08/03/2016
A amamentação vem se transformando em mais um daqueles temas que racham a opinião pública. De um lado, os que pressionam mulheres a amamentar no peito, como se as mães que não conseguem dar de mamar fossem menos mães do que as outras. E quem amamenta no peito também enfrenta a resistência de quem não admite que o ato seja feito em lugares públicos.
Como esquecer o caso da mãe de bicicleta, amamentando a filha já crescidinha, apontada como "pobre fazendo pobrice" e que motivou um movimento de apoio raramente visto nas redes sociais? A publicação causou indignação a mulheres que amamentam os próprios filhos, e deu início a uma série de postagens com a hashtag #pobrefazendoriquice e fotos de mães alimentando os bebês.
Grupos de mães, alguns específicos sobre as questões relacionadas à amamentação, vêm ganhando força no mundo virtual, como forma de combater todo tipo de pressão sobre as lactantes. Algumas vitórias já foram catalogadas, no que diz respeito ao direito de amamentar em público.
Episódios como o ocorrido em uma unidade do Sesc, em que a mãe foi impedida de amamentar, motivaram mamaços e ajudaram a moldar novas leis. Em São Paulo, por exemplo, já há determinação que pune o estabelecimento que impedir mães de amamentar em público.
Giovanna Balogh Redondo Padgurschi, idealizadora do Mães de Peito, é especializada em consultoria sobre amamentação, trabalho que realiza por meio de reportagens para seu site voltado para mulheres lactantes. E sabe o quanto a amamentação ainda é um tabu.
— Criou-se, com as redes sociais, esse julgamento de umas pelas outras, as que tiveram e as que não tiveram parto normal, qs que amamentam ou não. A mulherada tem de parar com essa guerra. Muitas vezes, a mulher que não amamenta não teve uma rede de apoio, foi desencorajada, teve o peito sangrando, e ouviu críticas de avós, tias, amigas; vira uma bola de neve. Por que ela não procurou uma consultora de amamentação ou um banco de leite humano, em que receberia orientação?
Meu leite é fraco e outras bobagens
O descaso com a amamentação, muitas vezes, começa no serviço médico. Uma mulher com dificuldade acaba iniciando o desmame precoce por falta de informação. E este é um ponto que gera ainda mais culpa nas mulheres, que se sentem incapazes e acham que vão deixar os filhos desnutridos.
— Toda mãe é uma excelente mãe para o seu filho, e é sempre um aprendizado. É preciso parar com esses rótulos, não existe isso de menos mãe, mais mãe. Gera só mais uma culpa, elas precisam de apoio. Tem gente que constrange a mãe, como foi o caso da "pobre fazendo pobrice". Tente se colocar no lugar da outra, respeitar a rotina, a vida que ela leva. Acho que ainda falta empatia, se ajudar mesmo, uma olhar pela outra.
Insistir, às vezes, é uma boa alternativa. Em recente entrevista, a atriz Deborah Secco, que deu à luz Maria Flor há dois meses, confessou que seu desafio agora é amamentar sua primeira filha.
— Não consegui amamentar, estou ainda estimulando para ter leite, para ver se ele volta porque ainda tenho pouquinho.
Para Thaisa Barros, do blog Super Mamães, sempre existe alguém para julgar quando o assunto é maternidade. Quando a mulher não amamenta, existe gente para criticar. Quando a mulher amamenta "demais", também existe gente para criticar.
— Sempre tento passar para essas mães a imagem de que nunca está "perfeito", além de apoiar quem procura ajuda. Existe uma aba sobre amamentação no blog, porém ainda é nova, mas a ideia é colocar desde informações baseadas na OMS, como também trabalhar esse lado psicológico.
A doula Luciana Ribeiro, do Canal de Parto, acompanha mães no pós-parto e amamentação. Ativista do parto humanizado e mãe de dois filhos (Sarah, de 4 anos, e Pietro, de 2 anos), ela revela ter tido todas as dificuldades possíveis no início do aleitamento com Sarah, além de depressão pós parto.
— Tive a sorte de cruzar com pessoas competentes e capacitadas a me ajudarem, além de uma rede de mães fantástica que resultou no meu sucesso na amamentação apesar de tudo o que aconteceu. Mas lá fora, lá fora não é assim. Eu não tive apoio de familiares, que me encorajaram a desmamar diante das dificuldades que iam se apresentando, não tive apoio de médicos que não fossem os humanizados. Ouvi até de uma plantonista de pronto socorro um " Você amamenta sua filha de 1 ano ainda? Que nojo".
Luciana acredita que o desempoderamento da mulher não começa na amamentação. Começa quando nascem, continua quando engravidam, e segue escancarado quando tornamo-se mães.
— Se amamentamos, estamos criando um tirano, se não amamentamos, tivemos preguiça de dar o melhor pro nosso filho. Se não trabalhamos, somos as dondocas sustentadas pelos maridos, se trabalhamos nossos filhos são os coitados abandonados pela mãe. A guerra a qual se refere não é entre mães, ela começa com o sistema patriarcal. É ele que coloca este embate entre o que devemos ou não ser. Porque nada está bom, afinal.
Segundo a doula, hoje a média de amamentação é de menos de 2 meses. Não são as mulheres que escolheram isso, nem os filhos que não querem mamar no peito. As mulheres que amamentam até 2 anos ou mais são uma incrível e fechada minoria, elas são julgadas, impedidas de amamentar em público, recebem olhares que fuzilam, recebem dicas de desmame por desconhecidos, são chamadas até de sem vergonha.
— Por trás das mulheres que não amamentam existe sempre um médico que disse que o bebê não estava engordando o suficiente, uma tia que insinuou que o leite dela era fraco, mas não teve uma ou mais pessoas que pegassem essa mulher no colo e dissesse:" aqui tem um problema mas temos solução, e a solução ainda é o seu leite e o seu peito. " ou "Fique com seu bebê que eu cuido do resto até vocês pegarem o jeito. A mulher carrega o bebê por 9 meses, é bajulada ATÉ que o bebê sai pro mundo. E aí os olhares correm todos para o bebê, e anulam a mãe que está lá, aflita, com sono, cansada, se sentindo sozinha e um peixe fora d'água. E, olha só a surpresa! Quando o bebê nasce ele não precisa dessas pessoas, é a MÃE que precisa de colo para poder dar colo pro seu bebê, que depende e quer exclusivamente ela.
Luciana relata que, como mãe, também já sofreu preconceito por estar amamentando em público, então sabe o quanto este tipo de situação é desagradável.
— As pessoas deveriam entender que amamentar é algo natural, não uma forma de a mãe se expor. A minha forma de apoiar é sempre passando a ideia de que o erro não está nela, mas sim na sociedade hipócrita que acha cultura mostrar os seios no Carnaval, mas um absurdo se for para alimentar um filho. Não consigo entender o motivo da polêmica...
No Estado de São Paulo, está em vigor desde dezembro de 2015, uma lei que prevê multa de R$ 510 para quem proibir a mãe de amamentar o bebê em qualquer local público ou privado. Em caso de reincidência, o estabelecimento terá que pagar a multa dobrada.
Segundo as especialistas, ninguém deve ser impedida de alimentar o filho, uma vez que é algo natural e saudável. A Organização Mundial de Saúde recomenda o leite materno como único alimento para os bebês até, pelo menos, os primeiros seis meses de vida.
Fonte: R7
UGT - União Geral dos Trabalhadores