16/01/2020
Estudo da Brasscom mostra que, até 2024, a demanda por profissionais de tecnologia será de 70 mil por ano, enquanto o número de formados chegará a 46 mil
A jovem gaúcha Débora Góis Torres ainda não havia concluído o curso de programação que estava fazendo em Belo Horizonte quando começou a buscar vagas de emprego na sua área. Dois dias depois de formada, achou o que queria. Foi contratada por uma empresa de tecnologia em ascensão na cidade. Pode ter sido um pouco de sorte, pode ter sido porque ela se empenhou. Mas o que certamente pesou a favor foi o fato de que Débora é de um segmento no qual o desemprego praticamente não existe: o dos profissionais com habilidades para negócios digitais.
Aos 26 anos ela ocupa, desde dezembro, o cargo de desenvolvedora full stack junior na Rock Content, empresa que produz conteúdo para companhias de diversos segmentos. “Tem muita oferta nessa área digital. Acredito que tenha mais empresas contratando do que gente procurando”, diz.
É verdade. Em um país onde o desemprego estava em 11,6% no fim do ano - atingindo 12,4 milhões de pessoas - e onde a informalidade no mercado de trabalho superava os 40%, o mundo da economia digital é uma ilha onde sobram vagas e falta mão de obra.
Um estudo recente da Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom) traduz isso em números bem claros. Até 2024, a demanda por profissionais de tecnologia, como Débora, será de 70 mil por ano no Brasil, enquanto que o número de formados nessa área chegará a 46 mil. “Muitos desses profissionais recebem hoje três ou quatro ofertas de emprego por semana”, diz Thiago Moreira, sócio da Vulpi, companhia de recursos humanos para a área de tecnologia sediada na capital mineira. Os salários variam, segundo ele, de R$ 2,5 mil a R$ 3 mil para novatos e de R$ 15 mil a R$ 20 mil para quem tem cinco ou seis anos de carreira.
Anna Martins, diretora executiva da aceleradora Órbi, de Belo Horizonte, diz que a disputa por mão de obra de tecnologia chegou a tal ponto que algumas companhias da cidade já estão optando por abrir unidades em outras localidades, onde o mercado ainda não está tão aquecido.A Órbi é uma aceleradora ligada à comunidade de startups do San Pedro Valley, em BH, e a um grupo de empresas, entre elas a construtora MRV, o Banco Inter e a Localiza.
A caça no Brasil por desenvolvedores, cientistas de dados, designers, profissionais de marketing digital e outros da economia digital deixou de ser quase uma exclusividade de empresas de tecnologia, como era até há alguns anos.“Nós comemos, nos locomovemos, nos divertimos pelo mundo digital, o que significa que as empresas de quase todos os setores precisam desses profissionais, do banco ao varejo, da empresa aérea ao mercado editorial”, afirma Sergio Sgobbi, diretor de relações institucionais e governamentais da Brasscom.
Na segunda semana de janeiro, no site da Revelo, outra empresa de recursos humanos - esta sediada em São Paulo - havia anúncios de vagas para desenvolvedores no Itaú, AB InBev, 99 e Deloitte; o Banco Safra estava em busca de designer e a Bayer, de profissionais especializados em marketing online.
Com tanta oferta, os trabalhos digitais viraram um ímã. “Tem gente de todas as idades e tem muita gente que até deixa uma carreira tradicional para passar a trabalhar nesse novo mercado”, diz Normando Bezerra, diretor estratégico da Revelo.
Diferentemente do que acontece nas carreiras tradicionais, no mercado digital o diploma universitário, o MBA e a pós-graduação não são, necessariamente, a chave de acesso para boas colocações.
Uma afirmação recorrente no setor é que os cursos universitários, como o de ciência da computação, por exemplo, tendem a ter mais dificuldades para acompanhar e agregar a seus currículos as mudanças rápidas da indústria digital e que, embora uma formação universitária dê aos jovens uma base teórica ampla, cursos livres, o autodidatismo e um bom portfólio de trabalho costumam ter alto valor no mercado.
Fernando Americano, da escola francesa Le Wagon, que oferece cursos para desenvolvedores, destaca outro ponto. “O mercado de trabalho está em um período de transição e ainda não há formação específica para atividades como customer success, product owner e user experience”, diz. “ Google, Facebook e outras já anunciaram que não exigem mais diplomas.
Americano é um dos sócios da Le Wagon na América Latina, com escolas em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Buenos Aires e Cidade do México. Foi na unidade de Belo Horizonte onde Débora Torres estudou pouco antes de ser contratada.
Com uma demanda tão aquecida, Americano diz não ter dúvidas: “Quem tem a força nas negociações de contratação é o desenvolvedor e por isso as empresas estão buscando ofertar bons salários e benefícios para atrair talentos”.
A Rock Content é um exemplo. “A gente mudou nossas regras e estamos agora mais abertos, permitindo que mais pessoas do nosso time trabalhem de casa”, diz Vitor Peçanha, um dos sócios da empresa.
Com cerca de 500 funcionários e escritórios em São Paulo, Belo Horizonte, Juiz de Fora, Guadalajara, Boca Raton e Toronto, a Rock Content começou o ano com 70 vagas em aberto, algumas delas com a possibilidade de home office.
Sergio Sgobbi, da Brasscom, diz que esse déficit de profissionais precisa ser encarado não só pelas empresas, mas como um assunto de Estado. Segundo ele, a entidade - que tem entre seus associados Amazon, Airbnb, Facebook, IBM e Oracle, entre outras brasileiras e estrangeiras - já levou ao MEC e ao conselho que reúne secretários de Educação estaduais recomendações de criação de mais cursos tecnólogos com conteúdo alinhado às necessidades das empresas. As companhias também sonham com uma adaptação do currículo escolar. “Nossa perspectiva é inserir o ensino de computação no ensino médio em todo o país”, diz.
Fonte: Valor Econômico
UGT - União Geral dos Trabalhadores