23/01/2015
Apesar de promulgada pelo Congresso em junho de 2014, a PEC do Trabalho Escravo ainda não tem sua aplicação no Brasil e corre o risco de ter seus fundamentos alterados por uma série de propostas já em andamento no Congresso.
A emenda determina a expropriação de terras e empresas nas quais, comprovadamente, foram identificadas condições de exploração de mão de obra análoga à escravidão. Para que tenha efeito, a mudança na Constituição depende de ser regulamentada por outro projeto de lei, já em tramitação no Senado, o PLS-432.
Esta proposta foi relatada pelo senador Romero Jucá (PMDB-RR) e aprovada na Comissão de Consolidação das Leis Federais, que era presidida pelo deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP).
No entanto, tanto neste projeto, quanto em outras propostas de legislação apresentadas na Câmara, deputados e senadores, alguns ligados à bancada ruralista, já trabalham para flexibilizar o conceito de trabalho escravo definido na PEC e ainda acabar com a “lista suja” do Ministério do Trabalho, que indica empresas rurais e urbanas nas quais foram constatadas escravidão.
Ataques
O governo já mapeou pelo menos três iniciativas de lei com o objetivo de descaracterizar a PEC e tem tentado traçar estratégias para derrubá-las. Integrantes da Secretaria de Direitos Humanos já preveem que este será um dos principais embates no Congresso na área em 2015.
Entre as iniciativas que serão monitoradas pelo governo estão a proposta de regulamentação, a Reforma do Código Penal e o PL-5016.
O governo, declaradamente, é contra o PLS-432, por não contemplar duas das quatro condicionantes expressas na lei para definir o que é trabalho escravo. Jucá retira do texto as “jornada exaustiva” e “condições degradantes” como situações definidoras de trabalho escravo. Essas duas condicionantes são consideradas avanços importantes pelo governo.
O relatório, para o governo, e se limita a adotar os conceitos que atendem às condicionantes reconhecidas pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), como “trabalho forçado” e “servidão por dívida”. A área de Direitos Humanos do governo argumenta que a própria OIT reconhece o conceito brasileiro como mais eficiente para a caracterização da escravidão moderna.
Além de tentar flexibilizar o conceito, o relatório de Jucá ainda prevê na versão consolidada, que “é vedada a inscrição em cadastro público de pessoas físicas e jurídicas que sejam parte em processo que envolva exploração de trabalho escravo, anteriormente ao trânsito em julgado de sentença condenatória”, versão que no entender do governo tem como alvo único a “lista suja”.
Como o relatório ainda não foi votado, o governo tem se movimentado para conseguir emplacar um novo nome na relatoria da proposta de regulamentação da PEC. Uma das opções seria a senadora Lídice da Mata (PSB-BA), que tem o pensamento alinhado ao do governo nesta questão. No entanto, é necessário aguardar se a senadora será titular da CCJ, condição para sua indicação.
No caso da lista suja, o governo considera um retrocesso a recente proibição de sua divulgação determinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por decisão liminar do ministro Ricardo Lewandowski. O ministro atendeu a um pedido da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), que contestou a constitucionalidade do cadastro de empregadores que submetem trabalhadores à condição análoga à de escravo.
A ministra Ideli Salvatti, da Secretaria de Direitos Humanos, em bate papo pelo Twitter, defendeu a volta da divulgação da lista, defendida também pelo Ministério Público.
"Não temos o instrumento. Precisamos negociar para rever a suspensão da publicação desta lista. A Lista é um instrumento importante de constrangimento sobre o tema de trabalho escravo. Pode ter algum tipo de aperfeiçoamento na sua execução, mas é muito importante voltarmos a ter. Por isso saudamos a posição da PGR favorável à publicação da lista e precisamos evoluir pra voltar a ter. Pode ser até necessário o aperfeiçoamento do processo de construção da lista, mas que ela é um instrumento importantíssimo de constrangimento de trabalho escravo é", disse a ministra.
Código Penal
Na discussão sobre o Código Penal, que ocorre na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, o então relator, Vital do Rêgo (PMDB/PB), que assumiu recentemente uma vaga no Tribunal de Contas da União, acatou emendas apresentadas pelos senadores Blairo Maggi (PR/MT) e Luiz Henrique da Silveira (PMDB/SC), que alteram a redação do artigo 149.
Este artigo define o conceito de crime de trabalho escravo e determina as penas para os criminosos. As emendas também excluem do texto as condicionantes inseridas na PEC, deixando apenas as possibilidades de “trabalho forçado” e “servidão por dívida”. O relatório ainda depende de aprovação na CCJ antes de seguir para o Plenário do Senado.
Na justificativa apresentada pelo senador Luiz Henrique, ele argumenta que é “salutar que o novo Código Penal Brasileiro aponte para um o conceito legal de trabalho escravo”. “Entretanto é necessário reduzir ao tipo penal apenas as condutas que expressam realmente a definição de trabalho sob condições análogas à de escravo”, diz o texto que desconsidera a submissão dos trabalhadores a condições degradantes e jornada exaustiva.
“É preciso deixar expresso que não é qualquer ilícito trabalhista que caracteriza o presente tipo penal, apenas e tão somente aquela que reflete um estado de fato em que a pessoa perde a própria personalidade, é tratada como simples coisa, privada de direitos fundamentais mínimos. Ou seja, quando a liberdade humana fica integralmente anulada, diante da submissão da pessoa a um senhor, reduzida à condição de coisa”, justificou o senador.
A reportagem tentou entrar em contato, via telefone com os senadores Blairo Maggi e Romero Jucá, no entanto, não houve retorno das ligações.
Ruralistas
Outra preocupação do governo recai sobre a Comissão de Agricultura da Câmara, dominada pelos integrantes da bancada ruralista. As movimentações em torno do PL-5016, que trata das penas aplicáveis ao crime de trabalho escravo tem ocorrido no sentido de também flexibilizar o conceito de trabalho escravo, na avaliação do governo.
A proposta era relatada pelo então deputado Reinaldo Azambuja (PSDB-MS), que após inúmeras reclamações de ausências nas reuniões feitas por deputados governistas, abandonou a relatoria nas mãos de seu aliado, Luis Carlos Heinze (PMDB-RS), um dos principais nomes da bancada ruralista. As faltas tinham como justificativa a campanha para o governo de seu Estado, para o qual foi eleito.
“Meu voto é aprovação do relatório do deputado Azambuja, que elaborou um excelente parecer e decidiu por acatar o que há de melhor nos projetos que tramitam em conjunto com o PL 5016/2005, que trata do trabalho escravo”, relatou Heinze.
O parecer de Azambuja, no entanto, pede o arquivamento do projeto e de mais 10 outras propostas apensadas que estabeleciam punição para o trabalho escravo. O único projeto apensado para o qual Azambuja pediu aprovação é o de autoria do deputado Moreira Mendes (PSD-RO) que prevê a retirada das condicionantes “condições degradantes” e “jornada exaustiva” da definição de trabalho escravo.
“Melhor do que, simplesmente, penalizar as transgressões, seria providencial que o Governo e a sociedade envolvida no contexto se esforçassem para erradicar, de uma vez para sempre, a submissão do trabalhador ao labor degradante, análogo à condição de escravo. Esperando que as leis e as normas ministeriais que já existem sejam cumpridas e que todos - patrões e empregados - possam viver em harmonia e respeito recíproco”, justificou Azambuja em seu parecer."
Fonte:IG
UGT - União Geral dos Trabalhadores