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MORTES E DOENÇAS RELACIONADAS À PRODUÇÃO DE ETANOL NO BRASIL


09/10/2008

PARECER TÉCNICO - DOUTORA SÔNIA CORINA HESS

PROFESSORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL / MAIO 2008

EMAIL: SCHESS@NIN.UFMS.BR / SONIAHESS@GMAIL.COM

A União da Indústria de Cana-de-Açúcar - UNICA anunciou que, na Região Centro-Sul, onde se concentram 86% da produção nacional, na safra 2008/2009 a cana moída deverá atingir 498,1 milhões de toneladas, um crescimento de 16% em relação à safra 2007/08, quando foram moídas 431,2 milhões de toneladas de cana. A partir desta safra, 32 novas usinas entrarão em operação na região centro-sul, das quais treze em São Paulo, dez em Goiás, quatro em Minas Gerais, quatro em Mato Grosso do Sul e uma no Paraná. Na última safra, 47% da colheita no Estado de São Paulo foi mecanizada, contra 34% registrados na safra 2006/07 (UNICA, 2008). Segundo Ribeiro (2008), o corte da cana é mecanizado em 25% da produção brasileira.

Durante o período de safra, os canaviais que são colhidos manualmente sofrem a queima pré-corte, para facilitar o trabalho dos cortadores, evitar a sua exposição a animais peçonhentos e, também, aumentar o teor de açúcar da cana, decorrente da evaporação da água (GODOI et al, 2004).

Segundo Alves (2006), a produtividade média do trabalho no corte de cana, que em 1950 era de 3 toneladas de cana cortadas por dia/homem, no final da década de 1990 e início da presente década atingiu 12 toneladas de cana por dia. Ao cortar esta quantidade de cana, um trabalhador, em média, realiza as seguintes atividades em um dia: caminha 8.800 metros
despende 133.332 golpes de podão
carrega 12 toneladas de cana em montes de 15 kg
faz 800 trajetos e 800 flexões, levando 15 kg nos braços por uma distância de 1,5 a 3 metros
faz aproximadamente 36.630 flexões e entorses torácicos para golpear a cana
perde, em média, 8 litros de água por dia, por realizar toda esta atividade sob sol forte, sob os efeitos da poeira, da fuligem expelida pela cana queimada e trajando uma indumentária que o protege da cana, mas aumenta sua temperatura corporal". Segundo apontam este e outros autores (SILVA, 2005
RIBEIRO, 2008), o excesso de trabalho e as condições em que este ocorre explicariam as mortes súbitas vitimaram, pelo menos, 19 trabalhadores rurais cortadores de cana em São Paulo desde 2004. Ainda, segundo Silva (2008), as condições de trabalho dos cortadores de cana têm encurtado o seu ciclo de vida útil na atividade, que passou a ser inferior ao do período da escravidão, que era de 10 a 12 anos, até 1850.

Muitos trabalhos científicos têm destacado que, em queimadas de biomassa, a combustão incompleta resulta na formação de substâncias potencialmente tóxicas, tais como monóxido de carbono, amônia e metano, entre outros, sendo que o material fino, contendo partículas menores ou iguais a 10 mm (PM10) (partículas inaláveis), é o poluente que apresenta maior toxicidade e que tem sido mais estudado. Ele é constituído em seu maior percentual (94%) por partículas finas e ultrafinas, ou seja, partículas que atingem as porções mais profundas do sistema respiratório, transpõem a barreira epitelial, atingem o interstício pulmonar e são responsáveis pelo desencadeamento de doenças graves (ARBEX et al, 2004
GODOI et al, 2004).

Um estudo realizado em Piracicaba/SP (CANÇADO et al, 2006a) comprovou que a queima da cana-de-açúcar nos canaviais da região ocasionou o aumento da concentração de PM10 na atmosfera, e que este repercutiu no em um maior número de atendimentos de crianças e idosos em hospitais, para tratamento de problemas respiratórios. Em Araraquara/SP, pesquisadores revelaram que a poluição atmosférica gerada pela queima da cana-de-açúcar levou a um significativo aumento dos atendimentos hospitalares para tratamento de asma (ARBEX et al, 2007).

É importante destacar os dados apresentados por Cançado e colaboradores (2006b) entre outros pesquisadores brasileiros (CENDON et al, 2006
MARTINS et al, 2006), segundo os quais "estudos experimentais e observacionais têm apresentado evidências consistentes sobre os efeitos da poluição do ar, especialmente do material particulado fino, na morbidade e mortalidade por doenças cardiovasculares (cardíacas, arteriais e cerebrovasculares). Tanto efeitos agudos (aumento de internações e de mortes por arritmia, doença isquêmica do miocárdio e cerebral), como crônicos, por exposição em longo prazo (aumento de mortalidade por doenças cerebrovasculares e cardíaca) têm sido relatados. O aumento da poluição do ar tem sido associado ao aumento da viscosidade sangüínea, de marcadores inflamatórios e da progressão da arteriosclerose, a alterações da coagulação, à redução da variabilidade da freqüência cardíaca (indicador de risco para arritmia e morte súbita), à vasoconstricção e ao aumento da pressão arterial, todos fatores de risco para doenças cardiovasculares. Ainda, um abrangente estudo encontrou risco aumentado de mortalidade relacionada à poluição do ar que variou de 8% a 18%, para diversos tipos de doenças cardíacas". Portanto, tais dados levam a inferir-se que a exposição dos cortadores a materiais particulados gerados durante a queima da cana, é um fator importante a ser considerado como possível causa da morte súbita de alguns destes trabalhadores.

Uma equipe de pesquisadores do Instituto do Coração (INCOR), da Universidade de São Paulo, sob a coordenação do Dr. Ubiratan de Paula Santos, concluiu, na primeira semana de maio de 2008, levantamentos de parâmetros relativos às condições de trabalho e saúde de um grupo de cortadores de cana, que deverá resultar em novas e importantes conclusões sobre os efeitos dos poluentes atmosféricos gerados pela queima da cana-de-açúcar, na saúde destes trabalhadores.

Em 1991, o pesquisador britânico Phoolchund ressaltou que "os trabalhadores das plantações de cana-de-açúcar apresentam elevados níveis de acidentes ocupacionais e estão expostos à alta toxicidade dos pesticidas. Eles também podem apresentar um risco elevado de adoecerem por câncer de pulmão (mesotelioma), e isto pode estar relacionado à prática da queima da palha, na época da colheita da cana". Estudos recentes têm comprovado as suspeitas daquele pesquisador.

Dentre as substâncias presentes nos materiais particulados finos liberados durante a queima de biomassa (vegetação), os hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPAs) são os mais danosos à saúde, apresentando atividades mutagênicas, carcinogênicas e como desreguladores do sistema endócrino (ZAMPERLINI et al, 1997
GODOI et al, 2004). Em um estudo realizado em Araraquara/SP, durante a época da colheita da cana, foi encontrada uma concentração do HPA benzo-a-pireno (carcinogênico), maior do que em Londres e em outras grandes cidades, e foi sugerido que tal substância provinha de queimadas em canaviais existentes na região. A mesma fonte de poluição atmosférica foi apontada como responsável pela elevada concentração das partículas totais em suspensão encontradas no estudo, que atingiram a média de 103 microgramas por metro cúbico, valor superior ao limite de 80 microgramas por metro cúbico, estabelecido pela resolução 03 de 1990, do Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA (GODOI et al, 2004).

Em um estudo divulgado em 2006 (BOSSO et al, 2006) foi constatado que cortadores de cana saudáveis e não-fumantes que trabalhavam em canaviais do Estado de São Paulo, na época da colheita, apresentavam na urina substâncias que indicavam que estes trabalhadores haviam sido intensamente expostos a HPAs genotóxicos e mutagênicos, e que fora do período de colheita, estes teores eram bem menores. Segundo os autores, o estudo comprovou que as condições de trabalho expõem os cortadores de cana a poluentes que levam ao risco potencial de adoecimento, principalmente, por problemas respiratórios e câncer de pulmão.

Diante do exposto, conclui-se que os estudos científicos já divulgados comprovam que a poluição atmosférica originada pela prática da queima da cana-de-açúcar, como parte do processo produtivo do etanol, no Brasil, repercute em riscos severos à saúde dos trabalhadores e da população em geral, devendo ser abolida imediatamente.

Também é urgente a reformulação da legislação trabalhista que regula a contratação dos cortadores de cana, para evitar-se que estes continuem a trabalhar em condições de esforço físico muito superiores àquelas que um ser humano pode suportar."


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