15/05/2018
Cerca de 70% dos consumidores americanos farão compras de itens de mercearia pela internet até 2024, de acordo com uma pesquisa divulgada em janeiro pelo Food Marketing Institute (FMI) e pela Nielsen. Os dados reunidos em "Digitally Engaged Food Shopper" apontam ainda que as vendas por esse canal devem atingir US$ 100 bilhões até lá, o que significa que cada lar vai gastar US$ 850 anuais com a compra digital de comida e bebidas.
O Brasil, porém, ainda está muito longe desse cenário. Apenas 2% dos consumidores fazem suas compras por canais virtuais, segundo dados da pesquisa sobre hábitos de consumo realizada pela Associação Paulista de Supermercados (Apas) e pelo Ibope Inteligência, divulgada durante a Apas Show 2018, na semana passada. Ainda de acordo com o estudo, a porcentagem não evoluiu muito desde 2014, quando apenas 1% dos clientes declarou fazer suas compras pela internet.
O público que se abastece nas gôndolas digitais tem um perfil bastante restrito: concentra-se em homens jovens, principalmente das classes A e B.
A maior inserção dos supermercados brasileiros no formato multicanal é considerada uma urgência pelo varejo. Ainda mais levando em conta os avanços feitos por gigantes globais como a Amazon. Em janeiro a empresa lançou sua loja Amazon Go: com tecnologia de vídeo, sensores e QR Code, o sistema identifica quando o cliente entra na loja, registra as compras no celular assim que ele retira o produto da gôndola e realiza o pagamento por cartão de crédito automaticamente quando ele sai da loja, sem necessidade de passar pelo caixa.
De acordo com Nelson Barrizzelli, doutor em finanças e marketing pela FEA-USP, o Brasil demorou mais de 30 anos para entrar na era digital por conta da reserva de informática que vigorou até 1992. "Ainda estamos sofrendo o fato de que duas gerações ficaram sem possibilidade de treinar na era da informática", afirma.
O presidente do Grupo Pão de Açúcar (GPA), Peter Estermann, diz que o varejo passa por uma grande revolução, que se nota principalmente no segmento de eletroeletrônicos. "Os varejistas de eletroeletrônicos passaram por uma transformação gigantesca nos últimos dois anos. No varejo alimentar também passamos por um momento de mudanças muito intenso", afirma. Para ele, é fundamental que os supermercados tenham o mundo físico e o virtual totalmente integrados, de forma a potencializar as oportunidades de negócio.
Estermann cita os exemplos dos aplicativos do grupo, Pão de Açúcar Mais e Clube Extra, que atualmente contam com 15 milhões de associados. Mais do que uma ferramenta de fidelização, os aplicativos reúnem uma massa de informações sobre os hábitos dos consumidores. "Quando lançamos a ferramenta Meu Desconto, dentro desses aplicativos, conseguimos fazer ofertas mais personalizadas a partir da análise desses dados, melhorando a experiência de compra do cliente", diz ele, acrescentando que há um mês foi agregado um novo serviço de fidelização que permite resgatar prêmios conforme o nível de compras do consumidor.
Além de usar a própria base de dados, os supermercados também podem obter informações preciosas monitorando as redes sociais, segundo Noël Prioux, CEO do Carrefour Brasil. "Antes de visitar uma loja, a primeira coisa que faço é entrar no Google. Assim posso ver o que pensam os clientes. Na internet é possível encontrar opiniões sobre cada loja, além de fotos e vídeos. É uma ferramenta muito poderosa."
A maior demora do varejo de alimentos em avançar no mundo virtual reflete em parte a crise econômica enfrentada pelo país nos últimos anos, segundo Walter Faria Jr., membro do Conselho da Coca-Cola para a América Latina e que durante nove anos presidiu o grupo atacadista e distribuidor Martins.
Para realizar a integração dos mundos físico e virtual nos supermercados, segundo ele, é necessário compreender de forma mais aprofundada a rotina de compra dos consumidores. "É preciso entender melhor como influenciar o comprador antes, durante e depois da compra", diz ele. Faria Jr. ressalta que os consumidores já estão bastante conectados, mas que o desafio está justamente em saber como transformar essa conexão em negócios.
Segundo o presidente do GPA, essa oportunidade de negócios surge a partir da análise de dados de consumo dada pelo cadastro dos clientes em seus aplicativos. De acordo com ele, o grupo já conta com 80% de seus clientes cadastrados.
"Com a análise desses dados de cadastro, podemos entender o momento de compra de cada categoria e de cada consumidor", diz. Pesquisas de mercado, como a do Ibope Inteligência, também ajudam a entender as tendências atuais dos hábitos de consumo. De acordo com o estudo, a maior parte dos consumidores (59%) faz compras acompanhada. Destes, 57% vão ao supermercado com o cônjuge e 28% com os filhos.
Outro dado importante: consumidores não se mostram fiéis a uma única rede de supermercados. A maioria dos entrevistados (64%) divide as compras entre duas ou mais lojas. Com relação ao dia preferido para as compras, 27% citaram o sábado e 22% disseram que não têm nenhuma preferência.
A pesquisa mostrou ainda que 88% dos consumidores gostam de comprar produtos prontos industrializados, especialmente o público das classes A e B formado por homens e jovens. Porém, 46% dos entrevistados disseram que reduziram o consumo dessa categoria nos últimos meses para conter gastos.
Depois da identificação das necessidades e hábitos dos clientes, vem outro desafio, segundo Estermann: o logístico. É preciso que as lojas estejam preparadas e que o produto esteja disponível quando o consumidor buscar por ele. "É o básico ter o básico bem feito", afirma o executivo.
Nelson Barrizzelli ressalta que no Brasil algumas redes de varejistas em ramos como os de eletroeletrônicos e de livros tentaram abraçar o universo virtual mas, por problemas logísticos, por pouco não faliram. "No caso dos supermercados, essa questão pode ser ainda mais crítica, se pensarmos que há muitos itens perecíveis", afirma.
Para Estermann, as questões logísticas precisam ser estudadas conforme o modelo de loja do supermercado. "Uma das tendências fortes de hoje é a das lojas de vizinhança, especialmente em zonas urbanas adensadas e com dificuldade de mobilidade", diz ele.
O executivo conta que há quatro anos o GPA tem um centro de distribuição especializado para as entregas das lojas de proximidade, que também é responsável pelas entregas de compras feitas pela internet. "O desafio do modelo de proximidade está altamente ligado com o modelo logístico adotado. Além das entregas por centros de distribuição, em alguns casos é possível fazer entregas a partir das próprias lojas. Isso diminui bastante o tempo de entrega", diz ele, para quem as lojas de proximidade são uma das principais tendências do varejo supermercadista hoje, assim como as lojas premium.
Classe média corta gastos e opta por experiência doméstica
Os lares de classe média dos países desenvolvidos não tiveram nenhuma melhora significativa em seu padrão de vida desde a crise financeira global de 2008, segundo um estudo da Euromonitor International. Esse fato, que resulta da estagnação ou do crescimento fraco da economia desses países desde então, reflete diretamente nas decisões de compra.
Na América Latina, não é diferente. Segundo Alexis Frick, gerente de pesquisa da consultoria, embora o número de pessoas que pertence à classe média esteja crescendo na maioria dos países da região, nos últimos anos essa faixa da população teve rendimentos menores devido às incertezas econômicas. "Desde o início da crise os consumidores passaram a adotar hábitos de consumo que dão preferência à racionalidade dos gastos e tendem a manter alguns desses hábitos mesmo quando o cenário melhorar. A renda disponível no lar teve crescimento no ano passado em relação a 2016, mas ainda não voltou ao nível pré-crise."
De acordo com a pesquisa da Euromonitor, realizada em 2017, 60% dos consumidores de classe média brasileira declararam que têm intenção de economizar mais, em comparação a pouco mais de 30% que declararam que devem manter o mesmo nível de gastos. Na Colômbia e no México, a porcentagem de quem diz que vai apertar o cinto chega a 70%.
Nesse cenário, a fidelidade dos consumidores às marcas também muda. "A classe média está trocando as marcas tradicionais por outras, mais baratas. E está mais aberta a consumir produtos de marca própria dos supermercados, vistos como alternativas mais em conta", explica Frick. Para ele, essa tendência é uma oportunidade que pode ser mais bem aproveitada pelos supermercadistas, assim como o fato de que esses clientes estão deixando de frequentar restaurantes para economizar. "As pessoas estão indo menos a restaurantes e bares, mas querem reproduzir em casa a mesma experiência gastronômica. Atender a esse desejo é algo que os supermercados podem explorar melhor", diz ele.
Frick destaca que a venda de produtos gourmet está ganhando espaço por esse motivo e exemplifica com os números relativos ao desempenho da categoria de cervejas. Segundo a Euromonitor, desde 2011 a venda de cervejas do tipo premium tem crescido mais do que a de cervejas comuns: enquanto as premium avançaram cerca de 14% entre 2015 e 2016, as comuns cresceram aproximadamente 10% na América Latina.
Outra grande tendência, além da redução de gastos, é a procura por produtos mais saudáveis. O estudo da Euromonitor mostra que o aumento de demanda por esses itens está associado à maior conscientização dos consumidores e também ao fato de que os governos latino-americanos têm adotado novas leis para alertar os cidadãos sobre problemas alimentares e seus reflexos na saúde. "Da mesma forma já vemos movimentos de varejistas que começam a implementar estratégias para orientar os consumidores a fazer escolhas mais saudáveis", afirma Frick.
Para Bruno Paro, diretor-executivo do Ibope Conecta, o processo de conquista dos clientes e de oferta de uma nova experiência de compra nos supermercados passa também pela adoção de ferramentas digitais.
Uma pesquisa realizada com cerca de dois mil internautas em março mostrou uma grande aceitação com formatos inovadores como o da recém-chegada loja da Amazon Go, na qual todo processo de compra é simplificado com o uso do celular, sem necessidade de passar por um checkout. Mais de 70% dos respondentes afirmaram que acham esse modelo mais prático, enquanto 49% acreditam que vai dar mais agilidade às compras e 41% pensam que esse formato atende ao desejo de novas experiências de compra. "Apesar disso, os entrevistados também expressaram insegurança e nesse fator está a oportunidade e a necessidade de os supermercados conquistarem os clientes", diz Paro. Ele se refere aos números que mostram que 42% dos consumidores têm receio de não encontrar ajuda de funcionários em uma loja tão automatizada, enquanto 35% avaliam que o modelo não transmite segurança.
Com relação ao atendimento por totens eletrônicos, nos quais é possível, por exemplo, fazer um pedido de refeição, 35% declararam que já fizeram compras dessa forma e que o sistema não apresentou problemas. "Uma parcela de 35% dos respondentes afirmou já ter utilizado totens em supermercados e 32% declararam já ter tido essa experiência em cinemas", diz Paro.
UGT - União Geral dos Trabalhadores