15/07/2022
Redução do preço dos combustíveis e R$ 40 bilhões da PEC
tendem a deteriorar quadro fiscal no ano que vem
As medidas do governo de combate à inflação e estímulo à
atividade econômica a poucos meses das eleições têm provocado uma onda de
otimismo para o segundo semestre, com revisão para cima das projeções de
crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) e para baixo da inflação neste ano.
No entanto, paralelamente à melhora prevista para 2022,
ocorre uma piora das estimativas para 2023. Na visão de analistas, é como se o
governo Jair Bolsonaro (PL) estivesse antecipando o crescimento previsto para o
ano que vem, deixando uma herança maldita para quem assumir o país em 1º de
janeiro.
"Com as medidas eleitoreiras que temos visto, para cada
crescimento a mais que se joga para este ano, está sendo tirado do ano que vem.
E, para cada percentual de inflação que se tira neste ano, se joga para o ano
que vem", diz o economista-chefe da consultoria MB Associados, Sérgio
Vale.
Essa dinâmica aparece inclusive nas projeções do próprio
Ministério da Economia. Nesta quinta (14), a pasta revisou para baixo a
projeção de inflação neste ano, de 7,9% para 7,2%, e elevou a estimativa do
crescimento do PIB, de 1,5% para 2%. Ao mesmo tempo, para 2023, a projeção para
a inflação subiu de 3,6% para 4,5%, enquanto a do PIB foi mantida em 2,5%.
Grandes bancos compartilham de leitura semelhante. O
Santander, por exemplo, revisou nesta quinta de 1,2% para 1,9% o crescimento do
PIB neste ano, movimento sustentado pela reabertura dos serviços, pela
recuperação do mercado de trabalho e pelo aumento da renda disponível em função
da nova rodada de estímulo governamental.
Já para 2023, o banco manteve a previsão de uma queda de
0,6% da atividade econômica. A estimativa para a inflação foi de 9,5% para 7,9%
em 2022, mas de 5,3% para 5,7% em 2023.
No dia 8 de julho, o Itaú também já havia revisado, de 1,6%
para 2%, a projeção para o PIB de 2022, tendo mantido em 0,2% a estimativa para
o próximo ano.
Segundo a economista do Itaú, Júlia Gottlieb, com os pacotes
de estímulo econômico do governo, a projeção de contração do PIB de 0,3% no
terceiro trimestre e de 0,4% no quarto foi revista para uma queda de 0,1% em
ambos os períodos.
"Para 2023, não revisamos a projeção porque, se por um
lado temos o efeito da desaceleração da economia global, por outro, temos
também uma melhora do carrego estatístico de 2022", afirma a economista.
Para o IPCA, a projeção do Itaú foi de 7,5% para 7,2% neste
ano, e mantida inalterada em 5,6% para 2023.
Um pouco antes, no dia 1º de julho, o Bradesco também
revisou, de 1,5% para 1,8%, a projeção para o PIB de 2022, mas de 0,3% para 0%
em 2023. A inflação estimada passou de 9% para 7,5%, e de 4,1% para 4,9%,
respectivamente.
A melhora na percepção dos analistas inclusive levou a
agência de classificação de risco Fitch a revisar nesta quinta de negativa para
estável a perspectiva para o rating do Brasil. Os analistas da agência
apontaram a dinâmica de crescimento de curto prazo, acima das expectativas,
entre as razões para o movimento.
DESLOCAMENTO DO CRESCIMENTO POTENCIAL
Especialistas ressaltam que, embora as atualizações nas
estimativas para o crescimento possam, em um primeiro momento, trazer algum
alívio para a renda das famílias, com impacto positivo para a taxa de
desemprego, elas também vêm acompanhadas de um aumento do risco fiscal e de uma
potencial deterioração do quadro macroeconômico para 2023.
"Com as medidas adotadas recentemente, o governo está
deslocando o crescimento que se esperava que teríamos no ano que vem para este
ano", afirma André Perfeito, economista-chefe da corretora Necton.
Ele diz ainda que a nova rodada de deterioração das contas
públicas por conta da PEC que busca injetar cerca de R$ 41 bilhões na economia
a menos de três meses das eleições deverá forçar o BC (Banco Central) a ter de
manter os juros em patamares elevados por um período mais extenso do que se
previa até então, possivelmente adentrando e mantendo a taxa Selic em 13,75%
durante boa parte de 2023.
"Com os mercados antevendo probabilidade crescente de
uma expansão fiscal mais duradoura, há um viés altista para as expectativas de
inflação, e uma chance de pressão futura advinda de uma depreciação cambial
adicional", endossam os analistas do Santander no relatório publicado
nesta quinta, no qual revisaram de 5,3% para 5,7% a projeção para o IPCA de
2023.
Já a estimativa do banco para a taxa Selic passou de 13,50%
para 14,25% neste ano, e de 10,5% para 12% em dezembro de 2023.
Os juros mais altos, somados a uma provável desaceleração da
economia global, formam um cenário no qual a economia tende a perder tração ao
longo do ano que vem, afirma Perfeito, da Necton, que trabalha com um
crescimento do PIB do Brasil de 1,5% para este ano, e de 0,5% para 2023.
"Não dá para ficar muito entusiasmado com o ano que vem."
No boletim Focus, os agentes econômicos consultados pelo BC
apostam em uma taxa de crescimento de 1,59% neste ano (contra 1,42% há quatro
semanas), e de 0,5% no próximo (ante 0,55% um mês atrás).
"O quadro fiscal ficou mais incerto nas últimas
semanas. As desonerações recentes reduzem a projeção de inflação para 2022, mas
elevam a do próximo ano", assinalam os analistas do Bradesco no relatório
divulgado no início do mês, no qual revisaram de 0,3% para 0% o crescimento do
PIB de 2023, com a estimativa da inflação passando de 4,1% para 4,9% para o ano
que vem.
Os analistas do banco destacam ainda que, como o processo de
desinflação será lento, o BC só deverá reduzir os juros a partir do segundo semestre
de 2023, com a taxa Selic terminando o próximo ano em 11,75%, dois pontos
percentuais abaixo do patamar esperado para dezembro de 2022.
É COMO SE O PRÓPRIO GOVERNO NÃO ACREDITASSE NA REELEIÇÃO,
DIZ ANALISTA
Vale, da MB Associados, afirma que a política econômica
adotada ao longo das últimas semanas passa a impressão de que o próprio governo
Bolsonaro não acredita na reeleição, dada a magnitude da deterioração do quadro
fiscal à frente.
"É uma herança maldita que o Bolsonaro cria para si
mesmo ou para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, caso ele venha a se
tornar o próximo presidente", afirma Vale.
Na mesma linha, os analistas do Itaú apontam no relatório de
8 de julho que "a sustentabilidade fiscal está voltando a ser um desafio
relevante. Não se trata de uma preocupação com números fiscais de curto prazo,
e sim com a trajetória que parece estar contratada para o futuro. O próximo
governo terá que definir sobre a continuidade dos auxílios que serão
implementados no segundo semestre deste ano, além do arcabouço fiscal que será
válido à frente, em uma economia emergente com dívida pública alta e juros
elevados."
Mesmo para o cenário mais de curto prazo, o economista-chefe
da MB Associados diz que encontra dificuldades para enxergar um crescimento do
PIB em torno de 2% neste ano, frente ao quadro macro que se desenha para os
próximos seis meses, com o aumento da volatilidade nos mercados por conta das
eleições e a desaceleração global nos países desenvolvidos.
Ele trabalha com uma projeção de 1,1% de crescimento do PIB
do Brasil neste ano, e de 0,5% em 2023, em um cenário-base no qual a taxa de
desemprego deve ter dificuldades para ficar muito abaixo dos dois dígitos.
Vale afirma ainda que vê pouca efetividade das medidas
adotadas pelo governo para a retomada do crescimento, haja vista a piora que
elas poderão causar tanto para o câmbio, quanto para a inflação e os juros e,
consequentemente, para a atividade econômica. "O mercado está pegando
muito o momento mais recente e esticando para frente, mas não me parece ser
esse o caso", diz o economista, que cita os dados divulgados nesta quinta
pelo BC que indicam uma contração da atividade pelo segundo mês consecutivo em
maio.
Fonte e Foto: Folha de São Paulo
UGT - União Geral dos Trabalhadores