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UGT Press 528: Promiscuidade entre os poderes


31/10/2016

TRÊS PODERES: os três poderes da República - Executivo, Legislativo e Judiciário -, mostram os léxicos de história, tiveram origem na proposta de Montesquieu (Charles-Louis de Secondat, Barão de Mostesquieu, 1689/1755). Sua obra mais famosa "O Espírito das Leis", de 1748, inspirou a existência dos três poderes e consta da maioria das constituições dos estados modernos. Sua obra não foi pacífica e chegou a ser proibida no "Index Librorium Pohitiborum" da Igreja Católica. Contudo, algumas de suas máximas se mantém atual e muito citadas: "Há três formas de governo: Monarquia, com a soberania nas mãos de uma só pessoa (o monarca), governando segundo leis positivas e tendo como princípio maior a honra; Despotismo, com a soberania nas mãos de uma só pessoa (déspota), governando segundo a sua vontade e tendo como princípio o medo; República, com a soberania nas mãos de muitos (de todos: democracia; de poucos: aristocracia), governando segundo constituições e tendo como princípio a virtude". Nas democracias constitucionais há o império dos três poderes, funcionando de forma harmônica e independente.

 

NOSSA REPÚBLICA: a nossa ainda inconsistente República foi proclamada pelos militares com o apoio do poder econômico (latifundiários, principalmente cafeicultores aborrecidos com a abolição da escravatura). Aliás, um parêntese para dizer que o poder econômico se constitui em um  ente abstrato, porém poderoso, moldando muito a forma de atuar de todos os outros poderes; também, ainda no parêntese, dizer que a imprensa, popularmente, é considerada o quarto poder em função de sua capacidade de fiscalização, esta muito fragilizada também em função de seus interesses. Feitas as advertências necessárias, dizer que a nossa incipiente República é governada por poucos e sem grandes virtudes, contrariando Montesquieu. Desde sua proclamação em 1889, passou por inúmeros períodos, nem todos democráticos, mas sua característica principal sempre foi o predomínio dos mais fortes sobre os mais fracos, impunidade generalizada e leis de conveniência. Essa promiscuidade generalizada produziu um sistema injusto, com péssima distribuição de renda e alta concentração de riqueza nas mãos de poucos. A forma de remuneração salarial dos principais servidores das instâncias dos poderes se constitue em uma afronta aos trabalhadores da iniciativa privada, cujos direitos são constantemente subtraídos, enquanto continuam inalterados os privilégios das classes mais graduadas. A maior especificidade da Nova República brasileira, instalada com a Constituição de 1988, é a corrupção. Nunca, em tempo algum, a corrupção foi tão disseminada. De alto a baixo, em todos os poderes, hoje prevalece o "jeitinho brasileiro", no que tem de pior a expressão.

 

COMO NASCE O POLÍTICO BRASILEIRO: nesse tipo deformado e perverso de República, as instituições podem produzir tipos diversos, alguns fora de série, pessoas  com capacidades diversas, normalmente brilhantes em suas tarefas. São pessoas superdotadas, que conhecem bem os espaços de poder, se utilizam de sua desorganização e se impõem como operadores dentro do sistema. Sabem como agir e onde pregar suas estacas. Nos escaninhos do poder colocam os seus olhos e enxergam oportunidades únicas. Assim, nessas brechas, favorecido por um sistema político desregrado, nasceu o moderno político brasileiro: astuto, corajoso e voraz em seu apetite predador. Um exemplo recente pode ser buscado na pessoa de Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara Federal, cuja ação ajudou a derrubar uma presidente da República. Contudo, apesar de sua inegável capacidade, deixou rastros pelos quais se constituiu em bode expiatório e serviu bem aos demais colegas para que estes mostrassem enganoso recato. Este tipo de homem hoje é visto no clube da esquina, nos times de futebol, nos legislativos das menores cidades, nos cartórios e, infelizmente, também nas maiores repartições públicas. Se Eduardo Cunha pagou (ainda muito pouco) pelo que fez, este não parece ser o caso de outros políticos brasileiros, alojados em todos os partidos e localizados praticamente em todas as instâncias, do menor ao maior município do país.

 

CURRÍCULO IMPROVÁVEL: imagine um político nascido no segundo menor Estado da Federação, cuja família está espalhada em cargos eletivos. Tem sete irmãos: um foi deputado por Pernambuco, outro por Alagoas e um terceiro prefeito de Murici (AL), sua terra natal; seu filho é nada menos do que o governador de Alagoas. Este político, que também ocupou os cargos de deputado estadual e federal, elegeu-se senador com 40 anos de idade. Reconhecido como participante da República de Alagoas, no suspeitíssimo governo Collor, virou-se contra o ex-presidente e seu tesoureiro PC Farias (briga pela governança do Estado). Foi ministro do governo FHC. Chegou à presidência do Senado Federal, mas teve seu nome arrolado em um escândalo de grandes proporções, à época denominado Renangate. Conforme capa da Revista Veja, a empresa Mendes Júnior pagava à sua ex-amante, a jornalista Mônica Veloso, com quem teve um filho, a importância de 12 mil reais mensais, sabe-se lá a título de quê. O caso fê-lo renunciar à presidência do Senado. No entanto, reeleito senador, voltou à presidência daquela instituição, onde permanece, apesar de inúmeras denúncias e casos em tramitação na Justiça. Sua carreira de deputado e senador comportou a presidência de comissões e conselhos, e a participação em diversos momentos da política nacional, incluindo o impeachment de Dilma Rousseff, que passou por suas mãos e sem as quais jamais teria acontecido. Estamos falando de Renan Calheiros e não é de forma negativa ou danosa (até porque os fatos estão documentados e foram fartamente divulgados), mas sim para justificar o tópico acima "como nasce o político brasileiro". Ele é um exemplo vivo e raro de competência, homem inteligentíssimo, capaz de ser, talvez e neste momento, o político mais bem informado do Brasil e aquele detentor da maior fatia de poder. Sem dúvida, um fenômeno.

 

ENFRENTAMENTO: sem essas qualidades de super-homem, altamente informado e perigosamente explosivo, Renan Calheiros não seria capaz de provocar medo ou causar preocupação. Mas, os seus colegas, de outros poderes, ocupantes de cargos com semelhante envergadura, o respeitam e o temem, seja pelo homem que é ou pela investidura que tem e exerce como ninguém. Não fora isso, como enfrentar a tempestade que se abateu sobre o Senado com a Operação Métis. Depois da prisão de quatro agentes da Política Legislativa do Senado, houve a tempestiva e previsível reação de Renan Calheiros, atingindo em um pequeno pronunciamento o juiz Vallisney de Souza Oliveira ("juizeco") e o ministro da Justiça Alexandre de Moraes ("extrapolou"). De quebra, houve a oportunidade para a presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), doutora Carmen Lúcia, defender a corporação ("onde um juiz for destratado, eu também sou"). No período subsequente, o presidente do Senado esteve com o presidente da República e este tentou um encontro entre as partes (encontro recusado por Carmen Lúcia). No calor dos debates, rapidamente, o STF, através de liminar do ministro Teori Zavascki, suspendeu a operação da PF no Senado. Em tese, Renan venceu.  Porém, falta convencer: a opinião pública, em função de sua história, tende a vê-lo com reservas. Em análise no Estadão (28/10), a professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Eloisa Machado de Almeida, condenou a "espetacularização da atuação da Polícia Federal e de seu ministro da Justiça", dizendo que "medidas espalhafatosas colocam em risco a Operação Lava Jato e agravam a já enorme crise de legitimidade que afeta as instituições brasileiras".

 

GANHA A PARADA, RECUAR COM ELEGÂNCIA: Renan Calheiros sabe de cor e salteado que, no seu caso, a exposição é prejudicial. A querela com os outros poderes, os quais, afinal, o protegem, também não é animadora e pode trazer consequências. Então, é esperar o momento para serenar os ânimos. Talvez com a intervenção do presidente Michel Temer, todos se encontraram em reunião no Itamaraty, local interessante porque hoje chefiado por um dos denunciados da Lava Jato, o onipresente José Serra. Ali, Calheiros aproveitou a oportunidade e disse que a presidente do STF é um "exemplo de caráter". Então, o título deste boletim "promiscuidade entre os poderes", talvez não seja tão inadequado: a foto, estampada no sábado em todos os grandes jornais, mostram os três presidentes - Carmen Lúcia, Michel Temer e Renan Calheiros - em poses sorridentes. Isso significa que os velhos comportamentos devem continuar inalterados. Viva a Nova República! 

 

MÉTIS: mitologia grega ("habilidades"), refere-se à saúde, proteção, astúcia, prudência e virtudes. Tudo o que falta para as instituições nacionais




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