31/08/2022
Empresas tradicionais de benefícios falam em insegurança
jurídica e novos concorrentes dizem que maior competição deve reduzir preço da alimentação
A MP (Medida Provisória) que altera pontos importantes
relacionados ao vale-alimentação e refeição, aprovada no início do mês pelo
Congresso, desagradou parte do mercado de empresas de benefícios ao
trabalhador, que movimenta cerca de R$ 90 bilhões por ano.
Enquanto o projeto aguarda sanção presidencial, com o prazo
final nesta sexta-feira (2), empresas responsáveis pela operação do serviço e
restaurantes pressionam o governo para que alguns pontos do texto sejam
vetados.
As duas regras que têm gerado mais divergência são a
possibilidade de o trabalhador sacar em dinheiro o saldo que não tiver usado
após 60 dias e de poder trocar, gratuitamente, a empresa que opera o pagamento
do auxílio, escolhendo qual vale-alimentação ou refeição quer usar, a chamada portabilidade.
SAQUE EM DINHEIRO
O pedido para vetar o trecho que possibilita o saque do
benefício em dinheiro depois de dois meses é consenso entre as empresas, pois
alegam que, neste caso, o trabalhador poderia usar o recurso para comprar
qualquer coisa e não apenas alimentos, desvirtuando a finalidade do PAT
(Programa de Alimentação do Trabalhador).
A mudança vai contra um dos pontos da própria MP, que exige
que os benefícios devem ser utilizados apenas para o pagamento de refeições em
restaurantes e lanchonetes ou para a compra de alimentos, além de poder ser
considerada como um "salário disfarçado".
As empresas do setor alertam que o benefício poderia levar à
prática de "agiotagem", com a venda dos vales em troca de
empréstimos, e estimular um mercado ilegal.
"Acreditamos que o presidente vai vetar esse
dispositivo. É unânime no setor ", afirma Jéssica Srour,
diretora-executiva da ABBT (Associação Brasileira das Empresas de Benefícios ao
Trabalhador).
PORTABILIDADE
A possibilidade da portabilidade gratuita, no entanto, já
gera divergência entre as empresas tradicionais (que dominam cerca de 90% do
mercado), restaurantes, e as empresas novas que querem se expandir no segmento.
De acordo com a ABBT, a ação, que em um primeiro momento
pode parecer simples, cria dificuldades e pode inviabilizar a concessão do
benefício pelos empregadores, que terão que gerir internamente dezenas de
operadoras diferentes para o pagamento do benefício.
"Digamos que o trabalhador faça uma portabilidade para
uma empresa nova e essa empresa quebre, quem seria a responsável por esse
crédito? O empregador precisaria bancar outra vez? A portabilidade, sem
regulamentação, oferece muitos riscos jurídicos", afirma Srour,
diretora-executiva da entidade que possui 17 associados, entre eles Sodexo,
Alelo e Ticket.
A Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes)
também se opõe à portabilidade e afirma que ela estimula o mercado de
"cashback" (recompensa em dinheiro) para atrair clientes e, com isso,
transferiria os custos para os estabelecimentos.
Já o iFood, que entrou no mercado do vale alimentação e
refeição há dois anos com o iFood Benefícios, acredita que a portabilidade é
essencial e colocará o poder de decisão na mão do trabalhador.
"Ele que irá decidir onde quer receber o vale. Forçando
que os serviços melhorem e levando a ampliação da rede credenciada",
afirma Lucas Pittioni, diretor jurídico do iFood. Pittioni defende, no entanto,
que haja uma regulamentação antes que a regra, prevista para maio de 2023,
passe a valer.
Na visão da fintech Caju, à primeira vista, a portabilidade
pode parecer favorável à concorrência, mas, da forma como foi prevista, sem uma
regulamentação, há grandes chances de ser lesiva ao mercado.
"A redação vaga sobre o dispositivo abre espaço para que
empresas ofereçam cashbacks agressivos para os colaboradores migrarem de
prestadora de benefícios", afirma Karen Fletcher, Head do Jurídico da
Caju.
Na prática, segundo ela, é como se o rebate (desconto muito
utilizado pelas empresas que forneciam os vales), que foi proibido para as
empresas contratantes, passasse a ser oferecido diretamente aos colaboradores.
ESTABELECIMENTOS TERÃO QUE ACEITAR TODAS AS BANDEIRAS
O texto também prevê a chamada interoperabilidade entre
bandeiras. O que significa que o trabalhador poderá utilizar o cartão em
restaurantes que não sejam credenciados pela bandeira dele — basta que o
estabelecimento aceite o pagamento em vale-refeição para que ele possa utilizar
seus créditos.
As operadoras tradicionais, reunidas na ABBT, são contra,
afirmando que não será possível garantir a qualidade da rede de restaurantes.
Já as empresas mais novas do mercado são a favor e afirmam
que esses mecanismos trarão mais competição e facilitarão o uso do benefício
pelo usuário.
"Você tem um mercado de cartão de crédito e débito que
cobra taxas que variam de 1,5% a 3% e um segundo mercado do PAT que variam de
6% a 8%. O que justifica essa diferença? Com mais concorrência, essas taxas
irão cair assim como aconteceu com o mercado de maquininhas de cartão de
crédito. O que será positivo para o consumidor", afima Pittioni, diretor
jurídico do iFood .
Segundo pesquisa realizada pela LCA Consultores, a pedido do
iFood, 1 em cada 3 restaurantes repassa o valor da taxa do vale-refeição para
os consumidores. A grande maioria dos estabelecimentos (91%) considera as taxas
das empresas tradicionais de benefícios muito altas.
A demora no repasse dos valores é outro motivo que faz
alguns estabelecimentos declinarem o uso de vale-refeição. Ainda de acordo com
o levantamento, caso as taxas dos VRs e VAs passassem para níveis similares às
taxas de cartão de crédito (de 7% para cerca de 2%), seria esperada uma redução
de até 2,6% no preço da alimentação do trabalhador.
Fonte e Foto: Folha de São Paulo
UGT - União Geral dos Trabalhadores