30/05/2022
São inconstitucionais a Súmula 277 do Tribunal Superior do
Trabalho e as decisões judiciais que reconhecem o princípio da ultratividade de
acordos e convenções coletivas no âmbito trabalhista. A decisão se deu por
maioria em votação no Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal, encerrada
nesta sexta-feira (27/5).
A ultratividade prolonga os efeitos dessas negociações até
que haja um novo acordo. A partir de agora, ao fim da validade do acordo ou
convenção coletiva do Trabalho, as normas pactuadas perdem sua validade, não
sendo possível o prolongamento de seus efeitos por mesmo prazo até nova negociação.
Conforme o entendimento majoritário no Supremo, a
ultratividade das normas coletivas provoca disparidades entre empregados e
patrões, desestimulando a negociação. O entendimento também é de que o
Judiciário não pode se sobrepor à vontade legislativa em respeito à separação
entre os poderes, já que foi o Congresso quem decidiu vetar a ultratividade ao
redigir a reforma.
A ação foi ajuizada pela Confederação Nacional dos
Estabelecimentos de Ensino para questionar a Súmula 277 do TST. O relator da
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 323, ministro Gilmar
Mendes, votou pela procedência da ação.
Em seu voto, ele afirmou que os trabalhadores não ficam
desamparados no intervalo entre a negociação de duas convenções, porque seus direitos
essenciais já estão assegurados pela Constituição. "De fato, cessados os
efeitos da norma acordada, as relações seguem regidas pelas demais disposições
que compõem a legislação trabalhista, algumas até então afastadas por acordo ou
convenção coletiva em questão. Não há, rigorosamente, anomia", apontou.
Gilmar ainda sustentou que o princípio da ultratividade
torna a relação entre as partes — empregador e empregado — desigual. "Ao
mesmo tempo que a própria doutrina exalta o princípio da ultratividade da norma
coletiva como instrumento de manutenção de uma certa ordem para o suposto vácuo
existente entre o antigo e o novo instrumento negocial, trata-se de lógica
voltada para beneficiar apenas um dos lados."
Gilmar também criticou o TST porque, ao fazer sessão para
definir a atualização ou revogação de súmulas, "conseguiu a façanha de não
apenas interpretar arbitrariamente norma constitucional, de modo a dela extrair
o almejado, como também de ressuscitar princípio que somente deveria voltar a
existir por legislação específica".
Segundo o ministro, a Corte feriu o princípio de separação
entre os poderes, "ao avocar para si a função legiferante", afastando
"o debate público e todos os trâmites e as garantias típicas do processo
legislativo, passando, por conta própria, a ditar não apenas norma, mas os
limites da alteração que criou".
Acompanharam o entendimento de Gilmar os ministros Nunes
Marques, Alexandre, Barroso, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Luiz Fux e André
Mendonça.
Voto-vista
O julgamento tinha começado no Plenário presencial, mas foi
suspenso por pedido de vista de Dias Toffoli. No voto-vista, Toffoli explicou
que a controvérsia se dá em razão interpretação conferida pela Justiça
Trabalhista ao artigo 114, parágrafo 2º da CF, e esse dispositivo,
literalmente, não prevê em seu texto a extensão dos direitos pactuados entre as
partes.
"Estipula o §167; 2º; do artigo 114 que, ao decidir o
dissídio, o julgador deverá observar as disposições mínimas legais de proteção
ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente, ou seja, não poderá
impor retrocesso aos termos já pactuados pelas partes da relação trabalhista,
nada mencionando, porém, acerca da extensão da vigência das normas coletivas de
trabalho para além do prazo convencionado", pontuou Toffoli.
Para ser coerente com o reconhecimento das convenções e
acordos, o artigo 144 da Constituição, em seu parágrafo 167, 2º, reforça a
prioridade da pactuação direta entre as partes. Por isso, diz Toffoli, ela deve
se sobrepor inclusive às sentenças normativas proferidas pela Justiça do
Trabalho.
Por fim, afirmou, concordando com o relator, que o término
da vigência das convenções não significa a cessação dos direitos trabalhistas
da categoria, "considerando que o ordenamento jurídico brasileiro garante
um rol de garantias aos trabalhadores, por meio da lei e da Constituição, que
não podem ser suprimidas ou negociadas, não havendo que se falar em anomia
enquanto estiver pendente a pactuação de nova norma coletiva".
Assim, concluiu que a súmula do TST "extrapola o que se
pode extrair de significado das palavras ali inseridas, invadindo o espaço
reservado ao legislador ordinário para a disciplina da matéria relativa à
vigência das normas coletivas".
Divergências
Divergiram do relator os ministros Luiz Edson Fachin, Rosa
Weber e Ricardo Lewandowski. Rosa Weber votou pela improcedência da ação, por
perda de objeto, já que a Reforma Trabalhista (Lei 13.467/17) vetou a
ultratividade em seu art. 614, parágrafo 3º. Rosa Weber também destacou que a
questão ainda não foi debatida no próprio TST.
"Caso o próprio Supremo Tribunal Federal venha a se
posicionar sobre a subsistência da Súmula 277/STF antes mesmo do Tribunal
Superior do Trabalho ter a oportunidade de se manifestar sobre o tema, ocorrerá
indesejável sobreposição jurisprudencial e indevida supressão de instâncias
jurisdicionais", pontou a ministra.
Rosa Weber também destacou que a declaração de
inconstitucionalidade da Súmula 277 pode causar imensos prejuízos à classe
trabalhadora. Como explicou a ministra, caso o empregador decida por não
negociar com o sindicato, os direitos adquiridos por negociação perderiam-se ao
fim do acordo, e, como a Constituição Federal exige comum acordo para levar a
questão ao judiciário o dissídio coletivo, o trabalhador torna-se a parte
vulnerável.
"Não havendo acordo entre as partes para a instauração
do dissídio coletivo, nem contrato coletivo em decorrência do exaurimento de
seus efeitos, o impasse na contratação das novas condições de trabalho
ocasionava o surgimento de um limbo jurídico, incompatível com a dignidade da
pessoa humana, causando insegurança jurídica no âmbito das relações de
trabalho. Por esse motivo, prevaleceu o entendimento que preconizava a
preservação dos efeitos dos contratos coletivos de trabalho, precariamente, até
a superação do impasse contratual", destacou.
Em sua divergência, Fachin defendeu que o STF, sempre que
provocado sobre a validade da Súmula 277, compreendeu não se tratar de matéria
constitucional, e sim de infraconstitucional; assim, a Corte sempre acompanhou
o entendimento da Justiça Especializada. O ministro ainda ressaltou que cabe à
Suprema Corte a "missão de guardiã da Constituição, a qual, segundo visão
sistemática do texto constitucional, garante ao trabalhador brasileiro direitos
fundamentais sociais blindados contra o retrocesso".
Lewandowski, por sua vez, alegou que a interpretação do TST
visa resguardar o trabalhador que esteja na iminência de perder todos os
direitos convencionados em razão fim do prazo estipulado no instrumento — e a
CLT ou qualquer outra norma não dispõe sobre o vazio temporal. O ministro
também destacou que invalidar a Súmula 277 violaria o princípio da proibição do
retrocesso em matéria de direitos sociais previsto no artigo 30 da Declaração
Universal dos Direitos do Homem de 1948.
Fonte e Foto: FEEB/PR - Federação dos Bancários do Estado do
Paraná
UGT - União Geral dos Trabalhadores