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Histórica Greve dos 300 mil completa 65 anos


27/03/2018

Por Osvaldo Bertolino

 

Em 26 de março de 1953, os trabalhadores das indústrias têxteis e metalúrgicas iniciaram uma paralisação geral, que teve o epicentro na cidade de São Paulo e entrou para a história com o nome de “Greve dos 300 mil”. Foi o pico de uma onda que representou também a vitória do direito à greve ao desafiar um decreto-lei de 1946, outorgado pelo então presidente da República, o general Eurico Gaspar Dutra, determinando regras que na prática inviabilizava este direito assegurado na Constituição, um movimento comandado pelo Partido Comunista do Brasil, então com a sigla PCB.

 

As primeiras manifestações organizadas dos trabalhadores ocorrem em Porto Alegre, no estado do Rio Grande do Sul. O famoso hino do Grêmio de Futebol Porto Alegrense, escrito por Lupicínio Rodrigues, ícone da Música Popular Brasileira, imortalizou aquele momento. “Até a pé nós iremos, para o que der e vier; mas o certo é que nós estaremos, com o Grêmio onde o Grêmio estiver”, diz a letra, uma referência à greve nos serviços de bondes, no qual havia trabalhado como aprendiz de mecânico. As más línguas dizem que ele fez uma provocação ao arquirrival, o Sport Clube Internacional, conhecido como o “clube do povo”.

 

O Partido vivia uma contradição. Não apoiou o governo de Vargas, eleito em 1950, que aplicava uma política voltada à meta de imprimir um novo ritmo ao país, e pagaria o preço dessa opção quando se viu ao lado da direita no episódio do suicídio do presidente, que se deparara com problemas complexos ao assumir a Presidência da República. A alta do custo de vida, que se acelerou ainda no governo Dutra, agravou os conflitos sociais. A situação da balança de pagamentos se deteriorou rapidamente. O passivo foi coberto à custa de empréstimos contraídos no estrangeiro. Ao mesmo tempo, agravaram-se a falta de energia elétrica e os problemas com o transporte, afetando o desenvolvimento da economia.

 

Molde da Guerra Fria

 

O clima de “desassossego”, como dizia do PCB, se manifestava no governo, reflexo da luta entre as correntes nacionalistas e entreguistas. A solução adotada por Vargas, de forte intervenção do Estado na economia, respondia à necessidade de “suprir as deficiências da iniciativa privada, ou acautelar os superiores interesses da nação, quer contra a ação predatória destas forças de rapina, que não conhecem outra bandeira nem cultuam outra religião que não seja a do lucro”, segundo mensagem enviada pelo presidente ao Congresso Nacional.

 

A atenção estava concentrada nas medidas que asseguravam o desenvolvimento pela via da industrialização, apoiado no capital nacional e orientado para o mercado interno. A heterogeneidade, no entanto, às vezes empurrava o governo para a colaboração com o capital estrangeiro, mas o presidente reforçava o controle nacional sobre todas essas operações. Por esse meio, pretendia solucionar os problemas da falta de divisas, do desemprego e da soberania do país. Para atingir esses objetivos, Vargas apelou para a colaboração dos trabalhadores e dos empresários, sob a arbitragem do Estado.

 

O país que vagueava sem rumo começava a ter nova feição. O presidente atendeu a algumas reivindicações dos trabalhadores das camadas inferiores das cidades, angariando considerável popularidade. Em 1951, uma lei proibiu os bancos e pessoas particulares de cobrar juros anuais sobre créditos superiores a 12%. Em janeiro de 1952, o salário mínimo, sem aumento desde 1943, recebeu um reajuste considerável. Apesar dessas medidas, o impulso da onda grevista que surgia no país aumentou. Em 1951, 264 mil trabalhadores participaram de greves. Em 1952, esse número subiu para 411 mil e, em 1953, chegaria a 800 mil.

 

O PTB, que Vargas dirigia, não dispunha de maioria no Congresso Nacional. Para ter governabilidade, o presidente formou uma ampla coalizão. Mas os partidos de direita, a mídia e muitas organizações empresariais formaram uma aliança conspiradora e passaram a hostilizar Vargas. O apoio limitado à lógica da Guerra Fria e o estabelecimento do controle nacional sobre o petróleo com a criação da Petrobras provocaram irritação nos Estados Unidos que, em 1953, retiraram seus técnicos de uma comissão americano-brasileira de cooperação econômica criada por Dutra.

 

Quando Vargas voltou à Presidência da República, o país já estava enquadrado no molde da Guerra Fria. Ele iniciou uma administração dúbia, cedendo aos setores golpistas das Forças Armadas, porta-vozes dos interesses militares norte-americanos, com o acordo militar Brasil-Estados Unidos — segundo Pedro Pomar um “tratado de colonização, de terror e de guerra”, conforme ele escreveu na Voz Operária —, ao passo que amainava a repressão política. Com o passar do tempo, o governo também enfrentou o imperialismo, criando uma lei de remessa de lucros para obrigar as empresas estrangeiras a investirem no país. O clima golpista se instalou. O pavio começou a arder atrás de Vargas.

 

Orientação comunista

 

Como Pedro Pomar conhecia bem São Paulo, por ter sido o principal dirigente do PCB no estado e seu representante na Câmara dos Deputados, além de ser um experiente dirigente comunista, o Comitê Central deslocou-o para a capital paulista como principal articular político da greve. Formou-se uma comissão especial, também integrada por Calil Chade e Moisés Vinhas, ligada à Comissão Executiva. Oficialmente Pedro Pomar era jornalista contratado pelo jornal do PCB de São Paulo, o Notícias de Hoje.

 

Os comunistas passavam por um ajuste na linha de atuação na frente sindical. Era um problema antigo. O Manifesto de Janeiro de 1948 dizia que a luta pelas reivindicações imediatas das massas trabalhadoras deveria ser organizada dentro das entidades sindicais já existentes ou, onde isso fosse impossível, em novas organizações profissionais criadas nos próprios locais de trabalho. A indicativa de formação de associações profissionais estava vinculada à impossibilidade de atuação nos sindicatos existentes sob a intervenção do Ministério do Trabalho.

 

No documento de Maurício Grabois Mobilizar grandes massas para defender a paz e derrotar o imperialismo e a ditadura, de agosto de 1949, ele criticou a posição de abandonar os sindicatos oficiais, dizendo que a militância sindical havia compreendido esquematicamente a importância da criação das associações profissionais. O fundamental para os comunistas era a organização por local de trabalho e as lutas pelas reivindicações econômicas imediatas dos trabalhadores.

 

Os comunistas, apesar das duras críticas à estrutura sindical vigente, lutavam por eleições livres para as direções sindicais, sem a intervenção direta do Ministério do Trabalho, e o fim do imposto sindical como condições para o estabelecimento da efetiva liberdade sindical. A própria composição da Confederação dos Trabalhadores do Brasil (CTB), criada em 1946, refletia essa concepção ampliada. Na resolução aprovada em sua 1ª Conferência Nacional, ficou estabelecido que dela poderiam participar os sindicatos, as organizações operárias de caráter beneficente, cooperativa e social, e as associações profissionais.

 

No balanço sobre o desenvolvimento da sua política sindical desde o início de 1948, a direção do PCB foi bastante crítica. O documento Ampliar a organização e a unidade da classe operária, aprovado em julho de 1952, diz que os comunistas não haviam posto em prática a unidade do movimento operário. A própria diretiva de organização nas empresas, acertada em princípio, para ser justa deveria ter apresentado claramente como tarefa precípua o reforço da luta dos trabalhadores e levá-los à conquista de seus sindicatos e não à criação de novas associações profissionais ou de uma nova organização sindical no país.

 

Ritmo organizado à greve

 

Pedro Pomar foi para a direção política daquele movimento grevista munido dessa orientação. No começo de 1953, cada paralelepípedo dos bairros operários de São Paulo parecia ser testemunha de que uma grande injustiça estava prestes a ser enfrentada. Os protestos esparsos dos dois anos anteriores ganharam volume quando os trabalhadores da fábrica de tecidos Matarazzo, no bairro Belenzinho, pararam no dia 21 de março. Reivindicavam 60% de aumento, estabilidade no emprego e medidas contra a carestia.

 

Foi um rastilho de pólvora. Trezentos mil trabalhadores dos principais ramos industriais paralisaram suas atividades por vinte e nove dias, conquistaram 32% de aumento e garantiram, na prática, o direito de greve. Um comando intersindical transformou-se no Pacto de Unidade Intersindical (PUI), depois Pacto de Unidade e Ação (PUA), embrião de uma nova central sindical.

 

Na condição de principal responsável do PCB à frente do movimento, Pedro Pomar imprimiu um ritmo bem organizado à greve. João Saldanha e Carlos Marighella também estavam em São Paulo e ajudaram a sustentar a paralisação. Já no dia 18 de março de 1953, fizeram a “Passeata da Panela Vazia”, que contou com a participação de sessenta mil trabalhadores. Daí para a greve que paralisou a principal cidade do país foi um pulo.

 

O Comitê Nacional do Partido Comunista do Brasil emitiu uma nota em 4 de abril de 1953, dirigida “a todos os operários” e “ao povo brasileiro”, saudando calorosamente a greve. Segundo o documento, uma onda de indignação popular varria o país “contra a política de guerra, de traição nacional, de miséria crescente e de terror policial de Vargas e demais politiqueiros que o apoiavam”. “Após as memoráveis lutas do povo gaúcho, as grandes greves dos têxteis de Pernambuco e do Distrito Federal, quando os irmãos do Nordeste foram obrigados a invadir feiras e povoados para tentar matar a fome de seus filhos, ergueu-se no maior centro industrial do país a classe operária”, dizia o documento.

 

Osvaldo Bertolino, jornalista

 

Fonte: Fundação Mauricio Grabois


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