14/03/2022
Há decisões
de segunda instância e do TST validando dispensas por justa causa
A Justiça do
Trabalho tem admitido a demissão por justa causa de trabalhadores que
descumpriram regras de empresas que proíbem ou limitam o uso de celular. Há
decisões de segunda instância e do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que
levam em consideração o fato de o empregado direcionar seu tempo para atividade
diversa para a qual foi contratado e remunerado
A situação
preocupa as empresas. Cada vez mais, advogados têm recebido consultas para que possam
ajudá-las a regulamentar o tema em suas políticas internas, em razão do exagero
de alguns funcionários na prática que tem sido chamada de “cyberloafing” -
acesso à internet no trabalho para uso pessoal.
Em 2021, os
brasileiros passaram, em média, quase cinco horas e meia por dia no celular,
segundo relatório da empresa de análise de mercado digital App Annie. Ao lado
da Indonésia, é o país com o maior tempo entre os 17 analisados - o que inclui
Coreia do Sul, México, Índia, Japão, Turquia, Singapura, Canadá, EUA, Rússia,
Reino Unido, Austrália, Argentina, França, Alemanha e China. O Brasil, porém,
está perto da média global de 4 horas e 48 minutos de uso diário, um aumento de
30% desde 2019.
Como no
Brasil o tema do uso do celular pessoal no ambiente de trabalho não é previsto
em lei, a definição ficou para os tribunais. Na maioria das decisões, os
magistrados entendem que o empregador pode criar regras para restringir ou
proibir a utilização do aparelho. E, em caso de descumprimento, desde que existam
sanções gradativas, pode demitir por justa causa.
A questão já
está sendo discutida em cerca de 47 mil processos, segundo levantamento feito
pelo Data Lawyer, a pedido do Valor. Foram usados para a pesquisa os termos
“justa causa”, “uso do celular”, “celular privado”, “celular particular” ou
“aparelho particular”.
Com a justa
causa, o empregado perde praticamente todos os direitos de rescisão. Só recebe
saldo de salários e férias vencidas, com acréscimo do terço constitucional.
Fica sem aviso prévio, 13º salário, multa do FGTS e seguro-desemprego.
O que chama
a atenção, segundo o advogado Tulio Massoni, do Romar Massoni e Lobo Advogados,
que fez um levantamento jurisprudencial sobre o tema, é que há dez anos
considerava-se restrição ou proibição de uso de celular pessoal como uma
política abusiva. “Só se pensava em proibir o celular em áreas de risco ou para
evitar, por meio de fotos, a revelação de um segredo da empresa, como modelo de
produção”, diz.
Uma proposta
para regulamentar a questão chegou a tramitar no Congresso Nacional, mas foi
retirada pelo autor, o então deputado federal Heuler Cruvinel (PSD-GO). Sem
regras, a questão tem sido decidida pelo judiciário.
Um dos casos
foi analisado pela 16ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São
Paulo. Por unanimidade, os desembargadores mantiveram a demissão por justa
causa de um segurança. Ele descumpriu as regras da empresa que proíbem o uso do
celular durante o horário de trabalho. Foi suspenso por duas vezes e, após um
terceiro episódio, dispensado.
Para o
relator do caso, desembargador Orlando Apuene Bertão, as provas deixam claro
que o funcionário descumpriu as regras, “das quais tinha plena ciência e,
apesar das penalidades sofridas, ignorou as advertências da sua empregadora e
manteve o comportamento inadequado”.
De acordo
com o magistrado, a justa causa é “perfeitamente compatível com a gravidade do
caso, mormente a se considerar que o autor, ao fazer o uso indevido do celular
durante o expediente, comprometia seriamente a segurança dos locais em que
prestava serviços” (processo nº 1000286-75.2021.5.02.0702).
No TRT do
Paraná, a relatora de um caso na 6ª Turma, considerou lícita a proibição do uso
do celular privado no ambiente de trabalho. Essa regra, afirma em seu voto,
está incluída no poder diretivo do empregador. “Evidentemente, enquanto utiliza
o celular, o empregado está deixando de trabalhar, ou seja, direcionando seu
tempo para atividade diversa para qual foi contratado - e remunerado”, diz
(processo nº 0001751-80.2015.5.09.0661).
Existem
decisões também no TST. A 6ª Turma negou recurso de um operador de
telemarketing que pedia a reversão da justa causa por ter levado o celular para
a mesa de trabalho. De acordo com o processo, o trabalhador sabia que estava
infringindo norma da empresa. Ele alegou que, embora houvesse armário para
guardar objetos pessoais, o empregador não se responsabilizava por eventuais
furtos, e já teria havido casos de desaparecimento de objetos de valor.
No
entendimento do relator do caso, ministro Augusto César Leite de Carvalho, pela
situação descrita pelas instâncias inferiores, ficou comprovado ato de
insubordinação e indisciplina (AIRR-1699-80.2012.5.06.0012).
A
jurisprudência, segundo Mayra Palópoli, sócia do Palópoli & Albrecht
Advogados, é favorável às empresas. Ela tem recebido diversas consultas sobre o
tema e orienta os empregadores a deixarem claro, desde o primeiro dia de
trabalho, quais as regras, de forma expressa, sobre o uso de celular.
Ela destaca
ainda que as empresas devem levar em consideração as novas regras da Lei Geral
de Proteção de Dados (LGPD) - Lei nº 13.709, de 2018. “Deve haver a orientação
de que não se pode fazer fotos ou vídeo no ambiente de trabalho com o celular,
sem que haja autorização da própria empresa e dos outros colaboradores”, diz
Especialista
em gestão do tempo e produtividade, Christian Barbosa afirma que realmente o
brasileiro tem perdido muitas horas no celular, mas que eventual restrição por
parte da empresa não deve resolver o problema. “O empregado vai usar mais o banheiro
para dar uma olhada no celular. E para quem está em home office, é impossível
controlar a situação", diz.
Para ele,
seria mais importante o desenvolvimento da cultura da empresa e de hábitos
produtivos. “Precisa entender [o empregador] que não é o número de horas
trabalhadas que fazem a diferença, mas sim os resultados que o funcionário gera”.
Fonte: Valor
Econômico
UGT - União Geral dos Trabalhadores