19/04/2022
Conheça a origem do “dia do índio” e por que integrantes do
movimento indígena criticam a data comemorativa
Poucos dias depois do encerramento da maior edição do
Acampamento Terra Livre (ATL) em seus 18 anos de história, acontece o chamado
“dia do índio”, oficializado no Brasil em 1943. A origem da data remete a um
protesto feito por indígenas durante o Congresso Indigenista Interamericano,
realizado entre os dias 14 e 24 de abril de 1940, no México.
Antecipando que não seriam devidamente escutados em um
evento comandado por líderes políticos brancos, os representantes indígenas de
47 países do continente fizeram um boicote: não compareceram nos primeiros dias
do Congresso.
Só em 19 de abril, seis dias depois do início, foram ao
encontro e, com o impacto do protesto inicial, ganharam força nas discussões.
Daí a escolha da data como uma das propostas finais do Congresso, então
sugerida como “dia do aborígene americano”.
O delegado brasileiro no Congresso, veja só, não era
indígena. Mas sim um homem branco: o médico e antropólogo carioca Edgar
Roquette-Pinto (responsável também por fundar a primeira rádio do Brasil, mas
essa é outra história).
Marechal Rondon – engenheiro, sertanista brasileiro e o
primeiro diretor do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), que depois se
transformaria na Fundação Nacional do Índio (Funai) -, foi quem convenceu
Getúlio Vargas a instituir a data. Em 1943 o então presidente assinou o
decreto-lei que estabeleceu o “dia do índio”.
Índio ou indígena
A folclorização, a homogeneização dos 305 povos existentes
no país, a redução do debate sobre o tema a um dia no ano ou a ideia de que é
simplesmente uma data para celebrar determinada harmonia fictícia estão entre
as críticas de representantes dos povos originários ao chamado “dia do índio”.
As clássicas atividades escolares que, no 19 de abril,
estimulam crianças a pintar um indígena com dois riscos nas bochechas e uma
pena na cabeça, celebrando a cultura nacional, é um exemplo do reducionismo
produzido por estereótipos.
Em uma fala durante o evento Mekukradjá – Círculo de
Saberes: o Movimento da Memória, o escritor e educador Daniel Mundurku afirma
que, apesar de serem ancestrais, as populações indígenas se tornaram visíveis
no país apenas na década de 1970 e, de forma institucional, a partir da
Constituição de 1988.
Durante todo o tempo anterior, narra ele, um apelido recaiu
sobre os povos indígenas como uma forma de invisibilização. Repetida à
exaustão, a palavra “índio” foi incorporada por toda a sociedade brasileira,
incluindo os povos a quem a alcunha é dada.
“Nos anos 1970, quando a juventude começou a se perceber
parte de uma sociedade maior, porque foi assim que começou o movimento
indígena, ela usou esse termo ‘índio’ como uma forma de luta. Como uma forma de
identificação daqueles que eram parceiros. Então essa palavra ainda é usada, e
se é usada por uma liderança indígena, é nesse sentido”, diz Munduruku.
O escritor lembra que o contexto é completamente diferente
daquele em que a palavra é usada no sentido “do apelido, do desdém, do
estereótipo, da ideologia”. Levando as mãos à boca para fazer o gesto,
Munduruku afirma que “quando alguém olha para mim e diz ‘ah, ele é índio! Uh,
uh, uh!’, a pessoa está me colocando numa classificação de menos humanidade. E
aí a gente tem que brigar com isso”.
“Índio” foi a palavra dada pelos colonizadores aos povos que
viviam no continente americano quando Cristóvão Colombo aqui atracou, mais de
500 anos atrás, achando que estava nas “Índias”. Indígena quer dizer
originário, aquele que estava ali antes dos outros.
“Não estou falando do politicamente correto. Estou falando
do correto”, ressalta Daniel Munduruku. “Palavra para nós tem sentido, tem
alma, tem vida”.
Acampamento Terra Livre tem edição histórica
Encerrada no último dia 14, a edição 2022 do Acampamento
Terra Livre, organizada pela maior instância de representação nacional dos
povos originários do país, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib),
reuniu cerca de oito mil pessoas em Brasília.
A realização anual no mês de abril não é à toa. Liderança do
povo Guarani Mbya da Aldeia Morro dos Cavalos e coordenadora da Apib, Kerexu
Yxapyry conta que, quando o ATL surgiu, em 2004, decidiu-se estrategicamente
por fazê-lo próximo ao 19 de abril porque “no período do ‘dia do índio’ as
autoridades estariam mais sensíveis às questões indígenas”.
O movimento indígena questiona a data, seu nome e a suposta
“celebração” que ela sugere. “Vamos para Brasília no mês de abril para dizer
que ‘dia do índio’ não é dia de comemorar. Para que se comemore o ‘dia do
índio’, é preciso demarcar nossos territórios”, enfatiza Kerexu, que é também
coordenadora da Comissão Guarani Yvyrupa (CGY).
A demarcação de terras indígenas, paralisada durante o
governo Bolsonaro, foi a principal reivindicação do ATL de 2022. A carta final
da mobilização, que apresentou uma “plataforma indígena de reconstrução do
Brasil”, ressaltou a importância de interromper um processo de “destruição e
morte” que está em curso.
Fonte e Foto: Rádio Peão Brasil
UGT - União Geral dos Trabalhadores