16/07/2019
Gestão Covas afirma que o serviço é 'clandestino', e empresa diz que município não pode proibir
SÃO PAULO
Utilizado por mais de 200 mil usuários em seu país de origem, onde está metido em cabo-de-guerra com o governo local, o aplicativo de mototáxis colombiano Picap tem funcionado ilegalmente em São Paulo, cidade em que essa modalidade de transporte está proibida desde 2018.
As motocicletas têm ganhado destaque negativo nos debates sobre políticas viárias na capital paulista, com os seus condutores encabeçando as estatísticas de mortes no trânsito.
A disseminação de aplicativos de motofrete —como Rappi, Loggi, entre outros— têm sido vista com preocupação pela gestão Bruno Covas (PSDB), que tenta regular sua atuação na cidade ao se deparar com o recrudescimento do número de acidentes envolvendo motocicletas.
Disponível para download nas plataformas Google Play (Android) e App Store (Apple), o Picap tem interface similar à de aplicativos de transporte de carros como Uber.
Funcionando há um mês em São Paulo, o aplicativo conta ainda com número reduzido de motoristas em atividade. A Folha precisou solicitar algumas vezes a corrida para conseguir realizá-la.
Na maioria das vezes os motociclistas estavam concentrados nas regiões periféricas da cidade, especialmente nas zonas sul, leste e norte, e recusaram os chamados.
A reportagem solicitou então uma viagem entre o viaduto Jacareí, no centro de São Paulo, e o centro da cidade de Santo André, no ABC Paulista. A ideia foi a de solicitar uma corrida longa para convencer algum motociclista a aceitá-la.
Ao se encontrar com o motociclista, foi solicitada uma corrida mais curta, até o estádio do Pacaembu, passando por vias movimentadas, como as avenidas 23 de Maio e Paulista.
O repórter subiu na garupa e, posicionado entre o piloto e um baú de entregas, pôs o capacete, único artigo de segurança oferecido. O percurso foi feito em menos tempo do que seria com um carro.
Manuais de segurança no trânsito sugerem algumas medidas básicas para o passageiro que não foram oferecidas, tais como o uso de roupas de proteção (jaqueta, botas, luvas). Também é considerado prudente informar que o passageiro deve se sentar próximo do motociclista e não inclinar para o lado contrário em curvas para não desequilibrar o veículo, o que não foi feito.
Com o trânsito congestionado, o motorista e o repórter fizeram a maior parte do trajeto entre carros e caminhões, atrás de outras motocicletas. A velocidade foi mantida sempre abaixo dos 50 km/h. Para alguém inexperiente na garupa, cruzar filas de carros separado do asfalto apenas pela roupa do corpo gerou apreensão.
Em suas redes virtuais, o Picap lista suas supostas vantagens: é o 'superherói do tempo' e gera economia de 30% do valor do serviço em comparação com outros aplicativos e 55% em relação aos táxis.
Os 5 km de percurso custaram R$ 12,50 —até Santo André, no ABC Paulista, 23 km, custaria pouco mais de R$ 30.
Uma simulação do Uber em horário similar nesta segunda (15) para o percurso entre o viaduto Jacareí e o estádio resultou em taxa de R$ 14,69. Até Santo André, R$ 49,20.
Um dos autores da lei que proibiu o mototáxi na cidade, o vereador Adilson Amadeu (PTB) vê uma "tragédia anunciada". A lei também é de autoria de Antonio Donato (PT).
"É uma bola de neve. Começa do nada e logo as pessoas começam a achar positivo ir mais rápido, o trânsito é devagar, e logo não haverá mais controle. E então quem paga a conta é o município quando o motociclista e o passageiro se acidentarem", diz Amadeu, que afirma que acionará os órgãos competentes para impedir o funcionamento do Picap.
O vereador também afirma que "os motociclistas se falam muito" e que em breve grande parte deles estará fazendo uso do aplicativo caso a prefeitura não consigo brecar o impulso de crescimento. Ele manifesta preocupação com a segurança dos usuários e dos pilotos.
"O barato vai sair caro e o custo virá na saúde das pessoas. Em menos de um mês fica gigante, como aconteceu com as patinetes. E as repercussões serão imensas, muito maiores, já que as patinetes percorrem apenas distâncias curtas. No caso do mototáxi, se quiser ser levado para Pirituba, eu consigo", completa.
O crescimento veloz e incontrolável aconteceu na Colômbia, país no qual o Picap funciona desde 2016.
A revista colombiana Dinero diz que o Ministério dos Transportes colombiano classifica o aplicativo como "ilegal" porque o serviço não estaria regulamentado no país, e recorreu à Justiça para tentar conter seu funcionamento. O órgão diz que o Picap não oferece condições mínimas de segurança e tem contribuído para aumentar as estatísticas de acidentes no país. O aplicativo realiza 850 mil viagens por mês na Colômbia e conta com 20 mil motociclistas.
O Picap também está funcionando no México desde 2018 e faz movimentos para operar na Argentina e no Peru.
Ainda em fase inicial no Brasil, o Picap diz que está fazendo testes operacionais e captação de motociclistas também no Rio de Janeiro, onde a atividade de mototaxista é regulamentada; e em Belo Horizonte e Recife, onde há leis que a proíbem, como em São Paulo.
A atividade de mototaxista é reconhecida desde 2009 por lei federal. A regulamentação da lei, contudo, cabe aos municípios desde então.
Em nota, a Prefeitura de São Paulo diz que o Picap fornece serviço "clandestino", já que o mototáxi é proibido, "independentemente se prestado diretamente ou por meio de aplicativo". Também diz que pode impor ao mototaxista infrator a multa de R$1.000 e, em caso de reincidência, a apreensão da motocicleta.
Em 2018, pela primeira vez desde 1979, os motociclistas passaram a ser as vítimas mais frequentes do trânsito paulistano, ocupando a posição que antes era dos pedestres.
No ano passado foram 366 mortes de motociclistas, contra 311 em 2017, segundo dados da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego). As mortes entre pedestres também aumentaram, saindo de 331 em 2017 para 349 em 2018.
O especialista em segurança viária Horácio Figueira reprova a chegada do aplicativo e enxerga nas motocicletas um dos principais geradores de tragédias no trânsito.
“Antes de tudo, é proibido em São Paulo, não pode. Além disso, é um veículo de risco, não importa quem esteja dirigindo, até mesmo um zen-budista. Não tem a ver, no caso, com direção agressiva ou não. Isso porque o corpo do motorista e também do passageiro ficam completamente expostos ao se subir em uma moto, não tem nada para te proteger. É uma bicicleta com motor e um tanque de combustível entre as pernas”, diz.
“O Uber funciona da mesma forma que um táxi, tem cinto de segurança, airbag. No caso dessas motos, não há nada. Subir em uma motocicleta dirigida por alguém que eu não conheço e nem sei se dirige devagar ou rápido, ou se pilota bem ou mal? Acho perigosíssimo. Se já vemos situações de risco e de perigo se repetirem com os motofretistas, imagine o que seria com mototaxistas carregando passageiros na garupa”, afirma.
APLICATIVO DIZ QUE SP NÃO PODE PROIBIR ATUAÇÃO DE MOTOTÁXIS
Por meio de sua assessoria de imprensa, o Picap diz que seu entendimento legal vai ao encontro de decisões judiciais que classificam como inconstitucional a proibição do serviço de mototáxi por parte dos Executivos municipais.
"Um decreto municipal não pode contrariar uma lei federal [a de 2009], não cabendo aos municípios proibir o serviço, mas somente definir as regras para a sua execução".
A empresa menciona uma ação direta de inconstitucionalidade relativa ao Guarujá, movida por sindicato local, que questiona o poder do prefeito de estabelecer a proibição dos mototáxis.
Também menciona ação similar do Ministério Público de São Paulo contra a prefeitura na qual é solicitada a anulação da lei que proíbe os mototáxis.
Sobre as disputas legais na Colômbia, afirma que o aplicativo não é "ilegal", uma vez que a empresa "paga impostos, é legalmente incorporada e as atividades econômicas que fornece são reguladas."
A empresa lista os pré-requisitos que os motoristas devem cumprir para ter o cadastro validado: carteira de habilitação tipo A; documentos atualizados do veículo; possuir uma moto com até 10 anos de fabricação e motor de, no mínimo, 100 cilindradas; e o uso obrigatório do capacete, tanto para o condutor quanto para o passageiro.
Ressaltam que os índices de acidentes representam menos de 1% do número total de viagens pela plataforma. Segundo eles, nenhum acidente mais grave ou morte foi registrado.
Fonte: Folha de SP
UGT - União Geral dos Trabalhadores