07/06/2022
Cidade lançou 38 mil unidades em 1950, número que saltou
para 262,2 mil em 2010, mostra levantamento; zona oeste e zona sul ganham
espaço do centro
Ao longo de seis décadas, o processo de verticalização na
cidade de São Paulo levou à construção de 1,2 milhão de apartamentos e se
acentuou entre os anos 1960 e 1970, quando a zona oeste passou a disputar com a
região central a homogeneidade do mercado imobiliário.
Até os anos 1960, os lançamentos de unidades não saíam do
eixo República-Consolação-Bela Vista. De 1950 a 1959, foram construídos 38 mil
apartamentos, 72% deles na região central.
A partir de 1970, o foco das construções mudou. O início do
adensamento de bairros disputados pelas construtoras, como Jardim Paulista,
Perdizes, Itaim Bibi, na zona oeste, e Vila Mariana, na zona sul, coincidiu com
o primeiro boom imobiliário da cidade.
De uma década para outra, o número de novos apartamentos
triplicou. A cidade lançou 64,1 mil nos anos 1960, contra 193,1 mil nos anos
1970. Na década de 2010, esse número saltou para 262,2 mil.
Os números são de levantamento do Portal Loft, plataforma da
startup imobiliária para divulgar dados do setor inaugurada neste mês, com base
nas informações do IPTU. Foram considerados imóveis construídos de 1950 a 2019.
"A verticalização em São Paulo seguiu a demanda nas
regiões onde se concentravam a oferta de empregos e o desenvolvimento do
transporte público", diz Rodger Campos, gerente de dados da Loft.
"A aglomeração dos empregos começou no centro, na praça
da Sé, e se deslocou para as avenidas Paulista, Rebouças, Faria Lima e a região
de Pinheiros. O mercado de trabalho demanda espaço para se alocar e as famílias
também. A solução para isso é a verticalização", afirma Campos.
Diferentemente de outras cidades do mundo, o adensamento em
São Paulo não seguiu um projeto urbanístico, e o paliteiro urbano acabou
acompanhando a construção das linhas do metrô e das grandes avenidas.
"A verticalização começou em direção à avenida
Paulista, quando chegou perto da Barra Funda, esbarrou nos galpões industriais
e seguiu em direção a Perdizes, Cerqueira César e Consolação", explica o
urbanista Kazuo Nakano, professor do Instituto das Cidades da Unifesp
(Universidade Federal de São Paulo).
Isso porque, explica Nakano, o investidor de incorporação
imobiliária busca áreas onde há mais vantagens ao comprador para atrair lucro
com maior aproveitamento da terra urbana. Isso se intensificou nos anos 1970,
com a implantação do metrô na cidade.
"O processo de verticalização foi induzido pelo sistema
de metrô com mais construções nas extremidades das linhas em um primeiro
momento, porque era onde ainda havia terrenos desocupados", diz
A relação entre meio de transporte e habitação é prevista
pelo PDE (Plano Diretor Estratégico) de São Paulo, sancionado como lei
municipal em 2014. O ordenamento de construções também é regrado pela Lei de
Zoneamento, embora a verticalização da cidade tenha começado bem antes das
leis.
Em processo de revisão, o PDE criou incentivos para a
construção de unidades pequenas próximo a eixos de mobilidade urbana, como
estações de metrô e corredores de ônibus. O intuito foi condensar mais pessoas
em locais de fácil acesso de transporte como uma forma de reduzir o trânsito na
cidade e também diminuir o processo de espraiamento da metrópole.
O gerente de dados da Loft explica que a proximidade a esses
microcentros urbanos inseridos em cada bairro é um dos principais parâmetros
para definir os valores dos imóveis, por exemplo. "Os preços vão ser mais
caros nos subcentros, porque oferta de emprego e de transporte são âncoras para
definir precificação", diz.
Outros fatores, como políticas públicas habitacionais,
também impulsionaram a inauguração de empreendimentos imobiliários. Nas
periferias, principalmente na zona leste, as construções se tornaram mais
frequentes a partir de 1990, quando se consolidou a entrega de conjuntos
habitacionais populares da Cohab (Companhia Metropolitana de Habitação de São
Paulo).
Em 1995, por exemplo, Cidade Tiradentes teve um salto de
verticalização. O maior complexo da Cohab fica no bairro, com cerca de 40 mil
unidades. Dez anos antes havia sido a vez de Sapopemba e Artur Alvim, de acordo
com o estudo.
A construção desses conjuntos habitacionais, porém, deixou
terrenos públicos abandonados nos arredores, que não foram aproveitados. Eles
não se transformaram em áreas construídas, o que favoreceu o surgimento de
ocupações irregulares, segundo o urbanista Nakano.
Entre os anos 1980 e 1990, a construção de novas unidades
habitacionais na cidade teve o primeiro resultado negativo desde 1950, quando
foi registrada retração de 2% nos lançamentos, segundo o estudo da Loft.
O levantamento mostrou que, mais recentemente, a partir de
2010, o bairro mais disputado pelas construtoras foi a Vila Andrade, na zona
sul, em decorrência do prolongamento da linha 5-lilás do metrô.
A primeira vez que o bairro apareceu no ranking dos dez com
maior número de imóveis novos foi nos anos 1990, em oitavo lugar. Na década
seguinte, foi para terceiro lugar, e na de 2010 ocupou o topo da lista, com
12,7 mil unidades entregues em dez anos.
Segundo o levantamento, a lista de bairros com maior número
de unidades habitacionais entregues entre a década de 1950 e a de 2010 é
encabeçada por Itaim Bibi, com 54,4 mil apartamentos residenciais, seguido por
Vila Mariana (52,8 mil), Jardim Paulista (51,4 mil), Moema (39,7 mil) e
Perdizes (38,8 mil).
E POR QUE FALTA TETO?
Apesar da intensa atividade da construção civil na cidade, o
déficit habitacional ainda é um problema escancarado na metrópole.
Como mostrou a Folha, a cidade tem hoje um déficit de 369
mil domicílios, de acordo com dados do PMH (Plano Municipal de Habitação).
Estudo da consultoria econômica Econnit estima que, até 2030, o problema vá se
agravar, e seriam necessárias 73 mil novas residências por ano para suprir a
demanda por moradia na capital paulista.
De 2015 a 2019, porém, foram entregues menos de 20 mil por
ano, de acordo com o levantamento da Loft.
Para o gerente de dados da startup, o déficit habitacional
crônico é consequência de crescimento demográfico acelerado, que produz cidades
inchadas do ponto de vista da moradia. "A cidade nasce em algum lugar e, a
partir do momento que houve maior entrada de pessoas, uma parcela foi acomodada
em favelas e áreas invadidas", diz.
No mesmo período em que São Paulo entregou 1,2 milhão de
apartamentos residenciais, entre 1950 e 2019, a população da cidade mais que
triplicou: foi de 3,5 milhões de habitantes para 11,2 milhões, segundo o IBGE
(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
O equilíbrio entre verticalização e densidade habitacional,
visto por urbanistas como a fórmula ideal para a construção de uma cidade mais
justa, ainda está distante de ser alcançado. Nakano diz que, atualmente, o
mercado imobiliário segue a tendência de investir em imóveis de alto padrão com
condomínios aos moldes de clubes que ocupam mais terra urbana para habitar
menos pessoas.
Além disso, segundo Nakano, para continuar o processo de
expansão, o mercado imobiliário tem rumado para os polos metropolitanos, as
cidades da Grande São Paulo, como Osasco, Guarulhos e Barueri.
Mesmo durante a atual crise econômica do país, o mercado da
construção civil segue aquecido na cidade por causa do mercado financeiro, cada
vez mais imbricado com o imobiliário em razão dos fundos de investimento.
"É a financeirização da produção imobiliária e da moradia", diz Nakano.
Fonte e Foto: Folha de São Paulo
UGT - União Geral dos Trabalhadores