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É provável que ele não aguentasse: Símbolos de Doria, garis sofrem com preconceito, calor e dores no corpo


08/01/2017

Depois que recebeu um beijo na bochecha de João Doria (PSDB), a gari Marilda da Cruz Silva, 55, elogiou o prefeito vestido como ela, mas observou: “Quero ver se ele vai aguentar o dia inteiro assim. Debaixo desse sol, a roupa fica muito quente”.

 

Ela não sabia que na segunda (2), o tucano ficaria apenas uma hora vestido dessa maneira, só posando para fotos. Ali na praça 14 Bis, centro de São Paulo, sorriu para fotógrafos enquanto deu duas “varridas” no chão, em um gesto que durou dez segundos.

 

Naquele dia, Doria prometeu se vestir de gari e varrer um ponto da cidade todas as semanas até o fim de sua gestão –neste sábado (7), repetiu o gesto na av. Paulista.

 

Se quiser experimentar de fato o dia a dia dos funcionários de limpeza, o prefeito terá de enfrentar algumas das agruras sofridas por eles, que recebem salários de R$ 1.161,33 –com vale refeição, alimentação e adicional de insalubridade de R$ 879.

 

Garis reclamam não só do calor, mas também de dores nas costas –eles caminham em média 10 km por dia, sempre se curvando para recolher o lixo–, dos apuros com moradores de rua, que rasgam os sacos de lixo recém reunido por eles, dos cortes nas pernas provocados pelo vidro que não é embrulhado antes de ser descartado e, principalmente, do preconceito por parte da população.

 

A Folha entrevistou 12 garis que só aceitaram falar sob a condição de anonimato. Na capital paulista, há 21 mil coletores e varredores, dos quais quase 60% são mulheres. A Inova, uma das empresas que mantêm contrato com a prefeitura, autorizou que Sheila Almeida Figueiredo, 31, fosse entrevistada. Ela tirou uma selfie com Doria –”sugestão dele”, ela diz– no dia em que ele se vestiu como ela se veste todos os dias.

 

Gari Doria

 

Filha de uma gari, ela diz que a mãe não queria que ela a seguisse na profissão, mas “já tinha colocado isso na cabeça”. Antes de dedicar-se à limpeza urbana, Sheila, casada com um ajudante de pedreiro e mãe de filhos de 7, 9 e 14 anos, era diarista. Há dois anos, varre a praça da Sé, coração de São Paulo.

 

Para ir até lá, Sheila sai de Itaquaquecetuba (Grande São Paulo) às 12h, pega trem e metrô e chega às 14h, quando começa o seu turno. Troca de roupa no alojamento dos garis, próximo ao terminal Bandeira, bate ponto e caminha de lá até a praça da Sé, carregando seu carrinho.

 

INVISÍVEL

 

Na quarta (4), Sheila começa o trabalho sob um sol quente. Em frente ao marco zero da Sé, começa a varrer o lixo, passando por centenas de pessoas sem que seja percebida. Em minutos, o espaço que limpou volta a ser coberto por sujeira. Ali, ela conta já ter sido xingada de “vagabunda” por moradores de rua. O trabalho termina às 22h –e ela chega em casa, a 43 km de distância, às 23h30.

 

Ao mesmo tempo em que o uniforme faz dela invisível, ele também a protege, observa. “A maioria das pessoas me ignora. Mas, de uniforme, estou imune à violência. Não passaria lá à noite sem uniforme.”

 

Grande parte dos garis, porém, prefere trocar de roupa no fim do expediente, porque muitos rejeitam sentar a seu lado nos ônibus e no metrô. Também há quem jogue lixo no chão na frente de quem está trabalhando, embora a lixeira esteja ali. “E dizem: ‘Se eu não produzir lixo, você fica sem emprego'”, diz Sheila.

 

Outros garis ouvidos pela Folha relatam que donos de bares e restaurantes não lhes deixam comer na parte de dentro. “Nos xingam quando paramos o trânsito, nos chamam de ‘cheiroso’, ‘lixo’, entre outras coisas”, diz um gari de 22 anos que mora na Cidade Tiradentes (zona leste).

 

Vestido de gari, Doria varre Avenida Paulista

 

O psicanalista Fernando Braga da Costa, autor do livro “Homens Invisíveis – Relatos de uma Humilhação Social” (2004), sentiu na pele: por dez anos, trabalhou como gari na USP, onde estudava. Viu colegas e professores passarem por ele sem cumprimentá-lo.

 

“Vestir um uniforme de gari e trabalhar sem depender disso não é o suficiente para entender o que é o trabalho. Eu, por exemplo, só senti condições próximas”, diz.

 

“O prefeito não acordou às 4h e pegou três conduções para chegar ao trabalho, não se sujeitou a trocar de roupa em um vestiário malcheiroso. De forma perversa, ele até minimizou a dificuldade por qual esses trabalhadores passam.” Mas, para Sheila, no dia em que conheceu Doria, ele “deu uma varridinha básica” porque “mesmo que quisesse varrer mais, não teria espaço”.

 

“Acho que a intenção dele era varrer um pouco, mas pelo assédio, não conseguiu.” Se fosse varrer de verdade nas próximas vezes, teria que ter “vontade” porque “as pernas doem e dá muito cansaço”. Por isso, é provável que não aguentasse. “Ele ia falar: ‘Deixa para mais tarde'”, ri.

 


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