14/03/2018
O Zoológico de São Paulo, que completa 60 anos nesta sexta-feira, pode passar – pela primeira vez na história – o aniversário sem nenhum visitante. Fechado desde 23 de janeiro, quando foi confirmado que um bugio achado morto no local estava com febre amarela, o Zoo amarga prejuízo de quase R$ 6 milhões e a demissão de cerca de cem de funcionários de lojas e lanchonetes. Segundo a Secretaria de Estado da Saúde, não há prazo para reabertura.
A interdição do zoológico atingiu ainda o Safári, o Jardim Botânico e o Parque de Ciência e Tecnologia, da Universidade de São Paulo (USP). As unidades integram o Parque Estadual Fontes do Ipiranga – a maior área de Mata Atlântica na área urbana da Grande São Paulo.
Apesar de não haver público, os 320 funcionários do Zoo continuam trabalhando diariamente, em meio apenas ao barulho dos bichos, para alimentar e cuidar dos mais de 3 mil animais. “O pessoal (funcionários) também sente, está acostumado com a correria das crianças. Esse silêncio incomoda todo mundo”, conta o diretor-presidente da Fundação Parque Zoológico de São Paulo, Paulo Bressan.
Por causa da febre amarela, quatro equipes fazem rondas em busca de macacos mortos. Desde novembro, houve 14 mortes de primatas, mas apenas um registro de infecção pelo vírus da febre amarela – o do bugio, que resultou no fechamento do parque. Segundo Bressan, uma série de medidas foi adotada para proteger os primatas. Os 13 animais que ficavam em estruturas ilhadas no lago foram removidos, e os recintos que agora abrigam os macacos – 172 de diferentes espécies – receberam telas para impedir a aproximação de mosquitos que podem transmitir a doença.
“Mico, macaco-barrigudo, macaco-prego, bugio e macaco-aranha são as espécies mais suscetíveis ao vírus da febre amarela. Já o chimpanzé e o orangotango são primatas mais resistentes”, explica Fabrício Rassy, chefe da divisão de veterinária do zoológico. De acordo com ele, 126 animais tiveram o sangue colhido para análise de infecção pelo vírus, apesar de não terem apresentado sintomas.
O surgimento do vírus da febre amarela no zoológico intriga os funcionários, porque o parque não tem ligação com outras áreas verdes – os chamados corredores ecológicos. Quando o fechamento do Zoo foi anunciado pelo governo, uma das hipóteses apresentadas pelo próprio governador Geraldo Alckmin (PSDB) era de que o bugio tivesse sido abandonado por traficantes de animais, após ter sido capturado e adoecido.
Na semana passada, outra versão foi apresentada pelo Instituto Adolfo Lutz. O macaco teria sido infectado por uma pessoa assintomática com o vírus circulante em Piracaia (SP). Essa linha é a mais aceita pelos representantes do Zoo. “O bugio vive em grupos e fica agressivo com humanos. Ele não é um pet. E o traficante não está preocupado em cuidar bem ou mal. Esse bugio estava sendo monitorado, estava letárgico e em grupo”, disse Bressan. A população do entorno do parque foi vacinada.
Em nota, a Secretaria de Estado da Saúde informou que o parque continua fechado porque dois bugios foram encontrados doentes na semana passada, e a causa do adoecimento é investigada. A pasta disse ainda que a Superintendência de Controle de Endemias (Sucen) está fazendo a coleta e análise de mosquitos no local. Segundo a secretaria, a data de reabertura deve ser definida em até dez dias.
Finanças. De acordo com o diretor-presidente do Zoo, sem público, o local está sendo mantido com os recursos do caixa, e as consequências podem ser observadas principalmente entre os permissionários – pessoas que administram os estabelecimentos dentro do parque e os serviços associados, como restaurantes, lanchonetes, lojas de lembrancinhas e deslocamento por vans.
“Do nosso orçamento, só 15,5% vem do Tesouro e, fechados, estamos sem receber dos permissionários e da bilheteria. O gasto vai para R$ 6 milhões em dois meses sem funcionar”, lamentou Bressan. “Os permissionários demitiram cerca de cem pessoas, mas, se contarmos os empregos indiretos que foram atingidos, como fornecedores, o número sobe para 400.”
Vazio, o Zoo cancelou a programação organizada para o aniversário de 60 anos. “Todo ano fazemos atividades para os visitantes. Tudo está suspenso e vai ser difícil retomar.”
Depoimento: ‘Animais estão acostumados com o público'
Estou aqui há muito tempo e esta é a primeira vez que o parque está fechado desse jeito. Lembro que nos anos 1990 enfrentamos uma greve, e o portão ficou fechado por um dia. Fui contratada em 1992, para trabalhar como bióloga no setor de mamíferos. Depois de oito anos, fui transferida para o setor de nutrição e, após mais três anos, para a área de comportamento animal. Depois de mais oito anos, vim para a divisão que trabalha com aves, mamíferos, répteis e com a parte de comportamento.
A gente precisa da bilheteria para manter o parque, e temos uma preocupação com os visitantes. O zoológico é um ponto turístico e recebe muitas escolas municipais e estaduais. Sempre falamos que as pessoas vêm aqui pelo menos três vezes na vida: quando criança, para trazer o filho e, depois, com o neto. Muitas vezes, elas se lembram de excursões com a escola.
No ano passado, sentimos o impacto da crise financeira e, dentro das possibilidades, trabalhamos com educação ambiental para trazer mais público, apresentamos e batizamos filhotes. Nossa bilheteria não caiu muito.
É difícil ver o zoológico fechado. Estamos acostumados com a gritaria das crianças e, quando caminhamos agora, só encontramos funcionários.
Quando a gente teve de fechar o parque, sentimos que os animais estavam descansando, porque aqui funciona de segunda a segunda. Eles ficaram até mais relaxados. Mas os animais estão acostumados com o público. Quem sente mais são os primatas, que são mais carismáticos. A onça-pintada interage muito com o público, e é comum vê-la pular no vidro, assustando os visitantes. Agora ela está apática.
A gente tenta suprir (a falta de visitantes) com os funcionários, que fazem companhia, porque os animais não entendem o que está acontecendo. De repente, é só silêncio. Nós intensificamos as atividades de enriquecimento, como colocar brinquedos e fornecer alimentos de forma diferente para que eles procurem.
Nunca passamos por uma crise tão séria. Na próxima sexta-feira será o aniversário de 60 anos do Zoo e a gente tinha feito uma programação especial. Será o primeiro aniversário em que o zoológico vai passar fechado - e o último, espero.
*Ana Maria Beresca, bióloga e chefe da Divisão de Ciências Biológicas da Fundação Parque Zoológico de São Paulo
Fonte: Estadão
UGT - União Geral dos Trabalhadores