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Estudo sobre ação de hormônio traz esperança de novo tratamento para quem quer se livrar da droga


05/05/2009

A dependência de cocaína em foco

O prazer é uma força motriz de muitos de nossos comportamentos: comer, namorar, fazer sexo e... consumir drogas. Somos levados a ingerir bebidas alcoólicas porque nos tornam mais leves e soltos, a fumar porque nos relaxa, e a consumir drogas mais pesadas pela sensação de prazer que provocam em nós - pelo menos no início, antes que nos tornemos escravos delas, embora já não ajam mais como fonte de prazer.

Esse é o caso da cocaína, um alcaloide presente nas folhas de coca, a famosa plantinha cultivada milenarmente pelos indígenas andinos e, mais recentemente, pelos traficantes de drogas. Quando chega ao cérebro, essa substância age de forma a prolongar a ação de moléculas neurotransmissoras que desencadeiam a sensação de prazer.

Imagine um feixe de fibras nervosas em comunicação com o núcleo acumbente do seu cérebro - aquela região que produz uma enorme sensação de prazer quando ativada, e que faz parte do já famoso sistema de recompensa do cérebro. Esse feixe de fibras que chega ao acumbente contém o neurotransmissor chamado dopamina.

Quando ativado por uma boa refeição ou por um beijo sensual no escuro do cinema, ele libera centenas de milhares de moléculas de dopamina no seu núcleo acumbente, cujos neurônios passam a disparar impulsos nervosos em grande número, indicadores de que rolou um grande prazer". Quando acabam a comida ou os amassos, a dopamina é transportada de volta ao interior das fibras nervosas, e o prazer cessa (pelo menos temporariamente!).

O que a cocaína faz é bloquear as moléculas transportadoras de dopamina existentes na superfície dos neurônios, e ela fica mais tempo na sinapse, prolongando a sensação de prazer. No início, tudo funciona bem. Mas, com o uso prolongado, a sinapse vai perdendo a sensibilidade para a dopamina: a sensação de prazer vai diminuindo, e é necessário aumentar a dose da droga para obter cada vez menos prazer.

Além disso, o aumento da dose provoca ação da cocaína em outras regiões do cérebro e outras funções: pode ocorrer depressão, hiperatividade, insônia, paranoia, alucinações auditivas, alterações do ritmo cardíaco e enfarte, dores de cabeça e até acidentes vasculares cerebrais.

Esperança para o combate à dependência

Um trabalho importante publicado em um dos últimos números da revista da Academia de Ciências dos Estados Unidos descreveu a relação entre o hormônio concentrador de melanina e a cocaína.

O artigo, assinado por um grupo de farmacologistas e neurologistas da Universidade da Califórnia e da Universidade de Nagoya, no Japão, liderados por Shinjae Chung e Olivier Civelli, abriu uma possibilidade de tratamento para a dependência de cocaína, baseada na sua interação com esse hormônio.

O hormônio em questão é um pequeno segmento de proteína (peptídeo) descoberto na glândula hipófise do salmão, de onde controla a deposição de pigmento na superfície do corpo desse animal. Esse mesmo peptídeo foi também encontrado no cérebro de mamíferos. Mas ele não desempenha ali o papel de um hormônio propriamente dito: ele age como neuromodulador, ou seja, um mensageiro que regula a transmissão de informações entre neurônios nas sinapses.

Um grupo brasileiro liderado por Jackson Bittencourt, professor do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP), tem-se destacado no estudo da distribuição cerebral desse peptídeo, bem como de sua relevância funcional.

Essa equipe tem contribuído para mostrar que o hormônio concentrador de melanina participa dos comportamentos envolvidos na obtenção de alimentos e de líquidos para saciar a fome e a sede. Os neurônios que contêm esse peptídeo se comunicam com outros situados nas regiões cerebrais que, entre outras coisas, nos levam a buscar alimento na geladeira.

Ocorre que comer não é apenas uma necessidade fisiológica, mas também dá um enorme prazer, como todos sabemos. Para alguns, o prazer é tanto que chega a ser incontrolável, e a alimentação se torna compulsiva, resultando em obesidade. E isso ocorre exatamente porque as regiões cerebrais mencionadas acima se comunicam também com o núcleo acumbente, por meio de fibras nervosas que contêm o hormônio concentrador de melanina.

O estudo nipo-americano

Então, o que há em comum entre o hormônio e a dopamina, é que ambos são liberados nos neurônios do núcleo acumbente. A hipótese de que partiram Chung, Civelli e seus colaboradores foi que essas substâncias poderiam interagir e influenciarem-se mutuamente nos circuitos do prazer, em condições normais e durante a ação da cocaína.

Como todos os mensageiros sinápticos no cérebro exercem sua ação por meio de moléculas receptoras que os reconhecem e reagem com eles, a primeira coisa que a equipe nipo-americana fez foi verificar se esses receptores - para o hormônio e para a dopamina - estão presentes nos mesmos neurônios do núcleo acumbente de ratos. Estão.

A seguir, aplicaram pequenas doses do hormônio sobre neurônios retirados do núcleo acumbente e cultivados em laboratório. Verificaram que a atividade desses neurônios aumenta quando o hormônio é aplicado junto com substâncias que mimetizam a ação da dopamina, mas diminui quando ao mesmo tempo se usam substâncias antagonistas do hormônio. Isso é sinal de que a dopamina e o hormônio concentrador de melanina interagem, sim, nos neurônios acumbentes.

Mas será que esse efeito observado nos neurônios isolados em cultura ocorre também nos próprios animais? Para responder a essa pergunta, os pesquisadores observaram a hiperatividade na locomoção natural dos ratos dentro da gaiola, motivada pela ação da cocaína: sob efeito da droga, os animais andam e andam e andam pela gaiola, sem parar. O efeito é ainda mais intenso quando a cocaína é administrada junto com o hormônio concentrador de melanina.

A hiperatividade, no entanto, é atribuída à ação da dopamina sobre um outro circuito neural, diferente do "circuito do prazer". Trata-se dos neurônios da chamada substância negra
também portadores de dopamina, e que fazem parte do sistema que controla a atividade motora. Então, essa poderia não ser a melhor prova. Como se poderia medir a ação da dopamina no "circuito do prazer" mesmo, onde a ação da cocaína está mais ligada à dependência?

Os pesquisadores partiram então para um experimento de autoestimulação, um clássico dos estudos sobre prazer, desde que os neurocientistas norte-americanos James Olds e Peter Milner descobriram na década de 1950 que ratos com eletrodos implantados em certas regiões do cérebro adoravam pressionar pequenas alavancas ou interruptores com as patas ou com o focinho, desde que esses interruptores conduzissem pequenos choques elétricos a essas regiões cerebrais. Os ratos se tornavam "viciados" em estimular o seu próprio cérebro...

Autoadministração de cocaína

No experimento de Chung, Civelli e seus colegas, os ratos administravam a si próprios a cocaína mesmo, em vez de correntes elétricas. A droga era levada diretamente ao núcleo acumbente por meio de pequenas cânulas implantadas no cérebro dos animais. Quando o experimento era feito com a injeção prévia de uma substância bloqueadora específica do hormônio concentrador de melanina, os ratos já não se interessavam mais tanto por se administrar cocaína.

Além disso, depois de interromper o fornecimento de cocaína por 10 a 12 dias para provocar a extinção do comportamento de autoadministração, uma simples pista associada à cocaína (uma lâmpada acesa que indicava a disponibilidade da droga) era capaz de provocar uma "recaída" nos animais. A menos que o bloqueador do hormônio fosse injetado nos roedores: nesse caso, nada de recaída.

O trabalho da equipe nipo-americana acende uma luz de esperança para o tratamento farmacológico da dependência por cocaína. Se for possível desenvolver fármacos capazes de bloquear o efeito do hormônio concentrador de melanina, a cocaína já não terá efeitos no núcleo acumbente dos usuários - nem sobre os primeiros efeitos, nem sobre as recaídas.

Os pesquisadores têm pela frente um desafio: desenvolver um bloqueador específico, que não apresente efeitos colaterais indesejáveis sobre as outras funções em que o hormônio atua, como a alimentação e o balanço de energia do organismo. Mas persistirá o desafio principal: melhor que tratar os dependentes, é prevenir o consumo e a dependência de cocaína. Mas essa é uma questão muito mais da alçada dos cientistas sociais e políticos que dos neurocientistas.

Roberto Lent

Professor de Neurociência

Instituto de Ciências Biomédicas

Universidade Federal do Rio de Janeiro

30/04/2009

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