22/03/2022
Ex-patrões, que
ainda podem recorrer, foram condenados a 2 anos e 8 meses de prisão no
semi-aberto
A Justiça
determinou que uma trabalhadora doméstica mantida em situação análoga à
escravidão em uma casa na região do Alto de Pinheiros, área nobre da capital
paulista, receba R$ 350 mil de indenização por danos morais. O montante deve
ser pago pelos ex-patrões.
A decisão judicial
foi confirmada pela 12ª Turma do TRT-2 (Tribunal Regional do Trabalho da 2ª
Região) na última quinta-feira (17), quando também foi retirado o segredo de
justiça do processo. Ainda cabe recurso.
A mulher foi
resgatada em junho de 2020 em uma operação do Ministério Público do Trabalho e
da Polícia Civil, depois de uma denúncia anônima feita por meio do Disque-100
da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
Além da
indenização, a Justiça também determinou que ela tenha seus direitos trabalhistas
reconhecidos, como a assinatura da carteira e o recolhimento de salários,
contribuição previdenciária e FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviços).
Apesar de ter
trabalhado para família desde o fim dos anos 1990, a idosa só pode receber os valores
referentes ao intervalo entre 2015 e 2020 devido à regra da prescrição, que
prevê uma limitação para cobranças antigas.
Somente os
valores dos cinco anos anteriores à ação podem ser pagos. O reconhecimento do
tempo de trabalho, para o direito à aposentadoria, por exemplo, é mantido,
mesmo sem os pagamentos.
Para o juiz
federal Jorge Eduardo Assad, relator do caso na 12ª Turma, os três ex-patrões
–mãe, filha e o marido desta– não conseguiram provar que a mulher era apenas
uma diarista, sem vínculo de longo prazo com a família, nem mesmo que ela era
autônoma.
Em depoimentos,
eles disseram que ela trabalhava também para outras pessoas na vizinhança e
defenderam que não havia vínculo de trabalho.
Assad
considerou que o depoimento da antiga empregada tornou a situação dos
ex-patrões ainda mais grave. Ela teria dito que eles "não lhe batiam, eram
amigos e a ajudavam".
"Veja-se
que, não estamos falando de uma situação normal de trabalho, mas de uma forma
de submissão da pessoa ao talante [vontade] de outras que a explora,
negando-lhes a condição de empregada e até de ser humano, na medida em que, as
submete a uma condição definida por lei como análoga à de escravo",
escreveu.
Os três
ex-patrões também foram condenados a pagar R$ 300 mil por danos morais
coletivos, dinheiro que deve ser recolhido ao FAT (Fundo de Amparo ao
Trabalhador). Os valores foram aumentados pelo TRT –na primeira instância, o
dano coletivo havia sido calculado em R$ 100 mil, e o individual, em R$ 250
mil.
Somado à
indenização para a empregada doméstica, os réus devem pagar um montante total
de ao menos R$ 650 mil.
A reportagem
tentou entrar em contato com um dos advogados de defesa dos ex-patrões, mas não
conseguiu até a publicação do texto.
IDOSA VIVIA EM
DEPÓSITO E DORMIA EM SOFÁ VELHO
Segundo o
Ministério Público do Trabalho apurou na época do resgate, a mulher começou a
trabalhar com a família em 1998 e permaneceu por 13 anos sem registro formal em
carteira. Sem direito, portanto, a férias ou 13º salário.
A partir de
2011, ela foi morar em uma casa de uma outra pessoa da família, pois o imóvel
em que vivia desabou. Continuou trabalhando como empregada, mas deixou de
receber salário. Ela havia se mudado em 2017 para a casa de onde foi resgatada.
Lá, ela vivia
em um quarto nos fundos do terreno, que funcionava como uma espécie de
depósito, com cadeiras, estantes e caixas amontoadas. Um sofá velho era usado como
cama e não havia banheiro.
Para a Justiça,
a família admite que havia prestação de serviço somente entre 1998 e 2011 e
somente como diarista. O depósito, a que eles chamam de edícula na ação, seria
usado apenas eventualmente pela mulher para dormir. Segundo eles, ela não
morava lá.
Para o juiz
relator do caso, o histórico das relações entre a doméstica e a família foi se
deteriorando ao longo dos anos. "Chegando a extremos, não apenas pelo
pagamento de salário muito inferior ao mínimo, mas envolvendo a liberdade da
obreira", afirmou.
EX-PATRÕES SÃO
CONDENADOS AO SEMI-ABERTO
A Justiça também
condenou os três ex-patrões com base no artigo 149 do Código Penal: reduzir
alguém à condição análoga à de escravo. As penas foram fixadas em dois anos e
oito meses de reclusão em regime semi-aberto.
Para o juiz
Silvio César Arouck Gemaque, da 9ª Vara Criminal Federal de São Paulo, a vítima
foi tratada "como objeto, não como pessoa humana, na medida em que não
recebeu as mínimas condições condizentes."
"Os réus
aproveitaram-se do fato de a vítima ser uma pessoa simples, como ficou
evidenciado, para obterem vantagem em detrimento de um semelhante",
escreveu na sentença de janeiro de 2022. Eles ainda podem recorrer.
Fonte e Foto:
Folha de São Paulo
UGT - União Geral dos Trabalhadores