27/06/2019
O Ministério Público do Trabalho em São Paulo (MPT-SP) ajuizou duas ações civis públicas contra empresas de aplicativo de entrega por entender que elas atuam na ilegalidade ao se omitir sobre o vínculo de trabalho com os motoboys. Os porta-vozes das plataformas argumentam que a proposta é justamente “reinventar a logística” e acabar com a burocracia, daí a falta de vínculo.
Autônomo ou empregado? Motoboys dividem opiniões sobre trabalho com aplicativos de entrega
Em 2013, a chegada dos aplicativos de entrega trouxe mudanças no segmento do motofrete: as plataformas conseguiam clientes para os motoboys e os clientes tinham a comodidade de localizar o entregador mais próximo pelo celular. Nesse início de operação, os motoboys dizem ter acumulado uma renda de aproximadamente R$ 4 mil por mês em média, sem descontos.
A grande quantidade de motociclistas pleiteando a realização do serviço, no entanto, possibilitou que as empresas conseguissem preços ainda mais competitivos no mercado por meio da redução das tarifas de entrega. De acordo com os profissionais entrevistados pela reportagem, a renda caiu para aproximadamente R$ 2 mil por mês em média, sem descontos.
Motociclistas protestam contra aplicativo de entrega de comida — Foto: Reprodução/TV Globo Motociclistas protestam contra aplicativo de entrega de comida — Foto: Reprodução/TV Globo
Motociclistas protestam contra aplicativo de entrega de comida — Foto: Reprodução/TV Globo
Sem autonomia para negociação dos preços e sem suporte para a realização do serviço, os motoboys se viram em um limbo jurídico, sem entender se deveriam reivindicar melhorias como profissionais autônomos, apesar de não emitirem nota fiscal na maioria dos casos, ou como funcionários das empresas, apesar de escolherem o horário de trabalho.
Em agosto de 2018, o Ministério Público do Trabalho em São Paulo (MPT-SP) propôs uma ação civil contra a Loggi no valor de R$ 200 milhões, 0,5% do faturamento da empresa. Para os promotores ficou comprovado que “os condutores profissionais são marionetes de um aplicativo” e que o desequilíbrio no mercado promove “dumping social” sobre as empresas tradicionais, conforme a Lei Federal 12.529/11, que estrutura a concorrência.
Dumping social é uma prática dos empregadores para usar mão-de-obra mais barata do que a normalmente disponível em seu local de produção.
Meses mais tarde, em fevereiro de 2019, o MPT-SP entrou com uma ação contra o iFood pelo mesmo motivo: burlar a relação de emprego. Os promotores pedem o reconhecimento do vínculo e uma indenização por dano moral coletivo de no mínimo R$ 24 milhões, 5% do faturamento bruto da empresa, pois o aplicativo não é o fim, mas “um meio para a operacionalização de sua atividade principal, seu verdadeiro objetivo empresarial”, que seria o motofrete.
Segundo o MPT-SP, “de lá para cá houve audiências judiciais convocadas pelo juiz do Tribunal do Trabalho, que chamou as partes para serem ouvidas. Os casos ainda não foram julgados e há uma nova audiência marcada para agosto”.
Profissionais que atuaram desde a chegada dos aplicativos de entrega se uniram para formar cooperativa Equipe Motoboys — Foto: Celso Tavares/G1 Profissionais que atuaram desde a chegada dos aplicativos de entrega se uniram para formar cooperativa Equipe Motoboys — Foto: Celso Tavares/G1
Profissionais que atuaram desde a chegada dos aplicativos de entrega se uniram para formar cooperativa Equipe Motoboys — Foto: Celso Tavares/G1
Efetivo alocado na nuvem
Antes dos processos do Ministério Público do Trabalho, o Ministério do Trabalho, em Brasília, também considerou que há vínculo entre as empresas e os motoboys, e, em dezembro de 2017, multou a Loggi em R$ 2 milhões. Meses depois, em junho de 2018, a pasta multou o Grupo Movile, que controla o iFood, em R$ 1 milhão.
Ambas as punições foram por descumprir as leis trabalhistas, como a falta de registro na carteira profissional e o recolhimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).
Para os auditores fiscais, a empresa oculta a relação de emprego, pois vende um serviço de entregas rápidas com preço e produto definidos por ela mesma e monitora o procedimento das entregas, punindo passos errados, o que confirmaria o poder diretivo da empresa no negócio.
"Não somos parceiros de negócio nem aqui, nem na China. Queremos que os aplicativos reconheçam o vínculo e arquem com os encargos trabalhistas. A Prefeitura é conivente ao deixar fazerem o que quiserem. Para as patinetes já soltaram norma, mas para nossa categoria, que é reconhecidamente uma das mais perigosas, não", disse Gilberto Almeida dos Santos, conhecido como Gil, presidente do Sindicato dos Mensageiros Motociclistas do Estado de São Paulo (Sindimoto).
Protesto de motociclistas contra valor do frete de aplicativo — Foto: Reprodução/TV Globo Protesto de motociclistas contra valor do frete de aplicativo — Foto: Reprodução/TV Globo
Protesto de motociclistas contra valor do frete de aplicativo — Foto: Reprodução/TV Globo
Questionada pela reportagem se estuda alguma solução sobre a atividade dos aplicativos de entrega, a Secretaria de Mobilidade e Transportes da Prefeitura de São Paulo informou que tem discutido a regulamentação do serviço, pois dados da CET apontam que o número de mortes de motociclistas que fazem entregas aumentou 78,5%, de 28 mortes em 2017 para 50 em 2018, “o que demonstra que é preciso agir para garantir a segurança dos motofretistas e também dos demais usuários do sistema viário”.
A fiscalização dos auditores do Ministério do Trabalho também apontou a falta de suporte aos custos com o veículo e com a segurança do entregador, o que configuraria evasão fiscal, com ganho de competitividade no mercado tradicional, menor recolhimento de ISS pelo município e prejuízo nas contas previdenciárias.
O que dizem os aplicativos
Loggi
Em nota, a Loggi reconhece que está “reinventando a logística no país”, conectando e-commerce, escritórios e comércios a uma rede de entregadores autônomos. A empresa se afasta dos demais aplicativos, destacando que, além de não ser focada na entrega de comida, precifica o serviço de acordo com a quilometragem rodada, e não ao tempo de entrega e velocidade do motoboy.
A empresa diz ainda que tem mais de 20 mil entregadores cadastrados, todos microempreendedores individuais (MEI) para o cumprimento de exigências legais e de segurança, garante que em seus seis anos de existência, “nunca houve registro de acidente fatal em rotas intermediadas pela Loggi” e conclui se posicionando “a favor de uma regulamentação inovadora, baseada em evidências, que garanta a liberdade e a valorização dos entregadores e que mantenha todos os impactos positivos gerados até agora”.
iFood
Em nota, o iFood se posiciona como um marketplace, que conecta restaurantes a parceiros de entrega, e informa que gera oportunidade para cerca de 120 mil entregadores independentes, que decidem quando ficam disponíveis e se vão trabalhar para outras plataformas também. Sobre a precificar do serviço, a empresa diz que considera a distância percorrida e o tempo de conclusão da entrega.
UGT - União Geral dos Trabalhadores