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Mudanças epidemiológicas


03/11/2008

Por Thiago Romero

Agência FAPESP - A proporção de cesarianas nas gestantes de Pelotas (RS) aumentou de 28% para 45% durante os anos de 1982 e 2004. O crescimento é apenas uma entre dezenas de conclusões de um amplo estudo realizado por pesquisadores da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), cujos resultados deram origem a um suplemento especial com 11 artigos que acaba de ser publicado nos Cadernos de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

O projeto de pesquisa inédito estudou, no terceiro município mais populoso do Rio Grande do Sul, mais de 15 mil nascimentos ocorridos em 1982, 1993 e 2004. O objetivo foi detectar e analisar mudanças em aspectos importantes relacionados à saúde de mães e crianças, de modo a subsidiar programas e políticas de saúde que levem em conta dados das duas últimas décadas.

O trabalho mostra que a cesárea tem altas taxas, chegando, nos hospitais particulares, a taxas próximas a 90%. Só não nasce de cesárea a criança que já chega nascendo", disse um dos coordenadores do trabalho, Aluísio Dornellas de Barros, professor do Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia da UFPel.

O levantamento aponta para uma forte percepção das mães de que a cesárea é mais segura, por ser menos dolorida e envolver mais tecnologias. "Temos uma cultura no Brasil de pouca analgesia no parto normal. Hoje já há trabalhos mostrando que, apesar de ser pequena a diferença, o risco da cesárea para a mãe e para o bebê pode ser maior que o do parto normal", apontou.

Dos 15 mil nascimentos nos três períodos em análise, praticamente todas as mães, que moravam na zona urbana de Pelotas, foram identificadas e entrevistadas. "As perdas foram mínimas, de modo que mais de 98% dos nascimentos em cada ano foram incorporados ao estudo", afirmou Barros.

As mães e crianças foram visitadas em intervalos regulares. "A coorte [grupo numeroso de pessoas] de 2004, por exemplo, foi avaliada ao nascimento e também aos 3, 12, 24 e 48 meses. Outra visita está agendada para quando as crianças completarem 7 anos", disse ele, lembrando que uma série de outros trabalhos foram realizados, que trazem dados sobre temas como composição corporal, desenvolvimento infantil, saúde mental, saúde bucal e função pulmonar dos bebês.

Para Barros, os estudos de coorte de nascimentos (conjunto de pessoas que nasceram no mesmo período) trazem uma perspectiva única para as mudanças epidemiológicas ao longo do tempo, como o estudo em questão que comparou três públicos distintos com 11 anos de intervalo.

"As coortes de Pelotas já deram origem a dezenas de artigos que tratam desde questões da saúde perinatal até doenças crônicas do adulto, uma vez que os integrantes da coorte de 1982, por exemplo, estão hoje com 26 anos e começando a apresentar problemas como hipertensão e dislipidemias [aumento anormal da taxa de lipídios no sangue]", explicou.

Tais artigos, aponta Barros, podem ser lidos na base PubMed, do Centro Nacional para Informação em Biotecnologia dos Estados Unidos, bastando digitar "pelotas cohort" no campo de busca.

O trabalho foi desenvolvido em parceria com outros professores do Departamento de Medicina Social e do Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia da UFPel, entre eles Iná Santos e César Gomes Victora, que ganhou recentemente o Prêmio Abraham Horwitz, concedido anualmente pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas).

Menos mães fumantes

Os pesquisadores sugerem que o elevado aumento nas cesarianas em Pelotas seria uma das causas do que chamam de "epidemia de nascimentos prematuros", cuja proporção subiu de 6,3% em 1982 para 14,7% em 2004 na população em análise.

"Há uma grande discussão sobre esse assunto. Tínhamos uma idéia inicial de que só a cesariana seria responsável pelos nascimentos prematuros, mas não é tão simples assim. Depois de várias análises verificamos que há uma conjunção de fatores que levam a isso", disse Barros.

Entre as hipóteses levantadas estão os avanços recentes relacionados à medicalização do parto em geral, que oferece aos médicos mais facilidades para a cesariana, além do receio freqüente de levar uma gestação adiante quando o obstetra identifica algum problema. "Eles acreditam que a criança vai estar melhor fora da barriga do que dentro, em função de todas as tecnologias disponíveis nas unidades de terapia intensiva", afirmou.

A baixa qualidade das imagens dos aparelhos de ultra-som usados para avaliar a idade gestacional, questionada pelos estudos, também pode estar enganando os profissionais da saúde. "Muitas vezes o obstetra pensa que o bebê já está com 37 ou 38 semanas, quando ele está com 35 ou 36. Finalmente, parece que também há um componente biológico que estaria levando a uma maior tendência a nascimentos mais precoces", disse.

Por outro lado, outro ponto importante abordado pelo suplemento especial dos Cadernos de Saúde Pública é o hábito de fumar, que diminuiu segundo o levantamento, uma vez que 35,6% das mães de 1982 fumaram durante a gravidez, contra 25,1% das mães de 2004.

"Esse é um dos aspectos da maior importância do trabalho, pois mostra que ações integradas e continuadas têm grande potencial de modificar hábitos na população. Sem dúvida isso é o resultado de um esforço geral das campanhas nacionais, das fotos em maços de cigarro, da proibição da propaganda e da proibição do fumo em locais públicos", disse o professor.

Ele destaca ainda o aumento do aleitamento materno: a duração mediana da amamentação, que era de apenas 3,1 meses em 1982, chegou a 6,8 meses em 2004, além de que o aleitamento exclusivo, durante o primeiro trimestre de vida, praticamente inexistia em 1982 e, em 2004, já beneficiava um terço dos bebês estudados.

"O aumento do aleitamento também é resultado de anos de trabalho em termos de campanhas, tanto na mídia como nos serviços de saúde, da ampliação da atenção básica e da melhora da escolaridade das mães", disse Barros.

Para ler o suplemento especial publicado nos Cadernos de Saúde Pública, disponível na biblioteca on-line SciELO (Bireme/FAPESP), clique aqui.

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