07/04/2022
Empregados em condições precárias, trabalhadores sentiram
mais os efeitos da piora no mercado com a pandemia
Os últimos dois anos de pandemia foram particularmente
difíceis para os imigrantes que vieram para o Brasil atrás de emprego e uma
vida melhor. Em meio a uma crise econômica, essa população, que já estava
empregada em condições precárias, vem sofrendo com a perda de renda.
Um dos principais retratos desta situação é a redução das
remessas internacionais enviadas para países como China, Peru e Bolívia.
Segundo dados do Banco Central (BC) levantados pelo GLOBO, a
China recebeu US$ 48,3 milhões de transferências pessoais do Brasil em 2019,
valor que caiu para US$ 27,5 milhões em 2020 e US$ 24,6 milhões no ano passado.
Foi a maior redução nesse período entre os países acompanhados pela autoridade
monetária.
Peru e Bolívia, com numerosas colônias principalmente na
cidade de São Paulo, foram o segundo e o terceiro país, respectivamente, com as
maiores quedas nas remessas. Em 2019, o Peru recebeu US$ 45,5 milhões, quase o
dobro dos US$ 28,4 milhões de 2021.
Já para a Bolívia, as remessas foram de US$ 57,2 milhões no
ano passado, 34,2% a menos do que em 2019.
Dívidas para pagar
despesa da família
No total, essas transferências entre pessoas físicas que
eram de US$ 2,1 bilhões em 2019 foram para US$ 1,5 bilhão em 2020 e para US$
1,6 bilhão no ano passado.
Maria Nina, de 43 anos, vive no Brasil desde 2010, quando
chegou da Bolívia com os filhos à procura de emprego. Após conseguir se
libertar de uma situação de trabalho análoga à escravidão na indústria têxtil
de São Paulo, finalmente abriu a própria oficina em 2019.
A Linhas Divinas foi inaugurada seis meses antes do início
da pandemia e precisou fechar quando foi imposta a quarentena. O dinheiro que
mandava para pagar dívidas na Bolívia foi para as despesas da família. Nina
chegou a pensar em voltar para o país natal, como muitos fizeram outros
compatriotas, mas decidiu ficar.
— Amo o Brasil tanto que eu decidi morar aqui e não vou
voltar, mas, naquela situação, comecei a pensar. Não estava conseguindo pagar
as contas, nem comer como estava acostumada — conta a empreendedora, que
algumas vezes teve de recorrer às cestas básicas doadas por entidades.
Sem trabalho e sem
documento
Carolina Alves, professora de Economia no Girton College, na
Universidade de Cambridge, afirma que esses imigrantes ficam mais expostos
porque, muitas vezes, não têm documentação nem trabalho formal, e não conseguem
ser assistidos pelo Estado:
— Um ponto inicial dessa discussão é o tipo de imigração que
está acontecendo, em que setor produtivo esse pessoal vai acabar, e o nível de
formalização.
Os imigrantes dos dois maiores fluxos para o Brasil na
última década (da Venezuela e do Haiti) sofreram menos com a crise econômica
provocada pela pandemia do que bolivianos, peruanos e chineses, como mostra o
Relatório Anual do Observatório das Migrações Internacionais (OBmigra) com
dados de 2020.
Uma parcela maior dos 172,3 mil venezuelanos e 149 mil
haitianos que chegaram ao Brasil desde 2011 está empregada com carteira
assinada, principalmente em ocupações no agronegócio, que não sentiu os
impactos da crise e continuou crescendo na pandemia.
— Esses imigrantes não foram tão afetados aqui no Brasil, o
que se explica pelo mercado de trabalho — disse o professor da Universidade de
Brasília (UnB) e coordenador do OBMigra, Leonardo Cavalcanti da Silva.
Os dados do BC corroboram a pesquisa do Observatório. Embora
não tenha informações sobre remessas para a Venezuela, as para o Haiti, que
eram de US$ 92 milhões em 2019, caíram para US$ 85 milhões em 2020 e logo se
recuperaram para US$ 91 milhões no ano passado.
O que também levou à redução no envio de recursos para o
exterior foi a volta de parte dos imigrantes para o país natal ou a ida para
outro onde há mais chance de encontrar trabalho.
Caminho de volta
Ana Sofia Salas trabalha de perto com os imigrantes do setor
têxtil em São Paulo. Ela é assessora de projetos da ONG Aliança Empreendedora,
que tem um dos braços no Tecendo Sonhos, uma iniciativa para promover relações
de trabalho dignas para os imigrantes.
Ela conta que esse fluxo de saída não foi só na comunidade
boliviana. Muitos venezuelanos, como ela, acabaram saindo do país para procurar
oportunidades em países vizinhos, como a Colômbia.
— Muitas vezes as condições do trabalho são ruins, e fica
mais difícil mandar esse dinheiro — relata.
Dados da Polícia Federal coletados pelo OBMigra mostram que
a Bolívia é o terceiro país com mais imigrantes no Brasil entre 2011 e 2020,
com 55,7 mil pessoas. O Peru é o décimo, com 23,6 mil.
Fonte e Foto: O Globo
UGT - União Geral dos Trabalhadores