23/01/2014
Na primeira entrevista desde que foi afastado da comissão que supervisiona o banco do Vaticano, o cardeal Odilo Scherer afirmou na quarta-feira (22) à Folha que não tinha conhecimento de fraudes ou desvios de dinheiro da Santa Sé.
O arcebispo de São Paulo se disse injustiçado pela associação entre os escândalos financeiros na Igreja e as mudanças no IOR (Instituto para as Obras da Religião), determinadas na semana passada pelo papa Francisco.
Segundo dom Odilo, as trocas são "normais" e eram esperadas com a posse de um novo pontífice. Em fevereiro de 2013, ele e outros quatro cardeais haviam sido nomeados pelo papa Bento 16 para novo mandato de cinco anos.
O arcebispo também falou sobre os "rolezinhos" nos shoppings de São Paulo. Ele disse que "criminalizar o fenômeno não é a solução".
Folha - O sr. se surpreendeu com a decisão do papa que o afastou do banco do Vaticano?
Dom Odilo - Não. São cargos de confiança, e o papa decidiu mudar. Mudou o secretário de Estado, era a coisa mais natural que mudasse a equipe. O fato de os cardeais da antiga comissão terem sido confirmados para mais cinco anos é absolutamente natural. Mas o papa Bento 16 renunciou, e daí para a frente as coisas mudam.
A repercussão o incomodou?
Eu me surpreendi. Não esperava essa repercussão. Me surpreendi também com a facilidade com que se deduzem coisas a partir de informações totalmente inverídicas. Isso me surpreendeu muito.
O sr. acha que a decisão do papa Francisco de mudar o conselho foi associada aos escândalos na igreja?
Acho que foi feita injustificadamente uma associação entre uma coisa e outra. Foi uma decisão autônoma e soberana do papa. Não tenho nada a dizer, só a agradecer.
Estou absolutamente tranquilo com as mudanças. Elas estão acontecendo em toda a Santa Sé. São absolutamente normais quando há mudança de governo, como acontece também nos governos civis.
O quadro de descontrole nas finanças da igreja é real?
O controle sobre o IOR não está começando agora. O papa Bento 16 já havia baixado ordens para adequar a gestão às normas de transparência, às questões de contas obscuras, lavagem de dinheiro.
É um esforço que vem de mais tempo e que deve ser constante. Onde há dinheiro, há tentação. A gestão dos recursos da igreja deve receber atenção para que não haja nenhuma desonestidade.
Mas isso de fato existiu?
Eu não tenho conhecimento. O que sei é que há um controle muito mais severo quanto à abertura de contas, a movimentação de capitais.
Não é de agora que existem rusgas em relação ao IOR. Há alguns anos, houve a apreensão de alguns milhões de euros pelo Banco Central da Itália. Depois a Justiça liberou o dinheiro porque não havia irregularidade, era uma venda de patrimônio. O triste é que foi feito alarde de que houve lavagem de dinheiro, de que o IOR estava procedendo como um paraíso fiscal.
Não estou dizendo que não haja fatos. É preciso verificar, e é o que está sendo feito.
A comissão que o sr. integrava não tinha este papel?
A comissão de cardeais é um grupo nomeado pelo papa com finalidade muito específica, não tem funções de gerenciamento. Não toma parte na gestão ou na administração de fundos.
É um acompanhamento à distância. Os cardeais moram fora de Roma. Como podem acompanhar a gestão? Atribuir a eles essa responsabilidade é absolutamente falso.
O sr. se inclui?
Claro. Também me incluo. Não tinha nenhuma função de gestão, de administração. Pelo amor de Deus. Aqui de São Paulo, como eu poderia ajudar a administrar o IOR?
Passando a temas da cidade, qual é sua avaliação sobre os "rolezinhos" nos shoppings?
É um fenômeno muito novo para se avaliar. Me parece uma manifestação tipicamente adolescente. Os jovens tentam demarcar sua presença, chamar a atenção sobre si, medir seus limites.
Por outro lado, pode revelar certo estresse dos adolescentes, que não têm espaços de lazer. As manifestações incomodam, podem provocar algum desconforto, mas devem ser administradas com sabedoria e tranquilidade.
O fenômeno pode se tornar algo maior? A PM deve intervir, como querem os shoppings?
O fenômeno deve ser olhado como tal. Evidentemente, pode ser manipulado, desviado da sua espontaneidade juvenil. Quando há atos de vandalismo, deve intervir quem tem a atribuição de zelar pela segurança e pelo patrimônio. Mas criminalizar o fenômeno não é a solução.
No Natal, o sr. se envolveu em polêmica ao criticar um vídeo dos humoristas do Porta dos Fundos de temática religiosa.
Eu manifestei uma opinião, exerci meu direito de livre expressão. Não penso ter ofendido ninguém por isso.
Católicos defenderam o boicote de anunciantes ao grupo. O sr. aconselharia o mesmo?
É legítimo. Eu aconselharia. O que de alguma forma significa ofensa, vilipêndio ou desprezo ao que eu tenho por sagrado, eu não devo apoiar. Seria contraditório.
No conclave de 2013, o sr. foi apontado como um dos favoritos a virar papa. Sentiu-se pressionado antes da eleição?
Procurei ficar tranquilo, sereno. Alguém cria um factoide e todos correm atrás... era uma cotação que de repente não era tão real, né?
O conclave foi uma experiência muito bonita. Naturalmente, não estou autorizado a falar. Mas, em uma palavra, foi muito diferente do que se relatou externamente.
Fonte: Folha de S.Paulo
UGT - União Geral dos Trabalhadores