29/04/2022
Dossiê produzido pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara
aponta para uma crise humanitária sem precedentes que leva pessoas a pedir
ajuda nas UBSs
A cidade de São Paulo vive uma crise humanitária sem
precedentes, com a miséria, a falta de moradia e a fome atingindo milhares de
famílias. Um dossiê produzido pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara
Municipal mostra que a situação nunca foi tão grave e começa a demandar
atendimentos no sistema de saúde. Levantamento feito entre 1º e 14 de dezembro
registrou que cerca de 6 mil pessoas buscaram ajuda em Unidades Básicas de
Saúde (UBSs) devido à fome.
Das 483 UBSs que responderam ao levantamento, 122 afirmaram
possuir demanda de atendimento para indivíduos com sintomas decorrentes da
fome. A maior demanda desse atendimento ocorreu na zona sul da cidade, que
respondeu por 53% dos casos. Ela é seguida pela região norte, com 20%. Outros
12% dos casos ocorreram na região leste, 9% na região oeste e 3%, no centro.
Alguns casos não tinham a região demarcada.
Segundo o documento da Comissão de Direitos Humanos, essas
pessoas estão em situação de rua e sem acolhimento por parte dos equipamentos
da assistência social da prefeitura de São Paulo. O relatório aponta ainda que
faltam equipamentos como centros de acolhida e restaurantes Bom Prato,
indicados como responsáveis por suprir a demanda de alimentação da população de
rua da capital. Com isso, muitas pessoas estão em locais que seria preciso se
deslocar a pé por vários quilômetros para chegar nesses equipamentos,
inviabilizando o atendimento.
Calamidade pública
O documento também destaca que o fim do programa Cozinha
Cidadã, extinto pelo governo do prefeito Ricardo Nunes (MDB), no ano passado,
agravou a situação. O programa chegou a distribuir 10 mil marmitas por dia.
Após muitos protestos, a prefeitura restabeleceu cerca de 3.700 marmitas. O
número, no entanto, que não atende a uma demanda ampliada por um cenário de
inflação alta, desemprego e queda na renda, marcas do governo de Jair Bolsonaro
(PL). Hoje, a população sem-teto na cidade de São Paulo está estimada em quase
40 mil pessoas, como explica o presidente do Movimento Estadual da População em
Situação de Rua, Robson Mendonça.
“A população continua desempregada, perdendo o emprego, sem
poder pagar aluguel e sendo despejada. Houve muita reintegração de posse o que
fez com que aumentasse catastroficamente a população em situação de rua na
cidade de São Paulo e com isso a fome. E não foi gerado nenhum outro programa
de combate à fome. Permaneceram as marmitas compradas pela prefeitura e
repassadas à população, mas sem que fosse criado um diagnóstico real da
necessidade dos cidadãos”, contesta.
Mendonça diz que nunca viu uma situação como essa e que as
pessoas estão fazendo uma “via sacra” pra conseguir alimentos, já que muitos
pontos de distribuição estão saturados. “Não tinha visto ainda chegar nessa
calamidade pública que estamos passando agora, porque o camarada já está sendo
privado do mais importante para a sua dignidade que é a moradia, ele tem
problemas de saúde terríveis e vem a fome que acarreta um aumento catastrófico
dos atendimentos no SUS, em que vemos hospitais, UBSs e AMAs super lotados e
pessoas sem saber qual é o sintoma que está sentido. E nada mais do que a fome
e a falta de nutriente básico para a sua sobrevivência”, lamenta o ativista.
Uma crise sem
respostas
Coordenador da Pastoral do Povo da Rua, o padre Júlio
Lancellotti avalia que uma crise humanitária como essa só foi vista no início dos
anos 1990, no governo de Fernando Collor de Mello. “Só vi situação semelhante
quando editaram o Plano Collor, congelaram todas as contas e muitas pessoas
ficaram desesperadas. Agora é ainda mais grave do que naquela época, porque as
pessoas não encontram trabalho, não têm casa, o número de pessoas que vão para
a rua aumenta porque as pessoas ficam inadimplentes, não tem como se alimentar
e os que ainda têm uma moradia precária precisam escolher entre morar ou comer.
Então muita gente vai para a rua para comer”, adverte o pároco.
Para o padre Júlio, é urgente que o poder público crie
programas emergenciais de renda básica e refeitórios comunitários, como era o
caso do Cozinha Cidadã. Ele destaca que a situação é tão grave, que não adianta
entregar doações às pessoas, porque elas sequer têm como preparar os alimentos.
“Esse é um agravamento diário, contínuo e sem respostas. O que a gente percebe
diariamente, mesmo nas igrejas, é uma busca constante de alimentos. É dramático
que as vezes eles falam ‘pode ser um pouco de arroz, ou macarrão, o que tiver’.
Porque as pessoas não têm nada, não têm o alimento e nem como fazer. O gás está
muito caro e alguns estão cozinhando na lenha ou no etanol. A gente vive uma
crise humanitária sem respostas à altura e que amenizem essa situação, que
diminuam o impacto da miséria”, critica.
O dossiê dos casos de fome organizado pela Comissão de
Direitos Humanos da Câmara lembra ainda da aprovação do Projeto de Lei
465/2021, de autoria da vereadora Erika Hilton (Psol). O PL cria um fundo
municipal de combate à fome. Porém, o texto ainda não foi regulamentado pelo
governo Nunes e não começou a ser efetivado.
Fonte e Foto: Rádio Peão Brasil
UGT - União Geral dos Trabalhadores