14/07/2022
Com chamas controladas, edifício ainda corre risco de
desabamento. Prefeitura defende demolição e especialistas detalham cuidados do
processo
Após ser consumido por um incêndio de cerca de três dias, o
prédio de 10 andares do centro da capital paulista deverá ser demolido, decidiu
nesta quarta-feira, 13, uma equipe técnica da Prefeitura. O edifício, porém,
ainda corre risco de desabamento e fica localizado no meio de um dos principais
centros comerciais da cidade, a região da Rua 25 de Março, o que torna o
procedimento mais complexo.
Por se tratar de uma região movimentada e com predomínio de
construções antigas, engenheiros ouvidos pelo Estadão explicam que os cuidados devem
ser redobrados neste momento. Eles descartam, por exemplo, o método da
implosão, que pode danificar a estrutura de edifícios vizinhos. Ao mesmo tempo,
alertam que demolições mais cuidadosas podem levar à interdição do entorno do
edifício por um período de até três meses.
Coordenador adjunto da Câmara Especializada de Engenharia
Civil do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Estado de São Paulo
(Crea-SP), Roberto Racanicchi afirma que há uma probabilidade considerável de
grande parte da estrutura do edifício – que compreende vigas, pilares e lajes –
ter sido afetada, uma vez que o prédio pegou fogo em todos os andares e por
bastante tempo. Segundo o Corpo de Bombeiros, o incêndio começou no último
domingo, 10, e as chamas foram controladas apenas nesta quarta.
“Pode ter ocorrido qualquer tipo de ruptura, e essas
rupturas ainda podem levar ao tombamento do edifício”, diz o engenheiro,
reforçando que a deterioração da estrutura pode piorar enquanto o prédio vai
sendo resfriado. Por mais que não houvesse mais chamas, os bombeiros explicaram
que a temperatura seguia atípica em alguns pontos internos do edifício durante
a tarde desta quarta: estava em torno de 200 °C.
De acordo com Racanicchi, a resistência do concreto armado,
que foi usado na fundação do prédio e que consiste na combinação entre concreto
e aço, cai consideravelmente quando o material é exposto a altas temperaturas.
A depender, a estrutura atinge pontos irreversíveis, o que demanda um maior
cuidado inclusive nos procedimentos tomados após o incêndio.
Por se tratar de um prédio de estrutura antiga,
provavelmente construído entre os anos 50 e 60, o coordenador do Crea-SP
acrescenta que os riscos de desabamento acabam sendo ainda maiores. “É igual ao
caso do prédio do Largo do Paiçandu (que desabou em 2018), a probabilidade de
colapso era muito grande”, diz ele. “Tem de evitar que aconteça um novo colapso
neste momento.”
Nesse cenário, ele reforça que uma série de variáveis devem
ser observadas até para planejar o processo de demolição. “É uma região que tem
prédios dos dois lados, tem um viário – que é a parte que compreende a rua e as
calçadas – muito estreito, tem uma alta densidade de edificações. Ou seja, uma
implosão não daria certo, o impacto na vizinhança seria muito grande”, diz ele,
destacando que o procedimento poderia gerar rachaduras e comprometer edifícios
vizinhos.
“Há ainda um fator predominante: trata-se de um prédio no
centro histórico de São Paulo e a maioria das construções que estão ali são
construções antigas, feitas sob as condições de outras normas”, relembra
Racanicchi. “Uma implosão pode afetar o Mercadão, a Igreja de São Bento, afetar
todo o entorno.”
Como o prédio foi consumido pelo fogo e as estruturas
aparentam estar comprometidas, o coordenador do Crea-SP diz que também não é
possível fazer a demolição por dentro, método em que trabalhadores entram para
demolir a edificação com marretas e outras ferramentas.
“Olhando o espaço que há na rua, a solução que vejo seria
pegar um guindaste, que ficaria longe e protegido, e usar uma tesoura mecânica,
que vai tirando parte por parte”, explica. “É um serviço caro, moroso e
delicado de fazer. Tem de tirar peça por peça sempre observando o que está no
entorno”, continua Racanicchi.
Diretor do Instituto de Engenharia de São Paulo, o
engenheiro Rafael Timerman também entende que métodos como a implosão devem ser
descartados. "Fazer uma implosão à distância, sem entrar e verificar como
estão os elementos estruturais do prédio, pode comprometer e causar um desvio da
implosão propriamente dita, inclusive comprometendo os prédios ao lado."
Ainda assim, o engenheiro enxerga que a opção tomada pela
equipe técnica da Prefeitura de demolir o edifício foi correta. "Sessenta
horas de exposição ao fogo, para qualquer tipo de estrutura, já é um estado de
degradação crítico, beirando o colapso da estrutura", diz ele. "Por
esse motivo, entendo que a decisão (de demolir o prédio) é assertiva."
Demolição leva em consideração parte estrutural
Professor doutor da Escola Politécnica da Universidade de
São Paulo (Poli-USP), Valdir Pignatta e Silva explica que, em geral, a decisão
pela demolição emergencial de um prédio é tomada com base na análise da parte
estrutural, que sustenta uma edificação. “E os pilares são os mais importantes
no caso das estruturas em geral”, afirma.
Segundo ele, os incêndios mais fortes, ou cujo material
usado na estrutura fica exposto ao fogo por um tempo considerável, podem
comprometer por completo um edifício. No Brasil, essas estruturas normalmente
são feitas de concreto.
Para analisar em que estado estão, costumam ser tomados dois
caminhos: a coleta de amostra de um pilar, por exemplo, para análise em
laboratório – a conclusão pode levar dias – ou mesmo a análise visual da
estrutura, que é uma medida mais emergencial. Este segundo caminho, aponta o
professor, parece ter sido tomado para inspecionar o edifício nas proximidades
da Rua 25 de Março.
“Pode ocorrer, o que é uma hipótese, de um concreto ser
delaminado, descascado pelo fogo a tal ponto de as armaduras que estão dentro
do concreto aparecerem. Aí é praticamente certo que precisa tomar uma atitude
como a demolição”, explica Pignatta. “Me parece que eles (Prefeitura) não
fizeram nenhum tipo de coleta por enquanto, mas visualmente ficaram com receio
da estrutura não suportar mais o fogo e cair. É um problema de visualização e
receio”, completa.
Uma vez que a decisão foi tomada, a Prefeitura afirmou que a
demolição agora depende de uma análise judicial, uma vez que se trata de um
imóvel privado. Os prazos ainda não estão definidos. “Pedimos agilidade na
liberação da documentação, como os laudos da Defesa Civil, e vamos entrar na
Justiça. A responsabilidade é do proprietário, mas depende de uma resolução
judicial. Estamos tentando obter essa liberação o quanto antes”, disse o
prefeito Ricardo Nunes (MDB) nesta quarta.
Professor de Direito Administrativo da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Márcio Cammarosano explica que, em
geral, a demolição de prédios privados não depende necessariamente de decisão
judicial, embora ela seja um caminho possível. "Os proprietários podem
concordar com a necessidade da demolição. E se, tecnicamente for imprescindível
para evitar catástrofe iminente, mesmo decisões judiciais são rápidas.”
O professor reforça ainda que há uma terceira alternativa.
“No caso de perigo iminente de catástrofe, sequer há necessidade de propositura
judicial. Basta levantamento técnico insuspeito, da Prefeitura, do Corpo de
Bombeiros e/ou de outras entidades de capacidade reconhecida”, diz Cammarosano.
Um campo um tanto mais nebuloso, explica, diz respeito a possíveis
ressarcimentos dos envolvidos, o que dependeria de análises de seguros, se há
culpa dos proprietários do imóvel, entre outros aspectos.
Fonte e Foto: Estadão
UGT - União Geral dos Trabalhadores