01/04/2022
Altas atingem planos empresariais e coletivos por adesão,
cujos reajustes não são regulados pela agência reguladora
Paulo Antônio de Araújo Barbosa, 75 anos, lembra com saudade
do plano de saúde que tinha quando era responsável pelo departamento de
produção da antiga CEG (Companhia Distribuidora de Gás do Rio de Janeiro), hoje
Naturgy.
"Pagava um valor simbólico por um plano maravilhoso,
que atendia a mim, minha mulher, meus três filhos, meu pai e minha mãe",
diz o engenheiro químico, que deixou a CEG em 2000, aos 53 anos, depois de
obter aposentadoria especial por insalubridade e periculosidade.
Agora ele está desolado: é a segunda vez, em dois anos, em
que se vê obrigado a mudar de plano de saúde pelos altos reajustes contratuais.
"Tinha o Unimed Rio, categoria Delta, oferecido pela Aprogas [Associação
dos Profissionais da Companhia Distribuidora de Gás do Rio de Janeiro], mas
eles apresentaram um aumento absurdo, de mais de 70%", diz. "O valor
da mensalidade para mim e para a minha mulher saltaria de R$ 3 mil para R$ 5,2
mil", diz.
Tentando fugir da "facada", decidiu aderir, no
começo do ano passado, a outro plano coletivo por adesão, também da Unimed Rio,
mas agora na categoria Alfa, inferior.
No último dia 7 de março, porém, o susto foi grande: recebeu
uma carta da administradora de planos de saúde QV Benefícios dizendo que o
plano da Unimed Rio – Alfa seria reajustado em 133,45%.
"De R$ 3.080, o valor do plano para nós dois saltaria
para R$ 7,2 mil", diz. "Eu entrei em pânico! Nossa renda bruta está
na faixa de R$ 9 mil. Se eu pagar o plano, mal sobra para comer", diz
Barbosa, que agora vai aderir ao plano familiar MedSênior, voltado à terceira
idade, na tentativa de manter o gasto de R$ 3 mil ao mês para ele e a mulher,
de 73 anos.
"Eu não tenho alternativa", diz. "R$ 3 mil já
está muito apertado", afirma o aposentado carioca, que já foi maratonista
antes de enfrentar um câncer no intestino, há cinco anos. "Mas estou
curado desde 2019, faço apenas exames de rotina. Não dá para colocar o antigo
câncer nessa conta da sinistralidade".
O caso de Barbosa ilustra o que ocorre nos planos de saúde
empresariais e coletivos por adesão, cujos reajustes não são regulados pela ANS
(Agência Nacional de Saúde Suplementar). Na maioria dos casos, as operadoras
praticam aumentos muito acima da inflação. A agência governamental regula o
preço apenas dos planos de saúde individuais e familiares.
A carta da QV Benefícios, recebida por Barbosa, à qual a
Folha teve acesso, diz que o contrato com o plano Unimed Rio "é reajustado
anualmente, no mês de abril, de acordo com a sinistralidade contratual, apurada
e calculada com base na relação entre receitas e custos assistenciais da sua
apólice".
O documento diz ainda que, "considerando o índice de
sinistralidade apurado na sua apólice, o percentual de reajuste será de
133,45%, mínimo para adequar o equilíbrio financeiro do contrato coletivo por
adesão".
PLANOS DE SAÚDE NÃO EXPLICAM AUMENTO NEM PARA A JUSTIÇA, DIZ
ADVOGADO
Para o advogado especializado na área de saúde Rafael Robba,
sócio do Vilhena Silva Advogados, essa relação entre receitas e despesas não é
transparente.
"Se você tentar obter essa informação de forma
detalhada da operadora, de qual foi a receita e qual foi a despesa que
justifique uma alta deste porte, dificilmente você vai conseguir. Às vezes nem
mesmo na Justiça", diz ele, cujo escritório atende empresas que estão tendo
que lidar com aumentos de 26% a 45% neste último ano. Entre os casos, estão
SulAmérica (que acaba de ser comprada pela Rede D'or) e Bradesco Saúde.
"Quando o beneficiário entra com uma ação para
questionar o reajuste, a Justiça costuma exigir que o plano demonstre, de forma
clara, quais os dados e critérios usados para chegar a este índice",
afirma Robba.
"Mas na maioria dos casos, as operadoras não
demonstram. Nem mesmo quando o juiz determina a realização de perícia",
diz o especialista. "Por conta disso, a Justiça entende que o reajuste é
abusivo e revisa o valor", afirma.
Lenira Santos, diretora administrativa da Alphageos,
especializada em serviços de engenharia, está indignada. Tem há cinco anos um
contrato com a SulAmérica, que atende os cerca de 300 funcionários da companhia
e seus dependentes.
"Todo ano, eles tentam nos impor reajustes muito altos,
da ordem de 50%, mas conseguimos renegociar para alto em torno de 15%, 17%,
desde que o contrato esteja vinculado a uma permanência de dois anos no plano",
diz ela.
No último reajuste, de outubro, um novo aumento muito acima
da inflação: 26%. "Por orientação dos advogados, decidimos não mais
renovar e questionar o aumento na Justiça", diz ela, que reclama ada falta
de acesso às informações que justifiquem o aumento da sinistralidade.
"Se eu pago o seguro do carro e acontece um sinistro,
posso acionar o seguro sem problemas", diz Lenira. "Por que eu não
posso fazer o mesmo com o seguro saúde? Por que eu preciso ser penalizada pelo
que eu paguei para usar?", questiona.
Rafael Robba explica que existem dois reajustes para os
planos de saúde: o reajuste anual, aplicado todo ano no mês de aniversário do
contrato e igual para todos os beneficiários, e o reajuste por faixa etária,
aplicado conforme a mudança de idade do usuário.
"Hoje, o último reajuste permitido por faixa etária é
aos 59 anos", diz. "Depois dos 60 anos, só o reajuste anual",
afirma. Neste caso, o reajuste precisa, obrigatoriamente, estar previsto em
contrato: em quais mudanças de faixa etária o plano sofrerá aumento e em qual
percentual.
"Teoricamente, a empresa pode mudar de prestador - mas
se a companhia tem entre os dependentes idosos ou doentes é mais difícil de
fechar com um novo plano", diz Robba, que critica a ANS por não exercer
fiscalização sobre os reajustes por sinistralidade. "A operadora acaba
ficando livre para aplicar o índice que bem entende".
OUTRO LADO
A Unimed Rio, que indicou o aumento de 133,45% a Paulo
Antônio de Araújo Barbosa, afirmou em nota que "o percentual definido visa
equilibrar a defasagem entre receita e despesa ao longo dos últimos doze meses
de utilização".
Procuradas, a Bradesco Saúde e a SulAmérica decidiram
responder por meio da FenaSaúde, associação que representa 15 grupos de
operadoras e seguros privados. A Folha questionou o porquê de o reajuste de
planos empresariais e coletivos por adesão ser acima da inflação (em 2021, o
IPCA foi de 10,06%) e da falta de transparência envolvendo as informações sobre
sinistralidade.
Por meio de sua assessoria de imprensa, a FenaSaúde destacou
a pressão de custos provocada pela "maior inflação geral em cinco
anos", a retomada dos procedimentos eletivos e a alta taxa de
sinistralidade do primeiro trimestre deste ano, de 82% - segundo a associação,
a taxa mede o grau de comprometimento das receitas com o pagamento de despesas.
E disse que aumentos de 133% são exceção, não a regra.
"Segundo dados da ANS, em 2021 os planos coletivos tiveram reajuste médio
de 5,55%", informou. De acordo com a associação, o consumidor pode acionar
os canais de atendimento da operadora em busca de esclarecimentos sobre os
índices de reajuste.
A ANS, também por meio de sua assessoria de imprensa, disse
que "regula tanto os planos individuais/familiares quanto os coletivos
(empresariais e por adesão)". Nestes últimos, o reajuste é definido em
contrato "e estabelecido a partir da relação comercial entre a empresa
contratante e a operadora, em que há espaço para negociação entre as
partes."
Segundo a ANS, as operadoras são obrigadas a oferecer "à
pessoa jurídica contratante da memória de cálculo do reajuste e metodologia
utilizada com o mínimo de 30 dias de antecedência da data prevista para a
aplicação do reajuste".
Fonte: Folha de São Paulo
UGT - União Geral dos Trabalhadores