24/08/2022
A norma aprovada pelos senadores determina que o
teletrabalho — definido como a prestação de serviço fora das dependências da
empresa, de maneira preponderante ou híbrida, que não configure labor externo —
deve constar expressamente no contrato individual de trabalho. O documento
poderá prever horários e meios de comunicação entre empregado e empregador,
desde que garantidos os repousos.
Empresários e trabalhadores esperavam que a transformação da
MP em lei cobrisse as várias lacunas legais que assombravam o teletrabalho,
tipo de labuta que ganhou enorme projeção por causa da covid-19, e desse
segurança jurídica ao tema. No entanto, isso não ocorreu, ao menos não para os
advogados trabalhistas convocados pela ConJur para refletir sobre o assunto.
Ricardo Calcini, professor e coordenador editorial
trabalhista, foi direto ao ponto: “A aprovação da MP mais prejudica o sistema
do trabalho a distância do que o beneficia”. A explicação: agora, as empresas
são obrigadas a dar aos empregados que atuam de maneira remota o mesmo
tratamento dos que trabalham presencialmente, o que inclui o controle de
jornada. Para Calcini, isso vai desestimular os empresários a adotar o
teletrabalho.
“A reforma trabalhista (de 2017) permitia que o teletrabalho
não tivesse controle de jornada, o que dava flexibilidade às empresas para as
contratações”, disse o professor. “Além disso, várias outras questões do
teletrabalho não foram regulamentadas. Por isso eu penso que a aprovação da MP
vai trazer pouca ou nenhuma efetividade para incentivar o trabalho a
distância”.
Muitos furos
Quando Calcini, que é colunista da ConJur, diz que vários
outros pontos do teletrabalho não foram devidamente regulamentados pelo novo
texto, ele não está exagerando. Até mesmo os especialistas que se mostraram
satisfeitos com o resultado do trabalho dos parlamentares admitem que tem
falhas. É o caso de Fernanda Garcez, sócia e responsável pela área trabalhista
do escritório Abe Advogados.
Na avaliação dela, a novidade legislativa não esclarece quem
deve bancar os custos do teletrabalho — energia elétrica, internet,
equipamentos e por aí vai. “A reforma trabalhista dizia que o contrato deveria
dispor sobre os custos de infraestrutura do empregado. Como a Justiça
trabalhista é muito protecionista, podem surgir dúvidas se a empresa deve ou
não pagar uma ajuda de custo mensal para cobrir as despesas do home office”,
afirmou ela. “No meu entendimento, careceu um pouco de o legislador entrar
nessa matéria. Deixar isso para a esfera contratual, como foi feito em 2017,
pode gerar discussão”.
Fernanda também menciona dúvida que ficou no ar sobre o uso
de meios digitais (como aplicativos de troca de mensagens) fora da jornada de
trabalho. Segundo a advogada, a lei não deixa suficientemente claro se o
empregado tem direito a horas extras — ela defende que sim. Por sua vez,
Karoline Carvalho de Souza, profissional da área trabalhista da banca SGMP
Advogados, alertou para a falta de uma melhor solução para um tema importante:
o acidente de trabalho em home office.
“Haverá dificuldade para averiguar de quem é a culpa em um
possível caso de acidente ou doença ocupacional: se é do empregador, que não
instruiu o trabalhador de forma contundente e não fiscalizou o cumprimento das
normas de saúde e segurança de forma efetiva, ou do trabalhador, que foi
negligente e descumpriu as orientações recebidas. Não parece razoável
responsabilizar o empregador por situações que fogem ao seu controle, tampouco
há na legislação parâmetro balizador”, comentou a causídica.
Guilherme Macedo Silva, advogado da área trabalhista do
escritório Greco, Canedo e Costa Advogados, também se decepcionou com a
ausência de mais clareza sobre o tema no texto legal. “Esperava-se que o texto
do projeto de lei regulamentasse situações de saúde e segurança do trabalho no
regime de teletrabalho”, afirmou ele. “Também se destaca o fato de que a
preferência pela adoção do teletrabalho por empregados portadores de
deficiência, com filhos ou guarda de crianças menores de quatro anos tampouco
foi regulamentada”.
Na opinião de Rodrigo Marques, coordenador do núcleo trabalhista
do Nelson Wilians Advogados, essas várias lacunas legais obrigarão as empresas
a serem muito cuidadosas na elaboração do contrato de trabalho, que, por
exemplo, deverá deixar claro quem paga as despesas do home office.
“O texto é integralmente omisso quanto à responsabilidade
efetiva ou não do empregador sobre o fornecimento da infraestrutura básica e de
ajuda de custo para a atividade regular do empregado em regime de
teletrabalho”, lamentou ele.
Como se nota, a MP transformada em lei ainda deixa muitas
dúvidas sobre o teletrabalho. Mas de uma coisa os especialistas consultados
pela ConJur não duvidam: no fim das contas, essas lacunas da legislação terão
de ser cobertas, como sempre, pelo Poder Judiciário.
Fonte e Foto: Rádio Peão Brasil
UGT - União Geral dos Trabalhadores