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Número de assassinatos em SP é maior do que o divulgado pelo governo


03/03/2016

O número de assassinatos em São Paulo é maior do que o divulgado pela Secretaria da Segurança Pública. Levantamento feito pelo Estado em boletins de ocorrência registrados pela Polícia Civil como “morte suspeita” no primeiro semestre de 2015 na capital paulista achou 21 casos que ficaram de fora das estatísticas criminais. Eles foram depois reclassificados, na maioria, como “lesão corporal seguida de morte”, apesar de terem um histórico de homicídio. Isso aconteceu mesmo sem a polícia saber se a intenção do autor do crime era ferir ou matar a vítima. Assim, os casos continuaram sem constar das estatísticas desse crime.

 

Se os 21 casos tivessem sido incluídos nas estatísticas, o primeiro semestre de 2015 teria fechado com 3,6% mais vítimas de assassinato na cidade, ou 590 pessoas mortas em vez das 569 divulgadas pela secretaria. O número significaria uma variação positiva de 0,3% no total de vítimas de homicídios em relação ao mesmo período de 2014, que teve 588 mortes oficiais. Pela estatística do governo, no entanto, houve queda de 3,2% nas vítimas de homicídios em comparação com 2014. Em média, pelo menos 3,5 casos de mortes violentas foram registrados como “lesão corporal” ou “morte suspeita” por mês pela polícia.

 

Depois de obter os dados sobre os casos por meio de quatro pedidos feitos com base na Lei de Acesso à Informação, a reportagem procurou policiais civis, testemunhas e familiares das vítimas, que relataram que os crimes foram cometidos por traficantes de drogas, desafetos pessoais e até por assaltantes. Até agora, ninguém foi preso.

 

A relação de ocorrências traz casos de pessoas mortas a tiros, facadas e pauladas. As vítimas eram, na maioria, trabalhadores braçais, moradores de rua, dependentes químicos e estrangeiros. Há uma distribuição aleatória dos 21 casos, mas a maioria aconteceu na periferia.

 

O secretário da Segurança Pública, Alexandre de Moraes, sustenta que “as estatísticas da secretaria são 99,9% confiáveis”. Com base no levantamento da reportagem, o secretário informou que os BOs foram reclassificados, durante as investigações, para outros delitos. “Seis como homicídios, que logo foram colocados na estatística.”

 

Desde janeiro de 2015, o site da secretaria registrou apenas uma vez, em março daquele ano, uma atualização de dados após sua publicação mensal, a fim de incluir um caso de homicídio. Moraes entregou ainda uma planilha em que informava que 11 “mortes suspeitas” haviam sido reclassificadas como “lesão corporal seguida de morte”.

 

Planilha. A reportagem ouviu os desembargadores Amaro José Thomé Filho e Ivana David, do Tribunal de Justiça de São Paulo, a promotora de Justiça Mildred de Assis Gonzales, que trabalha há 20 anos no Tribunal do Júri, a professora de Direito Penal da Universidade de São Paulo (USP) Helena Regina Lobo da Costa e os delegados Marcos Carneiro Lima e Nelson Silveira Guimarães, ex-diretores da Divisão de Homicídios. Todos afirmaram que, sem conhecer o autor do crime e saber qual era sua vontade – ferir ou matar a vítima –, a polícia não podia registrar os casos como lesão corporal seguida de morte.

 

“Se você não identifica o autor, mas ouve uma testemunha que esclarece que ele não tinha motivação de matar, pode ser que mude o caso. Mas eu não sei como pode transformar um caso de homicídio em lesão corporal sem identificar o autor”, disse Silveira Guimarães.

 

A Justiça já discordou da classificação de “lesão corporal” ou “morte suspeita” dada pela polícia em cinco desses casos e em um de “suicídio” e enviou os inquéritos à Varas do Júri, que cuidam de assassinatos. “Há uma resolução de 1998, do Tribunal de Justiça, de que, na dúvida, os casos devem ir para a Vara do Júri”, disse Mildred. Após ser alertada pela reportagem, a secretaria confirmou ontem a informação – reafirmou, no entanto que cinco casos continuavam em varas que analisam lesões.

 

Ao classificar os homicídios como lesão, a polícia deixa de encaminhar os casos ao setor especializado, o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) – ele foi o destino de só 4 dos 21 casos. Além de lesão, a polícia registrou casos como o de um corpo carbonizado como “óbito”, as mortes de supostos ladrões se tornaram “roubo”, um linchamento virou “overdose” e um espancamento, “atropelamento”. Até ontem, nenhum dado havia sido retificado na estatística oficial.

 

Caminho - A Secretaria da Segurança informou ontem que determinou à Corregedoria da Polícia Civil que apure por que os inquéritos de três casos descobertos pelo Estado foram abertos só em 25 de fevereiro, dia seguinte ao que a pasta foi procurada para saber o que a polícia havia feito nos crimes descobertos pela reportagem. Um quarto inquérito – classificado como roubo – foi instaurado em 29 de fevereiro, dia em que o secretário Alexandre de Moraes falou com a reportagem.

 

O levantamento do Estado teve como ponto de partida a análise de 3.766 casos de “morte suspeita” registrados no primeiro semestre de 2015 na capital, obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação. “Morte suspeita” é como a polícia registra óbitos em que há dúvidas sobre o que aconteceu – suicídio, acidente, queda ou mal súbito.

 

O Departamento de Administração e Planejamento da Polícia Civil (DAP) informou, também por meio da Lei de Acesso à Informação, que o número oficial de “mortes suspeitas” cresceu na cidade de São Paulo em 2015, em comparação com 2014. O aumento foi de 7,85% no período, passando de 4.035 casos para 4.352. No Estado, o salto foi maior: de 10.961 para 12.347 – aumento de 12,6%. Em paralelo, o governo Geraldo Alckmin (PSDB) divulgou reduções de homicídios em proporções parecidas: de 5,3% na capital e de 11,5% no Estado.

 

Os delegados Marcos Carneiro Lima e Nelson Silveira Guimarães, que foram da cúpula da Polícia Civil nas gestões de Mario Covas, José Serra e Geraldo Alckmin, criticaram a forma como “casos de homicídios” se transformaram em BOs de “morte suspeita” e de “lesão corporal seguida de morte”. E apontaram falhas no trabalho policial. “Morte suspeita é uma ignorância. É quase manipulado”, afirmou Guimarães. Para ele, falta fiscalização por parte dos superiores do trabalho dos delegados plantonistas – responsáveis por fazer os boletins.

 

Especialistas, como o criminalista Alberto Zacharias Toron e o procurador José Francisco Cembranelli, afirmaram que, na dúvida, a polícia devia abrir o inquérito para investigar o possível homicídio. Além dos 21 casos, a reportagem encontrou outros três em que o governo informou ter feito a reclassificação da “morte suspeita” para “homicídio”. Esses registros, no entanto, não constam de três planilhas fornecidas pela secretaria por meio da Lei de Acesso à Informação sobre os casos que entraram nas estatísticas oficiais.

 

Sigilo - Para confirmar os dados de homicídio da capital, a reportagem teve acesso à íntegra de boletins de ocorrência de “morte suspeita”, com informações das vítimas, de seus parentes e de testemunhas. O acesso a esse tipo de informação foi impedido, no mês passado, por determinação do secretário da Segurança Pública, Alexandre de Moraes. Ele alega que o intuito da medida é preservar a privacidade dos cidadãos.

 

Diante da polêmica, a medida terminou por ser revogada por decreto do governador Alckmin, que, no entanto, manteve restrito o acesso a dados pessoais, tendo como base trecho que protege dados pessoais na Lei de Acesso à Informação, de 2012. "A restrição a documentos de interesse público afeta o trabalho de jornalistas, pesquisadores e outros atores engajados no controle social; mas, mais do que isso: a restrição que o governo de São Paulo vem fazendo de maneira sistemática a dados sobre Segurança Pública é uma afronta à Lei de Acesso à Informação, cuja principal prerrogativa é a de que ‘a publicidade é a regra, o sigilo é a exceção’", disse Juliana Sakai, da Transparência Brasil.

 

Fonte: Estadão


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