19/04/2022
A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho reconheceu
o vínculo de emprego entre um motorista de aplicativo e a Uber do Brasil
Tecnologia Ltda. Para a maioria do colegiado, estão presentes, no caso, os
elementos que caracterizam a relação de emprego: a prestação de trabalho por
pessoa humana, com pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e subordinação.
Monitoramento
Na reclamação trabalhista, o motorista, de Queimados,
município da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RJ), disse que trabalhara
para a plataforma digital durante dois meses, após comprar um veículo
enquadrado nos padrões da Uber. Segundo seu relato, ele atuava de segunda a
sábado, totalizando 13 horas diárias e 78 semanais, sempre monitorado de forma
on-line pelo aplicativo. No terceiro mês, foi desligado imotivadamente.
Riscos do negócio
A Uber, em sua defesa, sustentou que não houve nenhum acordo
para pagamento de comissões sobre o valor das viagens. Para a empresa, na
realidade, quem a contratou foi o motorista, que, em contraprestação ao uso da
plataforma digital, concordara em pagar o valor correspondente a 20% ou 25% de
cada viagem. Por fim, alegou que o motorista assumira todos os riscos do
negócio.
Empresa de tecnologia
O Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (RJ) negou o
vínculo de emprego, por entender que a Uber é uma empresa de tecnologia, e não
de transporte. De acordo com a decisão, o motorista tinha plena liberdade de
definir os dias e os horários de trabalho e descanso e a quantidade de
corridas, não recebia ordens e fazia, por conta própria, a manutenção de seu
veículo.
Novas fórmulas
O relator do recurso de revista do motorista, ministro
Mauricio Godinho Delgado, observou que a solução do caso exige o exame e a
reflexão sobre as novas e complexas fórmulas de contratação da prestação
laborativa, distintas do sistema tradicional, e que se desenvolvem por meio de
plataformas e aplicativos digitais, softwares e produtos semelhantes, “todos
cuidadosamente instituídos, preservados e geridos por sofisticadas (e, às
vezes, gigantescas) empresas multinacionais e, até mesmo, nacionais”.
Função civilizatória
Embora essa nova estrutura facilite a prestação de serviços,
o ministro pondera que a lógica de seu funcionamento tem sido apreendida por
grandes corporações como oportunidade para reduzir suas estruturas e o custo do
trabalho. A seu ver, a discussão deve ter como ponto de partida a função
civilizatória do direito do trabalho.
Omissão legislativa
Godinho Delgado lembrou que não há legislação que regule a
questão de motoristas de aplicativo, visando assegurar direitos a essa
categoria que já alcançava cerca de um milhão de profissionais no Brasil, antes
da pandemia. “Cabe, portanto, ao magistrado fazer o enquadramento das normas no
fato”, destacou.
Elementos da relação de trabalho
Nesse sentido, o ministro assinalou que a relação
empregatícia ocorre quando estão reunidos seus cinco elementos fático-jurídicos
constitutivos: prestação de trabalho por pessoa física a outrem, com
pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e sob subordinação. Todos eles, a
seu ver, estão fortemente comprovados no caso.
Em relação à pessoalidade, os elementos demonstram que o
motorista se inscrevera na Uber mediante cadastro individual, com a
apresentação de dados pessoais e bancários, e era submetido a um sistema de
avaliação individualizada, a partir das notas atribuídas pela clientela.
A onerosidade, por sua vez, decorre do repasse de 70% a 80%
do valor pago pelos passageiros. Essa percentagem elevada se justificaria pelo
fato de o motorista ter de arcar com todos os custos do transporte (manutenção
do veículo, gasolina, provedor de internet, celular, etc.).
No entender do relator, a não eventualidade também ficou
comprovada: embora a relação tenha perdurado por menos de dois meses, durante
esse período, o serviço foi prestado permanentemente todos os dias, com
controle da plataforma sobre o tempo à sua disposição. Finalmente, sobre a
subordinação, o ministro considera que o monitoramento tecnológico, ou
“subordinação algorítmica”, talvez seja superior a outras situações
trabalhistas tradicionais.
Divergência
Ficou vencido, no julgamento, o ministro Agra Belmonte, para
quem a questão envolve um fenômeno mundial e um novo modelo de relação de
trabalho com muitas questões ainda não decididas pela legislação brasileiro. O
ministro entende que, para decidir pelo reconhecimento do vínculo, seria
necessário o reexame de fatos e provas, procedimento vedado pela Súmula 126 do
TST.
Com o reconhecimento de vínculo, a Turma determinou o
retorno dos autos à 66ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro (RJ), para o
prosseguimento da análise dos demais pedidos.
(DA/CF)
Processo: RR-100353-02.2017.5.01.0066
O TST tem oito Turmas, cada uma composta de três ministros,
com a atribuição de analisar recursos de revista, agravos, agravos de
instrumento, agravos regimentais e recursos ordinários em ação cautelar. Das
decisões das Turmas, a parte ainda pode, em alguns casos, recorrer à Subseção I
Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1).
Fonte e Foto: Mundo Sindical
UGT - União Geral dos Trabalhadores