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Trabalho indecente: a superexploração dos trabalhadores nos canaviais da região de Ribeirão Preto (SP) Brasil


28/11/2010

Trabalho indecente: a superexploração dos trabalhadores nos canaviais da região de Ribeirão Preto (SP) Brasil
Por Vera Lúcia Navarro
Profa. da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da USP Ribeirão Preto
e Coord. do Departamento de Psicologia e Educação

Antecedentes históricos e importância econômica da cana-de-açúcar

Historicamente a competitividade dos produtos agrícolas brasileiros no mercado internacional sempre se deu à custa dos baixos salários pagos aos trabalhadores e ao baixo investimento realizado com finalidade de garantir condições adequadas de trabalho. O trabalho no corte da cana é exemplo disto: é um trabalho que, desde sua origem, é hostil aos trabalhadores. Um trabalho árduo, penoso e perigoso. É desta questão que trata este texto, tomando como referência o trabalho dos cortadores de cana da região de Ribeirão Preto (SP).
A história da cana-de-açúcar no Brasil se confunde com a própria história do país. A cana-de-açúcar foi a primeira cultura introduzida nas terras recém descobertas pelos portugueses e aportou no Brasil nos primeiros anos da década de 1530 pelas mãos de Martin Afonso de Souza que, no porão de sua armada, trouxe mudas para aqui implantar a já então lucrativa indústria açucareira, atividade desenvolvida pelos portugueses em suas possessões nas ilhas de Cabo Verde, Açores e Madeira. Os primeiros engenhos a moer cana-de-açúcar no Brasil foram erguidos na Ilha de São Vicente, a primeira Vila do Brasil.
A agroindústria açucareira no Brasil e no Estado de São Paulo em especial, teve grande desenvolvimento no pós Segunda Guerra Mundial (1939-45) com o restabelecimento e ampliação do comércio internacional, prejudicado pelo conflito armado. A partir de 1960 a produção açucareira brasileira ganhou novo impulso motivado pelo bloqueio econômico imposto pelos EUA a Cuba, que perdeu sua cota de exportação para o mercado norte-americano (Ianni, 1984).
As perspectivas abertas à agroindústria açucareira brasileira mereceram atenção do governo brasileiro que tomou decisões relativas a cotas de produção, comercialização e exportação
aumentaram também os incentivos governamentais destinados a melhorar a produtividade das usinas e canaviais (Ianni, 1984). Já em 1964, o Estado de São Paulo desenvolveu em muito seu parque açucareiro, ampliou o número de usinas e modernizou a tecnologia da produção, de forma que na safra de 1970/71, sua produção respondeu por cerca de 50% da produção nacional, enquanto que a das regiões Norte/Nordeste atingiu cerca de 34% (Paiva, Schattan & Freitas, 1973 apud Ianni, 1984).
Outro importante impulso nesta atividade se deu com o Programa Nacional do Álcool - Proálcool, criado em novembro de 1975, que teve por objetivo estimular a produção do álcool para atender necessidades dos mercados interno e externo e da política de combustíveis automotivos. O estímulo à produção do álcool de cana-de-açúcar e de outras fontes vegetais foi baseado no aumento da produção agrícola e da modernização e ampliação das destilarias existentes, assim como na instalação de novas unidades produtoras. A implantação do programa objetivou reduzir as importações de petróleo, então com um grande peso na balança comercial externa, via adição de etanol à gasolina pura e mesmo sua substituição em parte da frota. Contribuiu também para sua implantação o baixo preço do açúcar no mercado internacional à época, o que tornou conveniente a mudança da produção do açúcar para o álcool (Biodisel.com).
Na década de 1990 ocorreu a crise do Proálcool, resultante da incapacidade de o Estado continuar com sua política de crédito devido à crise fiscal, aliada à mudança de paradigma da política econômica, atrelada aos pressupostos do Consenso de Washington que promoveu a desregulamentação parcial do complexo agroindustrial canavieiro. A abertura comercial e a desregulamentação, operadas simultaneamente e combinadas com quedas dos preços internacionais do açúcar e da demanda interna de álcool levaram à crise que perdurou por toda a década e só apresentou mudanças após 2002. A partir daquele ano, o complexo agro-industrial canavieiro atravessou período de grande crescimento, semelhante ao período áureo do Proálcool (1974/1983), do qual diferiu pela ausência de subsídios garantidos pelo Estado e se manteve até a atualidade graças ao papel privilegiado de que suas principais commodities, o açúcar e, principalmente, o álcool, desfrutam no agronegócio mundial e brasileiro (Alves, 2007).
Na atualidade, a cana-de-açúcar é a terceira maior atividade agrícola do Brasil em área de produção e de valor bruto produzido, ultrapassada apenas pela soja e pelo milho. Em 2006, o valor bruto da produção canavieira foi de, aproximadamente, R$ 19 bilhões, na safra 2006/07, o cultivo da cana-de-açúcar ocupou área de cerca de 6,5 milhões de ha em todo o país. Cerca de 85% de sua produção é realizada na Região Sudeste e o Estado de São Paulo responde por cerca de 60% da cana-de-açúcar produzida no país (MAPA, 2007).

A superexploração do trabalho do cortador de cana-de-açúcar

No Estado de São Paulo, a cultura da cana-de-açúcar é a atividade que mais contrata mão-de-obra, de forma concentrada principalmente na operação de colheita. Estimativas do Instituto de Economia Agrícola, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo indicam que, em 2007, cerca de 163 mil trabalhadores foram empregados na colheita manual da cana-de-açúcar naquele estado, onde colheram cerca 190 milhões de toneladas de cana (aproximadamente 60% da cana plantada). Naquele ano, coube a cada trabalhador cortar cerca de nove toneladas de cana/dia, em média (Fredo et al., 2008).
As condições de trabalho dos cortadores de cana da região de Ribeirão Preto são extremamente hostis, duras, desumanas. O trabalho na colheita da cana naquela região (...) é um trabalho que, além de expor o trabalhador a toda sorte de intempéries, como a maioria dos trabalhos rurais, (e aqui é bom lembrar que a temperatura na região em épocas de safra pode atingir quase os 40 oC, expô-lo ao risco de acidentes com animais peçonhentos, intoxicações por agrotóxicos, entre outros), submete-o a ritmos acelerados na medida em que o ganho, geralmente, dá-se por tarefa realizada" (Alessi e Navarro, 1997).
O setor se utiliza de tecnologia sofisticada, com investimentos em novas variedades de cana-de-açúcar, em maquinaria sofisticada, como colhedeiras de cana que podem ser automatizadas e utilizar dados de sistemas de GPS, que as permitem operar praticamente sozinhas. Por outro lado, quando da necessidade de que a colheita seja realizada manualmente, são utilizados os mesmos instrumentos de trabalho dos primórdios da cultura da cana no país, ao que se aliam condições de trabalho precárias, com longas e estafantes jornadas de trabalho, muitas vezes com a não observância de dias de descanso. No agrobusiness o novo aparato tecnológico se combina com as velhas, atrasadas e predatórias formas de exploração de trabalho.
Pode se observar que a busca por maior produtividade no setor não se deu apenas pela adoção de moderno aparato tecnológico mas sim e, principalmente, por mudanças nas formas de gerir, organizar e controlar o trabalho e os trabalhadores. Na atualidade, é exigido que cada trabalhador corte de 11 a 12 toneladas/cana/dia, em média, sob condições de trabalho que colocam em risco a integridade física do trabalhador e reduzem seu tempo de vida útil para o trabalho.
Grande parte dos trabalhadores que atuam no corte da cana-de-açúcar na região de Ribeirão Preto é composta por migrantes oriundos de regiões pobres, principalmente dos Estados do Maranhão, Piauí, Bahia e Minas Gerais. Os trabalhadores são recrutados por turmeiros ou gatos que, em muitos casos, são também os encarregados de montar a turma, transportar e fiscalizar o trabalho. Atualmente existe a tendência de as usinas contratarem preferencialmente trabalhadores jovens do sexo masculino, solteiros e com bom porte físico. Tais trabalhadores são submetidos a processos de seleção onde são observados quesitos como "boa conduta", assiduidade, boa saúde e, principalmente, capacidade de manter os níveis de produtividade exigidos pelos contratantes, como podemos depreender do depoimento abaixo.

"O propósito de todo mundo era de que neste ano [2007] a safra ia ser boa, mas não foi tão boa assim como a outra. Começou que veio muita gente que não foi aceita para trabalhar, uns por causa da idade. Com 50, 52 anos as usinas não querem mais, já estão com a idade avançada, só querem mesmo é novo... menino novo eles não enjeitam de jeito nenhum, porque tem mais resistência para trabalhar". (M.E, migrante safra 2007)

A exploração dos trabalhadores pode ser percebida logo quando de seu recrutamento pelo agenciador em seus locais de origem: não há contrato de trabalho escrito, apenas verbal. Ou seja, es"


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