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Futuro da democracia no mundo dependerá em boa parte das classes médias chinesas, indianas e brasileiras


19/03/2010



São as classes médias que mandam. Pelo menos nos países democráticos, onde os governantes devem atender, sobretudo, a suas necessidades para ganhar eleições. São muito diferentes de um país para outro e mais ainda de um continente para outro, mas em toda parte querem finalmente o mesmo: paz, estabilidade e prosperidade, e traduzido para questões concretas: postos de trabalho, salários decentes, moradias dignas, educação de qualidade, aposentadorias razoáveis.

À diferença das classes dominantes em períodos anteriores da história da humanidade, estas são amplas e extensas. Nada a ver com a aristocracia do Antigo Regime nem com a alta burguesia do capitalismo clássico, elitistas e fechadas, com frequência condenadas ao isolamento e à decadência. Pode ocorrer que não sejam democráticas em seus valores ou pelo sistema político em que se enquadram, mas o são sociologicamente ali onde são hegemônicas.

São classes lutadoras, embora sua luta nada tenha a ver com a luta de classes. Lutam por existir e crescer: o Partido Comunista Chinês reivindica a maior contribuição para a história das classes médias. Afirma que tirou da pobreza 500 milhões de pessoas em uma geração, mais de um terço de sua população atual. E se seus dirigentes preferem não ouvir nem falar de abertura democrática e situam o cume de sua modernização para daqui a cem anos, é porque ainda contam com 150 milhões de pobres aos quais não chegaram os benefícios do capitalismo comunista, e estão firmemente convencidos de que não vão tirá-los da pobreza em um sistema descentralizado, pluralista e respeitoso com os direitos humanos como o que exigem os dissidentes e propõem os países ocidentais.

As classes médias crescerão na Ásia em um ritmo desenfreado nos próximos anos, mas estancarão ou só crescerão ligeiramente no resto do planeta e sobretudo onde já são o grosso da sociedade, como é o caso do que costumamos chamar de Ocidente. Embora a mutação seja pacífica, isto é, sem guerras entre as classes médias dos diversos países e regiões, sabemos que ocorrerá e já está ocorrendo em forma de uma intensa competição.

Mas as grandes mudanças econômicas e geopolíticas que nos esperam neste século 21, e que em boa medida já começaram, são produtos fundamentalmente da expansão das classes médias em todo o mundo. A globalização que promoveu o crescimento das classes médias tem duas faces: uma positiva, que distribui benefícios sinérgicos a todos
e outra negativa, na qual os efeitos são de soma zero. Exemplos: os empregos que se criam na China desaparecem dos EUA
e o petróleo que consomem os carros em Paris sobe de preço quando são muitos os que querem andar de carro em Mumbai
as emissões para a atmosfera dos países industrializados ao longo da história limitam as possibilidades de futuro desenvolvimento dos países emergentes e os obrigam a investir em tecnologias menos poluidoras.

Como em todo jogo de soma zero, o que os novos ganham os mais velhos perdem, na distribuição do poder mundial e no peso de cada um nas instituições internacionais. É a mutação do G8 para o G20 e inclusive a desenvoltura com que os dirigentes dessas novas potências do século 21 ousam enfrentar o presidente dos EUA.

Sem suas classes médias por trás, pressionando e exigindo, com um enorme potencial de consumo, um peso crescente na economia global e inclusive um novo orgulho nacional, não seriam possíveis essas novas atitudes que enlouquecem as diplomacias americana e europeia. As classes médias europeias e americanas demonstraram que onde crescem melhor é em regimes de liberdade e democracia. Mas não significa que a liberdade e a democracia sejam o abono imprescindível para sua expansão.

Na Espanha conhecemos de primeira mão a expansão das classes médias sob a ditadura. Graças à ditadura, dirão os céticos em matéria de liberdades. Apesar da ditadura, responderão os liberais. Não é uma reflexão historicista: vale para o maior viveiro de classes médias da história que é a China. E transcende o âmbito chinês. O mundo está se desocidentalizando em marcha forçada, segundo expressão de Javier Solano, utilizada há poucos dias em Barcelona, em sua primeira conferência como presidente do Centro para a Economia Global e a Geopolítica do Esade.

E já estamos nos conformando com o deslocamento de seu centro de gravidade. O problema é saber se vamos nos conformar também com que nossos valores fiquem diluídos ou desvalorizados. O futuro das liberdades e da democracia no mundo dependerá em boa parte de como as classes médias chinesas, indianas e brasileiras encarem sua relação com as liberdades individuais e a democracia parlamentar. Nada menos.

Fonte: El País


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