo após a abolição, em 13 de maio de 1888, as
relações patrão/empregado mantiveram o caráter autoritário, desumano e injusto
que vigorou em quase 400 anos de escravidão.
Após a Revolução de 30 foi implementado um projeto desenvolvimentista
que exigia tanto uma mão de obra mais qualificada, quanto um crescente mercado
consumidor. E a criação, em novembro de 1930, do Ministério do Trabalho,
chamado de nada menos que “Ministério da Revolução”, foi fundamental para criar
a estrutura de proteção ao trabalhador para o Brasil industrializado que Vargas
vislumbrava.
Demandas sindicais, como jornada de trabalho de 8 horas,
salário-mínimo, voto feminino, regulamentação da sindicalização,
licença-maternidade, entre outras, reivindicadas em greves, como as de 1917 e
1919, e por meio de organizações, como a Confederação Operária Brasileira (1906
a 1920), encontraram lugar no projeto do governo. Direitos trabalhistas mais
abrangentes começaram a aparecer desde então.
A CLT proporcionou, enfim, a criação de uma classe média no
Brasil, oferecendo ao povo a possibilidade de organizar a vida, de planejar o
futuro, de crescer profissionalmente e de ascender socialmente. São gerações de
pais e mães de família que não só passaram a ter mais segurança em seus empregos,
como também a buscar qualificação técnica e a valorizar a educação dos filhos.
Em sua história a legislação trabalhista passou por diversas
mudanças. Algumas vezes para melhor, como a equiparação dos direitos de homens
e mulheres e de trabalhadores rurais e urbanos, a proibição da discriminação
(por sexo, raça e cor ou estado civil), negociação coletiva e da organização
sindical no serviço público, redução da jornada de 48 para 44 horas semanais
etc. Conquistas que resultaram de lutas sindicais e sociais.
Mas, como os descendentes dos oligarcas da República Velha
jamais aceitaram a mudança de status dos trabalhadores de escravizados e
semi-escravizados para civis com participação política, econômica e cultural, nem
sempre as mudanças foram populares.
Basta observar que quanto mais o governo sustenta uma
concepção feudal do Brasil, maior é o número de mudanças na CLT que ele
promove. Durante a ditadura militar, por exemplo, houve várias alterações, como
a substituição da lei que garantia estabilidade no emprego após dez anos registrado
em uma mesma empresa, pela criação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
(FGTS). Mudança que incentivou a rotatividade da força de trabalho.
O maior desmonte em toda a história da legislação ocorreu,
entretanto, nos governos de Michel Temer e de Jair Bolsonaro. Não é mero
deboche chamar a reforma trabalhista de 2017 de “deforma” como muitos críticos
fazem. Com alteração de mais de 200 dispositivos, seguida por outras
minirreformas, a Lei nº 13.467/2017 forjou uma verdadeira deformação na CLT.
Assistimos ao fenômeno da uberização, vendido pelos governos
Temer e Bolsonaro, como geração de empregos. São empregos, todavia,
circunscritos ao aqui e agora, que mal formam um presente, quem dirá um futuro.
A ampla retirada de direitos e a redução do poder do Estado
tiveram efeitos nefastos, como a fragilização dos sindicatos, a precarização do
trabalho, a diminuição do rendimento médio da população, a desindustrialização,
a elevação do número de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza, fome
generalizada, além do aumento da criminalidade e da violência.
A reforma foi anunciada como “modernização” como se
representasse um avanço nas relações de trabalho existentes. Mas o cerceamento
das leis trabalhistas, do movimento sindical e da classe operária, práticas
reeditadas ao longo da história, são formas de conter o desenvolvimento
inaugurado na década de 1930. Desenvolvimento que, todavia, ainda está em
curso.
Mesmo que a CLT tivesse completado sua missão de garantir
segurança e poder de escolha para todos os brasileiros, ainda assim a presença
do Estado e a participação ativa das entidades sindicais seriam importantes
para garantir isonomia na relação patrão/empregado.
Somente uma mudança de patamar histórico, com uma elevação
coletiva da consciência, poderia engendrar relações seguras e justas independente
da obrigação da lei. A realidade do Brasil de 2023 está muito longe desse
patamar. O que move nossa sociedade é a constante tensão entre a busca das
classes dominantes por privilégios e a luta classes populares para que a vida
seja mais do que o pão de cada dia.
Por isso é um grande cinismo atribuir à retirada de direitos
o caráter de “modernização” quando a essência desta prática é a do retrocesso à
República Velha. Os 80 anos da CLT são ainda pouco tempo frente aos quase 400
anos de escravidão que normalizaram o racismo, os abusos e a exploração
desenfreada dos trabalhadores.
É por isso que neste 1º de Maio de 2023 a CLT chega aos 80 anos como um dos maiores marcos civilizatórios da nossa história. A crise socioeconômica de 2016 a 2022, agravada pela pandemia, reforçou a importância e a necessidade da Consolidação das Leis Trabalhistas.
A segurança do povo brasileiro frente à contradição entre o
capital e o trabalho ainda reside na legislação trabalhista, nas convenções
coletivas e na organização sindical. É isso que buscamos construir: um país com
contratos sociais justos, públicos e incontestáveis que diminuam as
disparidades regionais e sociais, e acima de tudo, que assegurem ao trabalhador
sua liberdade, sua dignidade e sua posição como cidadão.
Miguel
Torres, Presidente da Força Sindical
Ricardo
Patah, Presidente da UGT (União Geral dos Trabalhadores)
Adilson
Araújo, Presidente da CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do
Brasil)
Antonio
Neto, Presidente da CSB, (Central dos Sindicatos Brasileiros)
Moacyr
Roberto Tesch Auersvald, Presidente da NCST (Nova Central Sindical de
Trabalhadores)
UGT - União Geral dos Trabalhadores