18/07/2019
Uma ação da Procuradoria-Geral da República no Supremo Tribunal Federal tem potencial para dificultar a unificação de uma jurisprudência pela Justiça das novas regras da reforma trabalhista.
Após mais de um ano e meio de vigência das mudanças, o Ministério Público Federal pediu que os ministros do Supremo discutam a limitação para alteração e edição de súmulas pelo Tribunal Superior do Trabalho.
Enquanto o Supremo não se pronunciar sobre o tema, a jurisprudência da reforma trabalhista tende a ficar defasada. Em março, o TST estava prestes a discutir a atualização de sua jurisprudência pela primeira vez após a reforma trabalhista, mas suspendeu essa análise quando o tema chegou ao Supremo.
Muitas das alterações introduzidas pela Lei 13.467/2017, a reforma trabalhista, conflitam diretamente com súmulas e orientações jurisprudenciais do TST. Entretanto, a mesma lei criou regras rígidas para alterações dessas súmulas ao introduzir a alínea ‘f’ no artigo 702.
Esse dispositivo determina que, para estabelecer ou alterar súmulas, são necessários votos de ao menos dois terços dos ministros do TST, e somente podem ser realizadas caso a mesma matéria já tenha sido decidida de forma idêntica por unanimidade em, no mínimo, dois terços das turmas em pelo menos dez sessões diferentes em cada uma delas.
Para o procurador do trabalho Helder Amorim, vice-presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), o dispositivo “praticamente inviabiliza o TST de editar novas súmulas e de alterar a sua jurisprudência”, pois institui “critérios extremamente rígidos que não são exigidos de nenhum outro tribunal em relação a sua jurisprudência”.
A falta de regras semelhantes para outros tribunais foi um dos argumentos utilizados pela PGR ao ajuizar a ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 6.188. Na ação, a PGR diz que o dispositivo “atenta contra o núcleo essencial da autonomia dos tribunais” ao regular matéria interna do Poder Judiciário, o que fere ao princípio constitucional da separação dos Poderes.
O mesmo argumento foi utilizado pelo próprio presidente do TST, o ministro Brito Pereira, ao defender a invalidade do dispositivo em documento enviado ao Supremo na ação declaratória de constitucionalidade (ADC) 62, ajuizada pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif) a fim de confirmar a aplicação do dispositivo.
As duas ações estão sob relatoria do ministro Ricardo Lewandowski e têm pedidos de liminares, mas nenhuma teve decisão até o momento.
Súmulas enfraquecidas
Desde que a Lei 13.467/2017 entrou em vigor, a postura do TST tem sido a de aguardar o Supremo decidir sobre a nova lei. Há ao menos 15 ações questionando a constitucionalidade de artigos da reforma pendentes de julgamento no STF, sobre temas como trabalho intermitente, índice de correção de débitos trabalhistas, tabelamento da indenização por danos morais e justiça gratuita.
A deferência do TST ao Supremo Tribunal Federal não é recente e se acentuou após a reforma, para evitar desgastes e decisões conflitantes. No ano passado, o próprio ministro Brito Pereira disse que era melhor aguardar o Supremo dar a palavra final sobre diversos temas da reforma, e que a jurisprudência iria se pacificar com o tempo.
O único movimento diferente do TST sobre a reforma foi quando o pleno ensaiou, em 20 de março, declarar a inconstitucionalidade sobre a alínea ‘f’ do artigo 702 da CLT, que afeta o próprio regimento interno do TST. Porém, como o tema foi parar no STF às vésperas da sessão que discutiria essa arguição de inconstitucionalidade, o TST decidiu, por maioria, se autoconter, ainda que não haja nenhuma ordem vinda do Supremo sobre o tema.
A tendência era de que o pleno do TST declarasse inconstitucional o dispositivo e que, a partir disso, começasse a discutir a alteração ou cancelamento de 14 súmulas e quatro orientações jurisprudenciais. O tribunal não divulgou quais seriam essas súmulas, mas o JOTA apurou que estavam no radar súmulas que tratam sobre honorários advocatícios e periciais, critérios para concessão de justiça gratuita, horas in itinere e condições para preposto.
As súmulas 90 e 320 do TST, por exemplo, determinam que é obrigatório o cômputo das horas in itinere (tempo de deslocamento entre residência e local de trabalho de difícil acesso) como jornada de trabalho, e as regras para disponibilização de transporte pela empresa. A reforma trabalhista, porém, incluiu o inciso 2 no artigo 58, fixando que o tempo gasto pelo empregado até o local de trabalho e seu retorno, por qualquer meio de transporte, incluindo aquele fornecido pelo empregador, não será computado na jornada.
As súmulas 219 e 329 também têm previsão de serem alteradas. Elas tratam sobre honorários advocatícios e conflitam diretamente com o artigo 791-A da CLT, inserido pela reforma, ao preverem critérios para condenação de honorários de sucumbência. Com a nova regra, os honorários de sucumbência são devidos em qualquer situação, para qualquer uma das partes.
Já a súmula 377 do TST, que também deve ser alterada, trata da necessidade do preposto, o representante dos diretores das empresas para comparecimento em audiência trabalhista, ser empregado da empresa. Com a reforma, o preposto não precisa mais ser empregado.
Os honorários periciais também são alvo de conflito entre jurisprudência do TST e as novas regras trabalhistas. Na súmula 457, o TST determina que a União é responsável pelo pagamento dos honorários de perito quando a parte sucumbente for beneficiária da justiça gratuita. A Lei 13.467, porém, inseriu o artigo 790-B na CLT, fixando que a responsabilidade pelo pagamento dos honorários periciais é da parte sucumbente na pretensão objeto da perícia, ainda que beneficiária da justiça gratuita.
As súmulas do TST têm efeito vinculante, devendo ser seguidas por todas as instâncias da Justiça do Trabalho. Quando algum magistrado decide de forma contrária a alguma súmula, a parte prejudicada pode impetrar um recurso de revista no TST. Porém, com súmulas desatualizadas, cria-se um impasse entre seguir a legislação ou a jurisprudência da Corte trabalhista.
Para Amorim, ficou clara a intenção do legislador de diminuir os poderes do TST de interpretação da CLT. Isso porque há a visão de que a Justiça do Trabalho tende a ser mais protetiva ao trabalhador. Para o procurador, é papel do TST equilibrar as forças dos empregadores e dos empregados na interpretação das leis, mas o TST tem se mostrado mais a favor da modernização das leis de trabalho nos últimos anos, então a tendência é de aplicar a reforma.
“O TST tem essa função que é considerada essencial, que é de fazer uma interpretação ponderada que equilibre os interesses entre o capital e o trabalho. Como a reforma é extremamente liberal, e a atende profundamente aos setores econômicos, o TST teria nessa conjuntura o papel fundamental de conferir uma interpretação que fosse ponderada, equilibrada”, argumenta. “Mas hoje o TST é muito mais liberal do que era na época em que editou essas súmulas. O tribunal está tentando ajustar as súmulas e não está conseguindo, nem para se adequar a reforma. O fato de haver uma jurisprudência unificada a respeito de uma matéria confere ao empregador a legalidade ou não de sua conduta”, destaca.
A intenção da reforma de diminuir os poderes dos TRTs e do TST vai além da limitação para alteração de jurisprudência e fica explícita na inserção do parágrafo 2º no artigo 8 da CLT. Tal dispositivo estabelece que “súmulas e outros enunciados de jurisprudência editados não poderão restringir direitos legalmente previstos nem criar obrigações que não estejam previstas em lei”. Em muitas ocasiões, o TST já ampliou a aplicação de leis por meio de súmulas, como no caso das horas in itinere.
Um efeito prático da trava na atualização de súmulas é a diminuição de possibilidade de entrar com recursos de revista no TST. O recurso de revista pode ser impetrado em caso de divergências de entendimentos entre tribunais e no caso de violação de súmulas e orientações do TST. Entretanto, como o TST não tem novas súmulas sobre a reforma trabalhista, perde-se a oportunidade de unificar jurisprudência sobre alguns temas.
“Perde-se a oportunidade de deliberar sobre essas matérias. Dificulta a formação de uma interpretação unificada e nacional, gerando insegurança jurídica, incerteza, imprevisibilidade sobre a aplicação da reforma”, diz o vice-presidente da ANPT.
Fora do radar
São muitas as ações envolvendo a reforma trabalhista no Supremo, e a maioria delas chegou à Corte nas semanas seguintes à sua vigência, em novembro de 2017. As ações envolvendo a limitação da alteração de súmulas pelo TST, por terem sido ajuizadas apenas recentemente e envolverem questão interna dos tribunais trabalhistas, não deve ganhar prioridade e dificilmente entrará na pauta deste ano no STF.
Por enquanto, o STF já finalizou o julgamento de dois temas da reforma trabalhista. O primeiro a ser julgado foi o fim da contribuição sindical obrigatória, que foi declarado constitucional pelo plenário no ano passado. Já em maio deste ano, o STF declarou inconstitucional permissão para o trabalho de grávidas e lactantes em ambientes insalubres.
Na pauta divulgada pelo presidente Dias Toffoli de agosto a novembro, o único tema referente à reforma trabalhista previsto é o tabelamento dos danos morais, previsto para o dia 3 de outubro. São três ações que discutem a constitucionalidade do artigo 223-G da CLT, inserido pela Lei 13.467, que classifica a gravidade dos delitos e o quanto se deve pagar de indenização por eles, usando como critérios de valoração os salários recebidos pelos trabalhadores.
Outros temas da reforma que aguardam decisão do STF são o índice de correção monetária a ser utilizado no pagamento de débitos trabalhistas (a reforma instituiu a TR, mas a Justiça do Trabalho vinha aplicando o IPCA-E) e a constitucionalidade dos contratos de trabalho intermitentes. Outro tema contestado no STF se refere à obrigação de pagamento de honorários de sucumbência para beneficiários da justiça gratuita.
Fonte: Jota.Info
UGT - União Geral dos Trabalhadores