27/06/2022
Para profissionais acima de 50 anos, dificuldade é o
preconceito dentro das corporações; entre os mais novos, falta de experiência é
o maior entrave; no total, as duas gerações somam 7,6 milhões de desocupados
Nos últimos dez anos, o Brasil ganhou mais de 2,2 milhões de
desempregados só nas duas pontas mais sensíveis do mercado de trabalho, de
jovens e de profissionais acima de 50 anos. Na geração mais nova, entre 18 e 24
anos, um em cada quatro jovens está desocupado no País. No outro extremo, cerca
880 mil pessoas acima de 50 anos perderam o emprego no período. No total, são
7,6 milhões de desempregados nas faixas de idade, de 14 a 29 anos e no chamado
50+, segundo dados compilados pela consultoria IDados.
Hoje essas duas gerações são as que mais têm dificuldade
para conseguir emprego. O que sobra para um, falta para o outro. A mais nova,
apesar de ser antenada e tecnológica, não tem a experiência que as empresas
pedem. Os sêniores, por outro lado, têm a experiência e a vivência de trabalho,
mas sofrem com o preconceito em relação ao potencial para acompanhar as
inovações do mercado e por, supostamente, serem menos flexíveis.
No primeiro trimestre deste ano, a taxa de desemprego dos
brasileiros entre 14 e 17 anos era de 36,4% – ou seja, mais de um terço dessa
população estava sem emprego, segundo dados do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE). Para aqueles entre 18 e 24 anos, as taxas caem
um pouco, para 22,8%. Entre os mais velhos esse porcentual é bem menor, em
torno de 7%, mas dobrou nos últimos dez anos.
Em 2012, segundo o IDados, o número de desempregados acima
de 50 anos era de 508,9 mil pessoas. Hoje eles são 1,4 milhão de pessoas em
busca de uma recolocação. A expectativa é que esse grupo continue subindo nos
próximos anos por causa das mudanças nas regras da Previdência Social, diz o
pesquisador da consultoria Bruno Ottoni. Com o aumento da faixa etária para se
aposentar (62 anos para mulheres e 65 anos para homens), as pessoas vão precisar
ficar mais tempo no mercado de trabalho.
Apesar de a taxa de desemprego desse grupo ser menor
comparada à média nacional de 11%, os números escondem uma situação complicada.
Sem oportunidades, muitos desses trabalhadores desistem de buscar trabalho,
vivem na informalidade ou tentam o empreendedorismo. Há também os chamados “nem
nem nem”, aqueles que não trabalham, não buscam emprego e não são aposentados.
Segundo a gerente Sênior da Catho, Bianca Machado, esses
profissionais sofrem com o etarismo. Existe a crença de que os profissionais
mais velhos não conseguem acompanhar a evolução tecnológica. Por isso, diz ela,
os recrutadores têm receio de contratar esses trabalhadores, mesmo eles tendo
experiência e muito a agregar. “Pessoas mais experientes podem querer continuar
trabalhando por terem necessidades financeiras, mas também por se sentirem
ativas e desejarem continuar dando suas contribuições para o mercado de
trabalho.”
Bianca conta que há um movimento, ainda tímido, para criar
programas e iniciativas que estimulem a contratação desse grupo de pessoas. O
objetivo é dar suporte, desenvolver carreiras e aprimorar a cultura de
diversidade. O grupo Elfa, empresa de soluções e serviços logísticos de saúde,
criou no ano passado o programa Talento Sênior para atrair e engajar
profissionais com 50 anos ou mais. Hoje a média de idade na companhia é de 27
anos.
O primeiro ano do programa teve mais de 1 mil inscrições
para oito vagas. “É um processo que exige uma certa experiência”, diz o diretor
de Gente e Gestão da empresa, Fred Lopes. Os profissionais foram contratados
para áreas de recursos humanos, TI, comercial e digital. Todos estão em posição
de gerência e coordenação. Para este ano, uma nova seleção deverá ser feita no
segundo semestre.
“A população está envelhecendo, mas com uma expectativa de
vida cada vez maior. Então tenho de estar preparado para essa mudança”, diz
Lopes. Segundo dados do IBGE, em 2060, as pessoas com 65 anos ou mais vão
representar 25% da população brasileira e somarão cerca de 60 milhões de
pessoas. A expectativa de vida também está aumentando. Hoje a média é de 76,8
anos.
Na avaliação do diretor da FGV Social, Marcelo Neri, há uma
dificuldade crescente para a geração madura se inserir no mercado de trabalho
exatamente por causa do etarismo e dos avanços tecnológicos. Do outro lado, no
entanto, a perspectiva é um pouco melhor para os mais novos no longo prazo. “A
última década foi muito difícil para os jovens (de 2014 para cá, eles perderam
14% da renda), mas acho que o jogo está virando para eles. Com a digitalização
e a transição geográfica, esses profissionais serão mais valorizados.”
Essa geração, diz Neri, fez uma transição educacional forte.
Eles têm um nível educacional bem superior ao de seus pais. O problema é que
isso não significou melhora na produtividade, ou seja, não houve avanço em
termos de inserção trabalhista, diz o diretor da FGV. Segundo dados do Fundo
Monetário Internacional (FMI), trata-se de uma geração mais pobre que a de seus
pais. Isso porque o número de empregos bem remunerados de nível médio diminuiu.
Hoje, a principal dificuldade para os jovens trabalhadores é a falta de
experiência. Segundo Bianca Machado, da Catho, parte das empresas busca
profissionais com muita experiência e prontos para assumir desafios sem ter de
se preocupar com treinamento. “O ideal é que o ambiente de trabalho seja
inclusivo e diverso para que jovens e profissionais mais velhos possam aprender
um com o outro.”
Gustavo Henrique Felix Salviano, de 20 anos, conhece bem as
exigências das empresas. Já fez várias entrevistas, mas não foi selecionado por
falta de experiência. “Geralmente pedem de 1 até 3 anos de trabalho anterior,
oferecem poucas condições e exigem muitos cursos técnicos.” Hoje ele mora com
os pais e ganha algum dinheiro fazendo bicos e outros trabalhos informais, como
o delivery via aplicativo. Ainda não fez faculdade por falta de recursos, mas
esse é o objetivo assim que conseguir uma vaga fixa de trabalho. “Quero fazer
psicologia”, diz ele, que está fazendo um curso de programação de JavaScript
para melhorar o currículo.
A diretora de Recursos Humanos da Adecco do Brasil, Lúcia
Santos, dá algumas dicas para Salviano. Segundo ela, uma das formas de se
inserir no mercado de trabalho é buscar o programa Jovem Aprendiz ou de Trainee
das empresas. Além disso, é importante que os jovens em busca de oportunidade
sejam ponderados nas redes sociais. O perfil de qualquer candidato hoje é
vasculhado para entender se a pessoa é adequada ou não a uma determinada vaga.
Por causa de uma postagem inadequada, o profissional pode ser desconsiderado.
Para os mais velhos, no entanto, a dica é se mostrar mais
nas redes sociais, como LinkedIn e Facebook. “Hoje eles não estão nesses
canais, portanto, ficam de fora das buscas online. É preciso ter um olhar
digital. Qualificação eles têm.”
‘O preconceito etário
está enraizado’, diz executivo
O diretor da empresa de recrutamento Randstad Brasil, Diogo
Forghieri, diz que ainda há muito preconceito no mercado de trabalho, seja com
os mais velhos ou jovens. Hoje até para um estagiário as companhias pedem
experiência. “O preconceito etário está enraizado.” Na avaliação dele, a busca
por trabalhadores deveria ver as qualificações independentemente da idade. A
seguir trechos da entrevista:
• QUAL A MAIOR DIFICULDADE PARA UM JOVEM
CONSEGUIR EMPREGO?
Em um ambiente tão competitivo, existem muitas barreiras
para os jovens ingressarem no mercado de trabalho. A falta de experiência acaba
sendo o principal desafio. As empresas têm exigido experiência prévia mesmo em
cargos que não demandam tanto conhecimento técnico ou em cargos iniciantes como
estágios ou vagas de aprendiz.
• E PARA PESSOAS ACIMA DE 50 ANOS?
Existe o etarismo, termo que se refere à discriminação
contra pessoas baseada no estereótipo de idade. Isso costuma afetar
principalmente a faixa etária acima dos 50 anos. Embora nem sempre explícito, é
um preconceito que causa prejuízos sociais importantes, especialmente no
mercado de trabalho.
• AS EMPRESAS TÊM DIFICULDADE COM ESSAS DUAS
FAIXAS ETÁRIAS?
Sim, infelizmente o preconceito etário está enraizado. O
mercado de trabalho busca profissionais, busca pessoas que tenham experiência
ou não, ou algum conhecimento técnico. Esses são pontos que o mercado deveria
considerar, e isso deveria indeferir de idade ou de gênero. O que importa é o
profissional qualificado.
• HÁ ALGUM MOVIMENTO PARA CONTRATAR 50+?
Aos poucos, as empresas começaram a criar ações de inclusão
de profissionais mais velhos em suas jornadas de diversidade. Algumas empresas
têm grupos de afinidade para debater temas dos mais diversos, incluindo
gerações. Existem também empresas que desenvolvem programas específicos para
contratação de profissionais 50+ ou 60+. Muitos têm o objetivo de reintegrar
profissionais qualificados e outros de desenvolver e preparar profissionais
para o mercado de trabalho. Há pessoas com mais de 60 anos que voltaram a
estudar em busca de novas oportunidades.
• O CENÁRIO DE MAIOR DIGITALIZAÇÃO TENDE A
MELHORAR O AMBIENTE PARA OS MAIS JOVENS, UMA VEZ QUE O MERCADO PRECISA DE MAIS
MÃO DE OBRA QUE TENHA FACILIDADE COM TECNOLOGIA?
Obviamente os jovens, principalmente nativos digitais, têm
maior facilidade para lidar com os rápidos avanços da tecnologia. Mas não
podemos acreditar que a pessoa, pela idade que tem pode não dar conta de
questões tecnológicas ou não se adaptar ao ambiente de trabalho. Precisamos
derrubar estereótipos. O rápido avanço das novas tecnologias contribui para
reforçar esses estigmas. Pense por um momento no perfil de profissional ágil,
ousado e inovador, que tanto aparece entre os mais desejados pelas empresas e
logo pensamos em jovens. Precisamos de programas de capacitação para
profissionais mais experientes que desejam lidar com a tecnologia.
• A MUDANÇA NAS REGRAS DA APOSENTADORIA JOGA
MAIS GENTE NO MERCADO DE TRABALHO? VOCÊS JÁ PERCEBEM ISSO?
Com certeza. A reforma da Previdência elevou a idade de
aposentadoria de homens para 65 anos e de mulheres para 62, e o resultado é que
teremos profissionais cada vez mais velhos no mercado. Segundo o Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em 2040 a média de idade dos funcionários
nas organizações será de 45 anos. Hoje, a longevidade das pessoas, o acesso à
saúde, entretenimento e bem-estar fazem com que a expectativa de vida venha
aumentando. Uma pessoa com mais de 50 ou 60 anos está começando a terceira
parte da vida e ainda tem muito a contribuir. Por isso, as companhias devem
tornar o ambiente de trabalho fértil para esses profissionais.
Profissionais mais
velhos relatam preconceito e dificuldade de recolocação
Marilisa Salvi, trabalhou durante 27 anos com carteira
assinada em vários setores, de moda à indústria metalúrgica. Mas hoje, aos 57
anos, não vê benefício em tanta experiência. Formada em administração de
empresas e engenharia de produção, ela está desempregada há dois anos e meio,
apesar de procurar incansavelmente por uma oportunidade. Atualmente tem
sobrevivido com a venda de roupas pela internet.
“Só vejo portas fechadas. Para algumas empresas, a
experiência e a bagagem são vistas como vícios adquiridos e que podem
atrapalhar na adaptação e dar maus exemplos a funcionários mais jovens”, diz
ela. Além disso, o preconceito contra o trabalhador mais velho é escancarado.
Marilisa diz que já cansou de ouvir de recrutadores que a vaga é para pessoas
mais jovens. Mesmo que não falassem abertamente, os requisitos já mostram isso:
“Exigem experiência com novas ferramentas de trabalho”, diz ela.
Alberto Moraes, de 63 anos, entende bem esse ponto. Há três
anos desempregado, ele reconhece que não tem muitas habilidades digitais. “O
máximo que sei mexer é no Word”, diz ele, que começou a trabalhar aos oito anos
de idade como engraxate na frente do antigo Cine Clipper, na Freguesia do Ó, em
São Paulo. Moraes não é aposentado, apesar de ter pago o INSS por anos. “Fui
vítima de um contador estelionatário que dizia pagar as guias, mas não pagava.”
Durante 20 anos, foi dono de uma oficina mecânica na Lapa,
mas por questões de saúde não pode mais fazer esse tipo de trabalho. “Sinto-me
extremamente limitado para atividades que exigem força e muito movimento”, diz
ele, que busca alguma colocação na área administrativa. Moraes conta que tem
participado de concursos públicos e tido boas colocações. “Mas ainda não
consegui uma vaga. Continuarei tentando”, diz ele, que hoje conta com a ajuda
de parentes e amigos para se sustentar.
Fonte e Foto: Estadão
UGT - União Geral dos Trabalhadores